sexta-feira, dezembro 21, 2007

Mais Avó Lígia

Vi a Avó Lígia ontem, quando estava a fazer horas para a minha camioneta. Era uma senhora muito, muito baixinha, muito redondinha, com uma feições muito bonitas que eu não fui capaz de reproduzir. As netas, duas, adoravam-na, era uma coisa que se via ao longe. Foi pelos seus gritinhos de júbilo que me pareceu perceber o nome da senhora. Pareceu-me, claro, o mais provável é que alguma coisa no crioulo me tenha induzido em erro. Não tem importância. O nome de Lígia assenta-lhe que nem uma luva; não me perguntem porquê. Tinha um sorriso de Avó Lígia para as netas e isso bastou-me.
Eu sei que é feio ter inveja.
Mas invejei às meninas a avozinha que elas tinham e eu não.

José Pacheco Pereira

Num antiquíssimo bloco Castelo (talvez de 1990) achei este desenho com um a piada já bastante desactualizada. Não me lembrava sequer de a ter feito, mas tenho de pedir desculpa ao Pacheco Pereira. Resistiu. Votou contra o seu próprio partido pelo menos uma vez, por causa de despenalização do aborto.
Mesmo tendo alguma simpatia pelo Pedro Santana Lopes - talvez por ser um tanto bardino, sei lá - pergunto-me: porque raio o PSD nunca elegeu este tipo para seu lider?
Mistério. Segredos das camarilhas?
Para mim, que sou de esquerda, quero que se lixe.
Mas é intrigante, não é?

Encontros ocasionais

A Avó Lígia

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Ainda a Fernanda Botelho

Nikias Skapinakis, Encontro de Natália Correia com Fernanda Botelho e Maria Joâo Pires, 1974
Não sei nada sobre este quadro. É o encontro de três mulheres, pintado por Nikias Skapinakis: a Natália Correia à esquerda, altiva, desdenhosa e dominadora; a Fernanda Botelho ao centro, discreta e hermética. E a Maria João Pires, distraidamente atenta, como se escutasse um piano na sala ao lado.
Não imagino que conjunto de circunstâncias levou alguém a juntar as três mulheres mais autênticas da cultura em Portugal na segunda metade, das duas que o século XX teve. Quem as apontou a dedo e disse: são estas. Agrada-me pensar que foi o próprio pintor. E agrada-me pensar que, se me tivessem perguntado, eu escolheria as mesmas três.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

«A morte, neste momento, não tem nada de assustador para mim...»

...Imaginas o que foi, «Cantor»? E eu, que já tenho os meus pergaminhos de maldade... eu que sou má, eu!...
A Pardala, coitada, lá estava a morrer. A morrer na cama onde eu dormia, quando ia ter com ela - sabias, «Cantor»? Não, tu não sabes ainda nada. Tens quinze meses, não sabes nada; nasceste numa noite fria e cresceste em noites quentes. Lembras-te da minha mãe? Eras tão pequenino! Nessa noite fugiste para a minha cama e eu não consegui enxotar-te, não tive coragem. Depois veio a Chiquinha... lembras-te? Uma sanguessuga com asas, lembras-te? Sabias que ela me descosia os vestidos e me fazia buracos nas peúgas só para me obrigar a pegar numa agulha? Uma vez deitei-lhe pimenta no leite-creme e ela ficou tão zangada... Doutra vez... tantas vezes, «Cantor»! Vinha ter com ela à cama, de noite e assustava-a com um uh! mesmo no ouvido. Ela acordava aos gritos, perdidinha de medo. E toda a gente se levantava e vinha ver, todos perdidinhos de medo! Até eu depois ficava com medo! Quando me doía o estômago, ela ria-see zombava. sabias que me acusava ao prior? sabias que rezei milhões de terços por culpas de que a Chiquinha me acusava ao prior? Sabias que uma vez, de noite, enquanto ela dormia, lhe cortei uma trança loira, a do lado direito, e lhe deixei pregado à camisa um bilhete que dizia: «Também eu vou levar os teus piolhos ao prior!». Sabias? Ela mostrou atodos o lugar da trança mas nunca o bilhete. Apanhei uma tareia, e ela riu-se muito e dizia «bem feito». Eu dava-lhe pontapés e ela ajoelhava-se, «Cantor»! Ela ajoelhava-se... a rezar por mim!
Fernanda Botelho (1926 / 2007) A Gata e a Fábula

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Justiça Privada

No Diário de Notícias de Segunda-feira, 3 de Dezembro do ano da Graça de 2007, vem esta preciosa notícia. Os ingénuos que julgavam que a Justiça era da competência exclusiva dos Tribunais, têm agora a possibilidade de se actualizar.

Justiça?

Porquê pagar mais?

Faça você mesmo!


O Portugal Caramba! propõe-lhe um kit de sobrevivência judiciária que lhe garantirá direitos reais, imaginários e locupletários.


1. Espingarda Holland & Holland, London, de canos e coronha já serrados, de modo a adaptar-se ao seu punho. A classe de uma arma personalizada, de fecharia de prata, coronha de nogueira e garantia para toda a vida.






Até os agentes do Estado o respeitarão.



2. Pistola metralhadora Uzi.



A garantia da eficiência da Mossad ao serviço da sua Justiça privada.

Se é o medo quem guarda a vinha, a Uzi guardará ainda mais eficientemente os seus direitos.





3. Um motorista da Agência Flanders & Gates, Assistência e Protecção, S. A., California, com provas dadas no Iraque, na Gâmbia e no Sudão.

Todos os nossos colaboradores têm cursos de Intimidação, Extorsão(1) e outras coisas que não seriam aprovadas pelo Tribunal Internacional dos Direitos do Homem. Mas, pronto, quem puder pagar, também pode mandar, não será?

Sim, e porquê só os outros?

(1) Extorsão, extorsão, extorsão.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Auto-censura



Ninguém diga que desta água não beberá.
Até este blog, que não queria nada com semelhante pessoa, aqui está a recomendar uma petição que terá de lhe ser dirigida. Valerá tanto como nada, a gente sabe.
Mas hoje, numa loja, uma menina magrinha que vinha cumprir o seu dever cívico de entregar pilhas gastas para reciclar, estava a ser vítima de um dos desportos favoritos dos adultos: arreliar o puto.
Não era nada de grave, via-se que eram amigos da garotinha. Só coisas do género: «Atão tu já as gastaste e agora é que as vens trazer?» ou «Se trouxesses essa caixa cheia de rebuçados a gente aceitava, agora pilhas velhas...»
Mas via-se que a menina estava a ficar brava: vinha fazer o que lhe dizia a professora, o que os pais mandavam, o que era certo, e gozavam com ela, ainda por cima?
O autor deste blog resolveu solidarizar-se:
«Não ligues, eles estão só a brincar contigo.»
E fez-lhe uma festinha no cabelo preto.
Recebeu em troca um sorriso de quem encontrou um aliado.
Mas a ele, Tacci, autor deste blog, tinha-se-lhe gelado o coração:
«Toquei numa criança!» pensou. «Vão pensar que eu sou um pedófilo!»
Claro que não pensaram. São pessoas sãs. Ou, quem sabe...?
A auto-censura já tinha funcionado. Que fazer depois disto? Alguém sabe?
Por isso, Senhor Presidente, mesmo que eu não goste nada de si e lhe possa garantir que é pessoa em que nunca votarei, não quer atender à petição que lhe vai endereçada ali em cima?

A petição pode ser assinada através do Portugal Profundo, de onde rapinei a tarjeta lá de cima. A bem da sanidade pública, se a das crianças vos for assim tão indiferente.

sábado, dezembro 01, 2007

Ingrid Betancourt

Gosto da palavra «compaixão».
Mais ainda do que de «simpatia», mesmo se significam exactamente o mesmo: sofrimento comum, comunidade de sentimentos, sentir em conjunto com...
E mesmo se «simpatia» também é uma palavra muito forte.
Mas «simpatiza-se» com uma colega de trabalho, com um político em destaque - embora eu ache difícil - ou com um publicista como o Vasco Pulido Valente.
Com Ingrid é forçoso que o que sentimos seja num grau mais elevado. Tem de ser a compaixão.
No meu imaginário, compaixão aparece acompanhada de respeito, de ternura. Não sei nada das suas ideias. Ignoro se é ou foi marxista, católica, liberal, populista ou uma mistura de tudo isso como acontece frequentemente na América Latina. Olho para as mãos dela, estragadas pelo trabalho pesado, imagino tudo aquilo a que as estratégias de sobrevivência a terão obrigado e sinto compaixão.
É o que mais próximo existe da irmãdade com a mulher orgulhosa e combativa que já foi. Com a mulher destroçada da imagem. Com a resistente orgulhosa que espero que volte a ser.
Com Ingrid Betancourt.

quinta-feira, novembro 29, 2007

Kafka era um saloio


Da «Carta Aberta» enviada pelo Sérgio de Sousa aos candidatos a Bastonário da Ordem dos Advogados respigámos, com a devida vénia, este bocadinho:

Uma trabalhadora, ao cabo de vários meses sem receber a remuneração do trabalho que continuava a prestar, despediu-se, invocando como justa causa para tal a falta do pagamento das retribuições mensais. Recorreu ao subsídio de desemprego e intentou uma acção contra a sua antiga entidade patronal peticionando o pagamento de salários em dívida, subsídios, indemnização. Requereu apoio judiciário para a isentar do prévio pagamento das taxas de justiça. A Segurança Social, considerando o rendimento do agregado familiar, o vencimento do marido da trabalhadora, número de filhos, encargos, acabou decidindo que a trabalhadora deveria ir efectuando mensalmente, para pagamento das taxas de justiça, depósitos autónomos de € 60,00. Ela assim fez. Frustrada a conciliação no início do processo por a entidade patronal não ter comparecido na audiência de partes marcada, a acção prosseguiu tento sido apresentada contestação e agendada a audiência de julgamento, que viria a ser por duas vezes adiada devido a impedimentos do tribunal. A autora continuou sempre a efectuar os depósitos autónomos mensais. Julgada finalmente a acção, a autora viu os seus pedidos procederam em 97,87% tendo decaído em 2,13%, constando da sentença a condenação do pagamento das custas na proporção do decaimento. Donde resultou, conforme foi notificado à autora, que as custas de sua responsabilidade se cifrassem em € 16,36. Entretanto, a soma dos depósitos autónomos efectuados pela autora ascendera a € 590,00, e a ré apenas tinha satisfeito a taxa inicial de € 178,00. Para surpresa da autora, o tribunal devoveu-lhe € 310,00. Como assim, perguntou ela raciocinando: se depositara 590,00, era responsável pelo pagamento apenas de 16,36, devolviam-lhe 310,00, onde tinham ido parar os restantes 263,64 euros? Tinham ido parar ao pagamento da parte das custas da responsabilidade do réu que este não pagara. Não devido a qualquer engano, é mesmo assim, de acordo com a lei, querem explicar-me, sem prejuízo de a autora poder vir a cobrar, dispondo até de título executivo, a quantia que lhe falta, da ré.
Não digam «lol» que é o conde das Calças Pardas. Se querem um conto, um conto lhes contarei.
Querem que lhes conte um conto?

quarta-feira, novembro 28, 2007

Violência Doméstica

«Esqueceram-se as Senhoras Deputadas da Oposição, do que temos feito, por exemplo, no domínio da violência de género, onde publicámos, sim Senhora deputada, não se ria, fomos nós quem publicou o Decreto que obriga as facas a serem ergonómicas e as vossas gargantas easy open!»

terça-feira, novembro 27, 2007

Aviso



Este blog tem estado fechado por motivo de não ter estado aberto.

sexta-feira, novembro 16, 2007

DÉJEUNER DU MATIN, Jaques Prévert



Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec la petite cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a reposé la tasse
Sans me parler
Il a allumé
Une cirarrette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis les cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s’est levé
Il a mis
Son chapeau sur sa tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu’il pleuvait
Et il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
Et moi j’ai pris
Ma tête dans ma main
Et j’ai pleuré.

sábado, novembro 10, 2007

Rã King

O Portugal, Caramba farto de vãs discussões sobre o momentoso problema de saber se o ensino privado é melhor do que o público, decidiu criar um prémio para a escola que tiver a melhor posição no ranking respectivo. O prémio consiste neste retrato de Sua Magestade e poderá ser orgulhosamente exibido pelo vencedor, quer sob a forma de auto-colantes, quer impresso nas T-shirts obrigatórias dos alunos. No caso de terem farda com casaquinho verde-garrafa, a imagem poderá também ser bordada no bolso superior do lado esquerdo.
Parabéns ao feliz vencedor, que este ano julgamos ter sido o Externato Alfa que teve zero negativas [0] tanto a Português como a Matemática. Se não tiver sido, o Planalto ou o Mira-Rio também servem.

quinta-feira, novembro 08, 2007

... if one litlle nigger should accidentally fall...

Regresso de uma viagem de negócios bem sucedida à África sub-Sahariana
Os inglêses têm um número espantoso de cantilenas maldosas, supostamente para crianças - pelo menos para aquelas que não foram criadas na delicodoçura anal das criações Disney. Os Three Blind Mice, por exemplo com os seus rabinhos cortados com uma faca de trinchar.
Nós também temos uma ou outra, suponho. Pelo menos, a história das Doze irmãzinhas, todas vestidas de bronze. Deu o tanglomango nelas, não ficaram senão onze. Dessas onze que elas eram, foram lavar os pés. Deu o tanglomango nelas, não ficaram senão dez... E por aí fora, até não ficar nenhuma. [Não sabem o que é um «tanglomango»? E acham que faz falta? Pronto: significa "malefício", "sortilégio", está bem?]
No entanto, se repararem, este post é sobre as migrações. Assim sendo, escolhi para epígrafe a cantilena Ten litlle nigger boys, mas cruzada com as Ten green botlles que tem uma musiquinha muito linda e muitíssimo cantarolável. O Google é óptimo, nestas coisas. Eu podia pôr aqui o link, mas vão lá, pesquisem vocês e encontrem a toada.
Podem cantá-la como quiserem: perizemples, vá lá, Ten litlle brazillian girls hangging na casa de alterne. If one litlle brazillian girl should accidentally fall, there' ten million litlle brazillian girls hangging on the wall.
Topam? Não preciso dizer mais nada, pois não?
PS: Este post, com o seu desenho irritante e iconoclasta - hoje diz-se "politicamente incorrecto" - deve-se à Ana e à Cláudia da Tertúlia do Pirilampo . Para elas, ainda estou a congeminar um desenho decente, se de tal for capaz.

domingo, novembro 04, 2007

Quando a emenda é pior do que o soneto

Juro: tentei com todas as forças. Esforcei-me. Rabisquei, apaguei, voltei a rabiscar. Nada. Nada saía. Nada entrava. A mais perfeita neutralidade ou, se preferirmos, a completa nulidade.
Algumas caras são desenháveis, por muito que se não goste delas. A de um boxeur europeuìzável, por exemplo.




Outras, saem-nos tão mal, mas tão mal, que apesar de porfiados esforços, nada melhoram. Quase se poderia afirmar que a culpa é do modelo. Esta senhora é um excelente exemplo: porque raio não tem ela uma cara desenhável?



Mas, como diria um cómico da nossa praça, "o verdadeiro artista", não desiste nunca. Faz ele bem.



Nós, que não temos tantas pretensões, imitamo-lo tanto quanto podemos. De fracasso em fracasso havemos de chegar à vitória final.


sábado, novembro 03, 2007

sexta-feira, novembro 02, 2007

sexta-feira, outubro 26, 2007

Mea Culpa

A propósito de um post do "Portugal, Caramba", um amigo mandou-nos um mail, nem por isso muito educado e que eu transcrevo sem vénia nenhuma porque ele não merece:


«Pá, escreveste uma coisa sobre ter o rei na barriga e não te lembraste da quadra do João? Não achas que era tua obrigação falar nele, e já agora, no Leal?»

A este «amigo», que não me autorizou a chamar os bois pelo nome (toma!), só posso dizer que pode ficar com a bicicleta: eu não conhecia esta quadra do João Bessa, como não devo conhecer duzentas mil outras que estão na colecção privada dos amigos recolectores de guardanapos, toalhas de papel e bilhetes de autocarro.

Quanto ao Zé, o José Bação Leal, eu não o conheci tão bem como este «amigo» e creio que o recente filme da senhorinha Luísa Marinho, de seu nome "Poeticamente exausto, verticalmente só» contribuirá muito mais e muito melhor para o dar a compreender.

Posto isto, e dado que o «amigo» tem razão (mesmo se eu me recuso a dar-lha) aqui fica a quadra do João Bessa:

Eu queria ser Monárquico,

mas há uma coisa que m'intriga:

haverá rei bastante,

p'ra tanto qu'o traz na barriga?

quinta-feira, outubro 25, 2007

Autofagia

Deve ser verdade que o escritor só sobre si mesmo escreve. E que, quando o tradutor é um poeta, só pode traduzir-se a si próprio.


A vida do Homem

Nove meses no fedor, depois nas faixas,

por entre crostas, beijocas, lagrimonas.

Depois à trela, na andadeira, em camisinha,

pára-turras na testa, cueiros por calções.

Depois começa o tormento da escola,

o á-bê-cê, a vergasta e as frieiras,

a rubéola, a caca na cagadeira

e um pouco de escarlatina e de bexigas.

Depois o ofício, o jejum, a trabalheira

a pensão a pagar, as prisões, o governo,

o hospital, as dívidas, a crica,

o sol no verão, a neve no inverno...

E por último - e que Deus nos abençoe! -

vem a morte e acaba no inferno.

G. G. Belli, 1833

Tradução de Alexandre O'Neill, que, por seu lado, escreveu:

O Enforcado

No gesto suspensivo de um sobreiro,

o enforcado.

Badalo que ninguém ouve,

espantalho que ninguém vê,

suas botas recusam o chão que o rejeitou.

Dele sobra o cajado.

segunda-feira, outubro 22, 2007

And the winner is...


A Gi foi tão querida que nos atribuiu este galardão:



Vamos afixá-lo aqui do lado direito logo que alguém nos ensine a fazê-lo. (1) Porque, não duvidem: não foi pelos skils informáticos que a Gi nos distinguiu. E a dizer a verdade, se motivo houve, para além da generosidade, nem fazemos ideia de qual possa ser.
E resta cumprirmos o preceito de indicar alguns blogues que valem a pena, muito mais do que o Portugal, Caramba.
Assim:
Pela singeleza que não é, de modo algum, simplória, "O Blogue que muda de nome" da Ana Gomes Ferreira.
Pelo gume da escrita, que não pelos bonecos deste vosso servidor, o "Histórias e outros escritos"
da Hainnish.
Pelo empenho e pelo rigor, "A tertúlia do Pirilampo" da Ana e da Moonoom.
Pela inveja que me fazem os seus cadernos de viajante, o "Diário Gráfico" do Eduardo Salavisa.
Falta um, não falta? Contentemo-nos com a riqueza dos links que estes nos oferecem.
A seu tempo nomearemos o quinto, se coisa diversa entretanto não decidirmos.
(1) Como se pode ver, graças à colaboração da Ana Gomes Ferreira, do "Em busca", já lá se encontra.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Para que servem as toalhas de papel nos restaurantes?

Para as mais variadas coisas, claro. A principal é fazer rabiscos, distraídamente, enquanto se saboreia a aguardentezinha, o charuto e um pedaço de boa prosa.

Não sei se no tempo em que o Stuart andava pelas tabernas a desenhar varinas com um pau de fósforo queimado, já os taberneiros as estendiam sobre o mármore das mesas. O que sei é que, se as houvesse e em vez do ordinário papel reciclado, se usassem folhas de 300 gramas, grão fino e 100% algodão, nem vos conto o salto que as artes teriam dado em Portugal. E que centros artísticos se teriam formado na Espelunca, ao lado do Liceu Camões ou mesmo na Suprema e no Vává, alí à Estados Unidos. Ou mesmo um pouco por todo o lado.
Em calhando, digo eu.

sábado, outubro 13, 2007

Concha y Toro, 1981

Malvada garrafa! A culpa não foi tua, eu sei. Mas, com seiscentos mel diabos! Porque é que não duraste mais uns meses? Mais uns anitos? Havias de estar soberba, o teu néctar naquele castanho escuro-avermelhado, translúcido e aromático, delicado e poderoso, aveludado e com um corpo grácil e feminino que quase se pode tocar, com a ponta erótica da língua!

Teríamos erguido os nossos copos aos tribunais chilenos que, enfim, acusam de ladroagem e desvio de dólares, locupletação e aproveitamento, ao velho ditador que os caldeirões do Inferno o tenham em óleo rançoso a ferver.
Teríamos voltado a encher os copos e a brindar, desta vez aos tribunais argentinos que ousaram, sim, ousaram condenar a prisão perpétua - quer dizer, até que o diabo o carregue - o Padre Cristiano, torturador, assassino e, como o tribunal decidiu, sequestrador.
"Dios sabe que era para bien del país!", disse ele em tribunal.
Para bem do país? Mas como? O país não é também aquele gente que se torturou e se fez desaparecer?
A Igreja argentina já pediu "perdão com arrependimento".
Teríamos bebido à Igreja argentina pelo seu arrependimento. Mas ficaríamos à espera de uma lei canónica, dimanada do Vaticano, que dissesse claramente:
"Nenhum cristão, sob pena de excomunhão, banimento e desprezo mais completo, fará jamais mal algum ao seu irmão, seja qual for o pretexto, político, religioso, militar, étnico ou ético."
A esse canon, sim, teríamos despejado galhardamente toda a garrafa e mais que fosse. E já muito bêbados, se calhasse, entoaríamos muito sérios o
"Queremos Deus,
ao Pai Supremo!
Queremos Deus
ao Redentor...
Zombam da fé
os insensatos,
Erguem-se em vão
contr'ó Senhor...
Da nossa fé ó Virgem,
o brado abençoai.
Queremos Deus que é nossa fé,
Queremos deus
que é nosso Pai..."
Respeitaríamos a nossa divindade e os Seus representantes na Terra enquanto, balançando-nos ao som do Queremos Deus, exibíamos a nossa bebida, tu, Concha y Toro, 1981.
"taritata-ta-titata...
Taritati-ta-ta-tatáaa!"
Mas tu, pobre e honesta garrafa, Concha y Toro, 1981, preferiste morrer. Um bom vinho, tem, antes de mais, o horror à hipocrisia.
Que dizer, senão em respeitoso recolhimento, paz à tua alma? Que no Paraíso, onde os vinhos honestos serão acolhidos com as honras devidas aos benfeitores da humanidade, tu te multipliques em muitos e muitos barris para gáudio dos bem aventurados.
Amen.

sábado, outubro 06, 2007

Como está crescido!

Este blog começou, faz hoje um ano, no dia 6 de Outubro de 2006.
E já recebeu os parabéns da Ana (clique para ver).
Nós agradecemos e acrescentamos um desenho descaradamente comemorativo.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Free Burma


Esta Senhora chama-se Aung San Suu Kyi.
É prémio Nobel da Paz, mas não é por isso.
Outros já o receberam e, se o mereceram, então também a Academia Sueca os merecia a eles.

Tem um rosto.

Margareth Tatcher, Madeleine Albraigt, Hillary Clinton têm caras. Suu Kyi é diferente.


Já vi rostos como o de Suu Kyi. Não muitos.
A Audrey Hepburn, por exemplo.
Lembram-se do seu rosto, vincado pelos anos, muito longe já da ingénua Natacha de Guerra e Paz? Lembram-se daquele corpinho frágil, devorado, intenso e sereno?

E tão bonita, no entanto.

Teria os seios caídos, magros, esvaziados. A pele, na barriga far-lhe-ia pregas descendentes. O cancro devorava-lhe já as parcas entranhas.

E tão bonita, no entanto.

Quando penso em Free Burma, é em Aung San Suu Kyi que penso. Quero-a livre, a passear pelas ruas de Rangoon, que imagino semeadas de pequeninas lojas e muitas, muitas casas de chá. Para viver serena e apaixonadamente. Para viver como quiser.

Burma? Então não era a Birmânia?

Free Burma!

terça-feira, outubro 02, 2007

O Rei na barriga?

Disclaimer ou coisa que se pareça: este grunho aqui em cima não é o senhor que se poderia pensar, mas como esse tal, que não é este, está de luto, não se diz mais nada.

quinta-feira, setembro 27, 2007

A Mãe queria que ele fosse canteiro

Mas deu-lhe Deus outro destino.

Disclaimer, ou coisa assim: este grunho aqui de cima não é nenhum engenheiro, por isso escusam de se pôr com ideias.

sexta-feira, setembro 21, 2007

O Cão que jogava xadrez XX

Lembra-se a minha gentil Senhorinha e lembram-se, talvez, as nobres Damas e os generosos Cavaleiros que nos lêem: quando as grandes desgraças da minha vida ocorreram, o Carlinhos, cheio de vontade de ir à casa de banho acabava de descobrir que, amarrada por um pedaço de cordão à coleira, trazia uma jovenzita em trajos zero.
Não fora a presença dos matulões da Alfredo Arroja - uma escola secundária ali perto, como já devo ter dito algures, no meio desta confusão - e o seu Priminho, que, tirando uma fotografias curiosas e uns sites mais ou menos explícitos e não muito pedagógicos, sobretudo para un jovencito de pocos años, teria ficado paralizado, os olhitos arregalados, porque, permita-me a minha Senhorinha dizê-lo: um corpo feminino, seja de menina, seja de velhinha, é a mais bela coisa que Deus criou. E o fascínio desta primeira visão nunca mais terá igual, por mais anos que se viva.
Mas, desculpe-me a minha Senhorinha, receio ter-me desviado.
Com estes remédios que me fazem o maior bem, devo dizê-lo, perco-me com alguma facilidade e a minha orientação espacial deixa um bocadinho a desejar. Suponho que... bom, peço perdão, já não sei bem o que é que eu supunha, pero me escusaran.
Vamos aos factos, que é onde eu menos me perco:
Perante os olhares gulosos (e um tanto envergonhados, convenho) de lúbrica concupisciência dos jovens secundaristas, o seu primo Carlinhos despiu rápido o blusão e fez com ele uma espécie de biombo. Queria, é óbvio, enquanto as bochechas se lhe cobriam de rubor, encobrir as desnudas intimidades da Magrizela.
Os crescidos da Alfredo Arroja, esses é que não concordaram. Não que os peitinhos da chavaleca fossem assim como as mamas da Pamela Anderson, nem que os seus pelitos púbicos estivessem tosquiados à moicano. Mas era o que havia, adolescente que se preza não é esquisito, porra!
Por isso, o mais reguila, que não o maior - esse ainda não tinha acabado de rir, umas gargalhadas que mais pareciam soluços - avançou com ar de ameaça:
- Sais da frente, ó minorcas, senão ainda levas na trombeta!
O Carlinhos tentou afastar a Magrizela empurrando-a com o blusão e tudo:
-Sai o quê! - refilou ele quase a chegar à esquina, de onde, aliás, nenhum socorro era de esperar. Mas o inesperado, muito embora com uma lamentável raridade, digo eu e a minha Senhorinha perdoar-me-á, por vezes ainda acontece.

Não foi, como leitores menos prevenidos poderiam ingenuamente esperar, uma intervenção da Divina Providência. Se fosse, algo de verdadeiramente sensacional havia de acontecer. Nos filmes de guerra americanos são os marines que desembarcam, loiros e escanhoados e com óculos ray ban para esconder a bondade intrínseca dos olhos azuis. Nos de cawboys e índios é a cavalaria que chega, comandada pelo velho e heróico coronel de farta cabeleira branca e impoluta casaca azul.
Ali, o que surdiu, a assobiar, gingão e de mãos nas algibeiras, foi o Zé Nesgas.- O Zé Nesgas? - perguntam as nobres Damas, os galhardos Cavaleiros.
Vejo-os daqui a franzirem os narizes. Como se alguma divindade a querer sacar de um herói, se lembrasse de um pequenitates, magrinho que nem um espeto e asmático ainda por cima.

Mas, acreditem ou não, por maldade ou ironia do destino, quem apareceu mesmo foi o próprio Zé Nesgas e ponto final.
- Fosga-se, man! - exclamou ele. - Que merdé-éstáqui?

E sem olhar a mais, sem querer perceber sequer, atirou-se para a molhada que se tinha formado entretanto.

Ele era uma perna do Carlinhos para aqui, um nariz da Alfredo Arroja esborrachado por um oportuno joelho, os óculos pisados com um crrac de mau agoiro e, Musas ajudai-me a descrever este gloriosos lance: que pensa a minha Senhorinha e que pensais vós, Damas e Cavaleiros, que terá feito a Magrizela?

Ora! Vieram-lhe ao de cima aqueles ímpetos caninos a que o delicioso aroma da adrenalina faz apelo e, com os beiços recuados a deixar ver uns dentitos brancos, rosnou um surdo rugido e lançou-se na refrega de um só galgão. E, curioso, desobriu ela, as mãos agarravam, fechavam-se sobre as coisas, um orelha no caso, enquanto os dentes rasgavam a gola do polar do infeliz secundarista.

- Man, a gaja é maluca, fosga-se! Ajuda aqui! - gritava a vítima.

Infelizmente para ele, um dos companheiros estava ocupado a sovar o Carlinhos e o outro estava a rodopiar aos pulinhos. Não se tratava, claro, nem de uma dança folclórica, nem de alguma extemporânea manifestação de júbilo. Era o Zé Nesgas que, se lhe agarrara de unhas e dentes à perna esquerda, as mãos fincadas no largo cinto pregueado, as pernas firmemente enganchadas à volta do joelho do grandalhão.

A coisa parecia empatada, o Carlinhos apanhava, a Magrizela mordia e o terceiro participante nesta guerra caseira não conseguia desenvencilhar-se do Zé Nesgas nem fazer-lhe grande mossa.

Foi então que o vozeirão do Deus-dos-Cães se fez ouvir:

- Não chega ainda, ó seus pamonhas?
Por mais de uns quantos segundos, até que a autoridade daquela voz penetrasse nas consciências dos lutadores, a molhada persistiu.
Mas já cansados, cada um afrouxou a presa e acharam-se os seis, arrojanos e amigos do seu Primo Carlinhos, sentados no passeio, exaustos, a respirar com força e a desentupir os narizes com esforçadas fungadelas.
Anúbis, o Deus-Chacal, empoleirado no tejadilho de uma Renault Trafic, olhava-os de cima para baixo, com desprezo.
- Seus xondranhecos! Bibicrichos! Não têm um grama de vergonha nessas trombas, seus futucas?
Ninguém lhe respondeu. A Magrizela porque ainda não conseguia descerrar os dentes. E os outros porque, esgotada a fúria inicial, já nem sabiam bem porque é que tinha começado a badérnia.
- Se haviam de lutar por mim, que sou a liberdade, a igualdade, a fraternidade e essas merdas todas, vocês, seus bardões, andam é à estalada uns com os outros. Não têm vergonha nessas trombas, ó parranas da porra?
Com as orelhas em pé, agigantava-se de tal modo que fazia lembrar a esfinge de Gizé.
Os alunos da Alfredo Arroja e o Zé Nesgas, que nunca tinham visto o Deus-dos-Cães e, diga-se, nem faziam ideia de que tal entidade pudesse existir, ainda recalcitraram qualquer coisa, mas pouca.
- Você tem alguma coisa com isto? - atirou o maior, a esfregar a orelha que a Magrizela tinha tentado arrancar.
Anúbis agigantou-se, os caninos subitamente a brilhar:
- E tu, queres levar um pão na tromba?
Não queria.
Os outros dois agarraram-no e deram-lhe a desculpa para basar sem perder a dignidade.
- Larguem-me! - dizia ele ainda enquanto os outros dois o levavam. - Aquele filho da...
Os impropérios perderam-se para lá da esquina.
Exaustos, mas triunfantes, os restantes contendores, ainda sentados no chão e a Magrizela pudicamente tapada pelo blusão do Carlinhos, olhavam para o Deus-dos-Cães.
- E agora? - perguntava Ele. - Que é que tu vais fazer?
Mas a resposta e, mais, a discussão que ela causou, só amanhã ou depois vou poder escrevê-la aqui para a minha Senhorinha.
É que está na hora da injeção e, pouco cristãmente, convenho, a enfermeira Rosinha que está hoje de serviço, não perdoa.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Aniversário da Hainnish

A Hainnish, do "http://historiaseoutrosescritos.blogspot.com/" faz anos hoje.
Não se diz quantos, claro, porque de uma Senhora não se fala, nem para dizer bem. Mas não são tantos como isso.

Devia ter mais tempo para escrever. Infelizmente não fomos nós quem fez este mundo. Resta-nos a consolação de que, atrás do tempo, o que há-de vir, senão mais tempo ainda?

terça-feira, setembro 11, 2007

O Cão que jogava xadrez XIX

Há quanto tempo, Senhorinha, aqui não venho!
Quantos e quantos dias passaram sem que eu me pudesse escapar até à secretaria, o seu Primo Carlinhos e a Magrizela a contas com os crescidos da Alfredo Arroja e eu lá em baixo, numa caverna escura, ausente até de mim, atado à inapelável opinião dos doutores.
Tudo começou com uma simplicidade tão grande e tão simples, num dia gorduroso como tantos outros, com um céu baixo de trovoada, e a enfermeira Rosa, com a sua túnica branca engomada, sem uma mancha, sem uma prega!
Que diferença!
Ela imaculada, cheirando a alfazema, num passo decidido, as sapatilhas com um levíssimo "ssss" a descolar do chão de ladrilho e os copinhos com as nossas drageias a tilintarem no tabuleirinho.
Nós sebosos, suados das noites sem refrigério, barbas por fazer, cabelos empastados, com a consciência dos nossos corpos, machos e imundos, e a enfermeira Rosa, grácil, clestial e perfumada, carinhosa e doce.
- Então - ronronava ela de cama em cama - dormimos bem hoje?
E bajuladores uns, taciturnos outros, lá fomos respondendo, consoante a noite melhor ou pior dormida.
E eu, como a minha Senhorinha talvez já não recorde, andava a dormir muito pouco porque vinha para aqui, no escuro da noite, com a lanterna e o carregador de pilhas o qual, como recorda, não era o neto da idosa senhora da Loja dos Trezentos.
Ao menos através deste teclado, dizia-me eu a mim mesmo, podia estar todos os dias, nem que fosse muito pouco, com a minha gentil Senhorinha.
E nessa fatídica manhã, quando a celestial enfermeira Rosinha se aproximou da minha tarimba, eu, mal acordado, quis levantar-me para tomar os remédios e zás!
O carregador de pilhas que pesava que nem chumbo e eu, no meu cansaço, não disfarçara suficientemente bem, caiu direitinho no pé da enfermeira.
Ainda se fosse uma patorra calçada de Doc Martens! Mas qual! Era um pezinho mimoso, dentro de um sapatinho higiénico de lona branca. O carregador, que era de ferro fundido, com um espigão, uma roda e um pedal, parece que lhe acertou de quina, em cheio no dedo médio do pé direito. O tabuleirinho voou com uma espécie de arco-íris de comprimidos coloridos e ela gritou. Mas gritou mesmo.
Foi um berro rasgado, sem nada da suavidade vaporosa da enfermeira Rosa; pareceu-se mais com o barrido de uma Mãe elefante a quem acabam de roubar o bebé de três toneladas.
E se estes tectos abobadados fazem eco!
A minha Senhorinha e as nobres Damas que eventualmente ainda por aqui passem, adivinham facilmente o que se passou e depois.
Os seguranças apareceram a correr, só depois o Chefe dos Enfermeiros e os Doutores. E toda a gente falava ao mesmo tempo, só nós, os doentes, nem piávamos, paralíticos de medo.
Apenas quando um segurança deitou a mão ao carregador de baterias e eu, delicadamente lhe disse que, com o perdão da minha Senhorinha, nenhum filho de uma hetaíra ia tocar nas minhas coisas e que eu tinha direitos constitucionais e que me queria queixar ao Provedor... Bom! Foi demais para eles.
Saltaram-me em cima como os macacos indianos sobem para o tejadilho dos combóios nas suas migrações anuais. Pareciam um cacho, pendurados uns no meu braço direito, outros na perna esquerda, até que senti no, digamos, glúteo uma picada e gritei:
- Acudam que estão a drogar-me.
Se já viram um rebanho de ovelhas paradas a olhar para o cão que lhes ladra do outro lado da cerca, sabem as nobres Damas e os valorosos Cavalheiros como me olharam os meus irmãos de camarata e de infortúnio.
Em breve me senti paralizado, atirado para o catre e amarrado com as correias de segurança. Não sei o que aconteceu depois.
É uma sensação aterrorizante.
Mil vezes desejei que me tivessem posto uma daquelas camisas de forças, a minha Senhorinha não sabe como é: uma coisa de lona, cheia de correias que nos atam os braços como se estivéssemos a abraçar-nos a nós próprios sem nos deixar livres senão as pernas...
As drogas, essas a mim, pelo menos, deixam-me o espírito livre para querer, para odiar, para a cólera. Mas o corpo, esse não nos obedece. Com um esforço inaudito, o gesto esboça-se, a mão ergue-se para logo tombar exausta, sem querer próprio.
Dizemos: penso, logo existo! Eu sou eu! Mas não é um grande consolo.
Penso, logo existo! Não creio nos meus algozes! Não. Não é um grande consolo para quem, manietado, vê partir a sua lanterna, o carregador de pilhas, todos os pequeninos tesouros que lhe davam acesso à sua Senhorinha. A própria vida.
Se vida se lhe pode chamar.
Mas, se não for isto a vida, que outra coisa poderá ser?
Agora, porém, que todos com sorrisos rasgados me acham muito melhor, a caminho da verdadeira cura desde que não deixe de tomar os comprimidos, vou ter vagares, liberdades, carinhos, favores, tudo.
Sorrio pasmado para todas as coisas, carreiros de formigas, sapos no tanque, figuras de relevo na televisão, baratas nos corredores à noite, osgas a passear pela parede atrás das buganvílias. Como é bom o mundo quando os Doutores e a enfermeira Rosinha tomam conta de nós.


terça-feira, agosto 28, 2007

Concha y Toro, 1981

Confesso aqui a minha mais profunda admiração pelos arqueólogos e sobretudo, pelos técnicos do laboratório que, a partir dos caquinhos quase invisíveis, conseguem reconstituir um vasinho romano completo ou o crânio de um Neandertal. É que eu nem um simples papel molhado consigo.

Mas convém explicar.

Antigamente os rótulos das garrafas descolavam-se facilmente. Punha-se a garrafa dentro de água e passada uma horinha iam-se encontrar flutuando descansadamente, os retângulos impressos e a garrafa, já despida dos seus pergaminhos, podia-se vender ao trapeiro que vinha gritar:

- Há jornai-zó-garrafach... queira-vender!

Ontem, porque queria aqui mostrar uma garrafa em especial e, como não me imaginava a passá-la pelo scanner (e afinal, teve de ser) experimentei descolar o rótulo. Bom, descobri que, se a cola não era solúvel na água, o papel do rótulo, esse era. Os pedacinhos mais minúsculos separavam-se, cheios de boa vontade, da cola subjacente, abandonando os seus irmãos sem quaisquer remorsos.

Tudo o que se aproveitou, paciente e desajeitadamente colado, foi a gravata vermelha e o colarinho.

A garrafa, claro, tinha história.

Um amigo, lá pelos anos oitenta e poucos, numa de «eu estou cá para ver tudo», viajou até à América do Sul e dessas turísticas andanças trouxe-me, generosa lembrança, uma garrafa de vinho tinto chileno, Concha y Toro, Casillero del Diablo de 81.

De esquerda como somos ambos desde que nos entendemos tant bien que mal neste mundo, logo ali combinámos que eu guardaria preciosamente o precioso líquido para o bebermos quando o Pinochas - vulgo, o ditador Augusto Pinochet, é escusado dizer - fosse derrubado com o estrondo devido e labéu de malfeitor.

O mal é que os anos foram passando. O torcionário, obrigado pelos amaricanos que não aguentavam já tanta má-consciência, deixou-se afastar com garantias de impunidades e de contas bancárias bem recheadas.

Não foi derrubado, como o muro de Berlim, não caiu com estrondo; deu um passo ao lado e recolheu-se a uma privacidade vigilante. Não achámos que houvesse motivos para celebrações. A garrafa do Casillero del Diablo lá ficou pacientemente, deitadinha em repouso. Mudou de casa, ao sabor de divórcios e separações, duas vezes.

Os ex-ditadores não confiam nos médicos dos seus países, et pour cause. Sabe-se lá quando é que, num hospital ou numa clínica, o enfermeiro de serviço ou a chefe da equipe médica, têm um pai ou uma mãe, torturados e mortos, para vingar!

O general Pinochas, sentindo-se envelhecer e já com alguma maleita, resolveu ir para Inglaterra tratar-se. A impunidade precedia-o na Loira Albion e tudo se teria passado pelo melhor se, entre os torturados, mortos e desaparecidos não houvesse uns quantos cidadãos espanhóis, pretexto suficiente para que a justiça de Espanha pedisse a sua extradição.

Rejubilámos e pensámos: «G'anda Baltazar, desta vez é que é!»

Eu fui espreitar a garrafa. O vinho mantinha a cor e o aspecto límpido, não parecia ter pé. Agendámos as comemorações.

Hélas! O Governo de Sua Majestade a Raínha Isabel II, por motivos humanitários, imagine-se, não concedeu a extradição e deixou-o voltar para casa à conta de que, pobre velhinho, já tão doentinho, agora já não seria justiça, apenas vingança!

Devíamos ter bebido o vinho nessa altura. Não se deve querer mais do que este baixo mundo tem para dar. O velho tinha sido tratado como devia, como um criminoso. Safara-se graças a um pretexto reles. Devíamos estar contentes, mas não estávamos. Lembravamo-nos de um Presidente, morto no exercício das suas funções. Tinhamos lido o livro da Isabel Allende, De amor e de sombra, os relatórios da Amnistia Internacional.

Mesmo reduzido a criminoso perseguido pela justiça, queríamos só mais um pouco: que fosse mesmo julgado. Que reconhecesse em tribunal umas culpazitas e que, em seu nome, um advogado pedisse misericórdia ao povo chileno na figura do seu Tribunal. A pena que lhe fosse aplicada nem era importante: para um velho como ele seria sempre simbólica. Mas nós, que ainda sonhamos com a Justiça, com maiúscula, acharíamos bem. Um euro de indemnização aos familiares dos desaparecidos, uns anos de prisão domiciliária... tanto fazia.

E a garrafa do tinto chileno continuou, imperturbável na sua pose de Grande Senhora, à espera do dia adequado.

Mas a esperança renascia. O Pinochas, no seu próprio país, com a imunidade levantada ou coisa assim, era acusado, ia ser réu de coisas passadas durante a ditadura.

Agora é que vai ser, pensámos nós.

Qual o quê. Paulatinamente, confortado com os sacramentos da Santa Madre Igreja, o estafermo passou-se. Que terá ele dito ao seu confessor antes de receber a extrema-unção? Já não importa. Escapou, o crime compensa, pelo menos se for apoiado pelos camonas.

Há dias, sem grande entusiasmo, abrimos a celebrativa garrafa de Concha y Toro, tinto de 1981. Como o Pinochas, também ela tinha morrido: deu para provar, fazer uma saúde silenciosa, mas pusemo-la de parte. Esperara demasiado.

- Filho d'uma vaca d'um... - comentou o meu amigo poisando o copo. - Nem a porcaria de um vinho nos deixou beber!


segunda-feira, agosto 27, 2007

Que farei com este bloco?

Grande Concurso de Blocos Castelo


Um bloco Castelo serve para escrever, para tomar apontamentos. Mas, em horas de tédio, de neura ou de simples vagabundagem das meninges, também pode servir para miudinhas fantasias de batalhas. Pega-se num lápis e acrescentam-se muralhas, torres, telhados, janelas. E com uma caneta de bico fino pranta-se-lhe dentro habitantes armados de lança ou espada em grande grita e correria. Do lado de fora as catapultas, os cavaleiros, engenhos de guerra e muitos, muitos bonequinhos.

O Guiness certamente reconhecerá mais este recorde nacional, só comparável aos vinte e não sei quantos indígenas dentro de um Mini ou os dezoito (ou coisa assim) dentro de uma cabine telefónica. Isto, claro, quando as havia e não eram simples campânulas partidas com os fios arrancados.

Na imagem abaixo há, segundo as contagens, 35, 36 ou 37 cavaleiros. E os peões, são 86 os atacantes e 24 a 27 os defensores. Solicita-se um júri independente para a contagem definitiva.

E o concurso está aberto

Claro que há mais opções.
Por exemplo, substituir os cavalos por tanques de guerra, encher os ares de helicópteros pairantes, arruinar o castelo e mostrar os seus habitantes já esventrados - o que será um notável feito no campo da miniaturização. Ou então esconder o castelo dentro de um campo de forças que o protege dos raios e coriscos das naves de Altair 65.

O desafio está lançado.

Portugueses e Portuguesas: o Guiness dos Blocos Castelo tem de ser nosso.

segunda-feira, agosto 20, 2007

Should any acquaintance be forgotten

Auto da Visitação

Acto único
cena única

Em cena está a Gi. Entram o Carlinhos, o Zé Nesgas, a Cusca e vários figurantes.

Cusca - É agora é que a gente canta?

Zé Nesgas - Pst! Quem é que manda aqui? Primeiro é o discurso. Vá lá, ó mongas. Tá'záspera de quê?

Carlinhos (lendo) -Hum-hhhum! S'Dona Gi, a gente veio cá, é só p'ra dizer que é assim mesmo, a gente acha que sim senhora!

A S'Dona Gi tem direito a Contradizer-se e a Ir-se embora, que são aqueles direitos que não vêm na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Parece que foi o Camus quem disse e era um g'anda maluco que escreveu sobre a peste. A gente acha que a sida é que dava jeito, mas ele, sobre as outras doenças, não disse mais nada.

E também podia era ter escrito sobre outra coisa que falta lá nos direitos do Homem e que é o Direito à Preguiça e isso é que era bué da fixe, a ver se os profes não passavam tantos têpêcês. Mas o pai alí do Zé diz que essa coisa dos Direitos do Homem é só para armar em gente fina é outra nice, porque quem não tem papel não tem vícios, é o que ele diz, e os Direitos do Homem é como os cigarros, já não se fuma nos escritórios, nem nas fábricas. Lá na Escola é que se fuma, mas é só os alunos, lá ao fundo, ao pé do Ginásio. As auxiliares são velhas e não podem correr atrás da maralha. Por isso só os Stores é que não fumam, tá a ver?

A gente acha que os Direitos do Homem é a mesma coisa, é uma g'anda treta. A S´Dona Gi não é homem, por exemplo, a Magrizela também não e é assim, o mundo tem pais e mães e pronto. E então, é como? Não têm Direitos? Não podia ir-se embora e tudo isso?

A gente acha é que sim e prontos.

Só ali a Cusca é que diz que havia lá no Bairro dela uma senhora que era amiga dos cães e gatos vadios e ia lá todos os dias dar-lhes um tacho de arroz e ossos e coisas dessas. E um dia, coitada, teve de ir para o hospital, que já era bué da velhinha e, pronto, nunca mais apareceu. A malta, tá-se a ver, teve de ir à vida para outro lado. Mas a Cusca diz que há um cão que ainda vai todos os dias à porta da velhinha, a chamá-la assim com as unhas na porta.

E é o que a gente tinha p'ra dizer. Acho que não havia mais nada, pois não? Mas, olhe, se a S'Dona Gi ouvir arranhar na porta, não ligue, não precisa de abrir. É só algum cão vadio com saudades, assim com'a gente.

Zé Nesgas - A gora é que é a cantiga.

Todos - She is a jolly good fellow, /She is a jolly good fellow, /She is a jolly good fellow, /and so say all of us...

Cai o pano




terça-feira, agosto 07, 2007

Mariazinha em África

Fernanda de Castro, Mariazinha em Africa, seguido de Novas Aventuras de Mariazinha, Círculo de Leitores, 2007

Nunca tinha lido nenhuma das Mariazinhas, mas, lá por casa, contavam-se episódios, sobretudo os do cozinheiro Vicente, guineense que, no fim do livro, obtém licença para acompanhar a família de volta a Portugal.
A cena que melhor recordava, de todas as que me terão sido contadas, fui achá-la na sequela já europeia das aventuras da Mariazinha:
A Mãe - referida sempre como «a mãe» - resolveu ir a Lisboa às compras e levar a Mariazinha e o Vicente, 'este último', explica a autora, 'para as ajudar a carregar com os embrulhos.'
Mas quando voltam para casa - moravam numa quinta na outra banda e nos anos vinte do século passado não havia ainda ponte sobre o Tejo - não trazem o Vicente.
'- Fizemos bastantes compras', explica a «mãe», 'e como já estávamos muito carregadas, entreguei os embrulhos ao Vicente e disse-lhe que esperasse no elevador de Santa Justa. Não sei o que aconteceu, mas esperámos quase duas horas e a respeito de Vicente, nada!'
Mais duas horas se passam e o Vicente lá aparece, 'extenuado, com os embrulhos feitos num figo, descalso, de botas na mão, nem quase podia falar!'
O que tinha acontecido? O Vicente esperou no elevador, como lhe tinham ordenado, e ninguém o veio buscar:
'Inlivador pra baixo, inlivador pra cima, mim dentro inlivador, branco ladrão tirar dois tostões pra baixo, dois tostões pra cima, mim gastar tostão todo, mim ter fome, mim doer pé, mim ser coitado, mim querer ir Guiné!' (Novas aventuras, pags. 173 e 181)
Mas o que mais me espanta nestas historinhas para crianças é a ingénua tranquilidade com que se narra o impensável:
Devido, provavelmente a um aterro feito 'por detrás da Alfândega' uma epidemia misteriosa assola Bolama, então o principal porto e a capital da Guiné. Ataca de preferência os brancos, que inconveniência, o que não impede 'Mamadi, o pretinho Mamadi,' de estar quinze dias 'entre a vida e a morte'.
'- É um pavor! - dissera o médico. - Só chega um barco por mês e não há recursos, não há enfermarias, não há camas bastantes! E o pior... - acrescentara - o pior, meu caro amigo, é que o quinino está a acabar!
(...) 'O pai de Mariazinha, que era um homem previdente, logo que começaram a aparecer os primeiros casos do estranho mal, telegrafou imediatamente para Lisboa a fim de marcar lugares no primeiro barco que passasse por Bolama com rumo a Portugal. E, como já tinha direito a licença, fácilmente conseguiu autorização do ministério para acompanhar a mulher e os filhos.' (Mariazinha, pags. 90 e 91)
E Fernanda de Castro dedica as restantes páginas do capítulo a descrever a debandada dos valorosos colonos, na esteira das Autoridades como o Pai da Mariazinha que era o comandante do porto, ou o Governador, que se apressa a mandar também a filha embora.
Não creio que seja preciso dizer muito mais.
Só que me foi muito simpático encontrar estas historinhas que fizeram, em tempos muito idos, os encantos da ainda menina, senhora minha Mãe.

sábado, agosto 04, 2007

Tolices e amarguras

Arrumar livros é um dos maiores prazeres que Deus Nosso Senhor inventou.
Abre-se uma mala, daquelas de madeira, com os cantos reforçados a lata e ripas ao comprimento, e fica-se sentado no chão, a reler os livros da nossa infância; perdemo-nos nas velhas colecções Branca da Clássica Editora, ou na "Civilização" (séries Amarela ou Azul) das nossas avós. Descobrimos autores com que nem sonhávamos.
Por exemplo, Octávio Sérgio, que escreveu este livro e lhe desenhou a capa:


E lê-se:

"...Depois as nossas bocas colavam-se num grande beijo, e eu, nervos lassos, adormecia no aconchêgo deliciosamente môrno dos braços da minha amante, de bem com Deus e com os homens (...)!

Decorriam venturosos êsses dias de Setembro de 1928, que agora, volvidos dois lustros, vou rememorando na amargura da saüdade.

A tolice expia-se confessando-a e relembrando-a, dizia Camilo, que entendia de tolices e amarguras. Eu, sempre que posso, trago estas recordações a molde, porque sinto depois a consciência mais leveira.

A Santa Madre Igreja, instituindo a confissão, sabia bem que de um malandrim raro se faz um santo, mas entendeu que o pecador, emquanto se alivia, não comete outro pecado além do gôzo que sente em relembrar os que já lá vão.
Nisto não diferem os novelistas dos católicos praticantes.
Eu trago, sempre que posso, estas recordações à balha, porque assim torno a viver um pouco. Nenhuma espécie de arrependimento me move à confissão. Peco quando recordo, porque sinto ainda na epiderme o contacto môrno dos lábios de Milu.
Os pecados lembram muito mais do que as virtudes. Por isso é que a Igreja manda confessar os pecados e não as virtudes."
Octávio Sérgio, A Quimera, pags. 77 e 78, 1938

quarta-feira, agosto 01, 2007

África, Mariazinha em

Cristina Malhão-Pereira, Venturas e aventuras em África, Porto, Civilização Editora, 2007

Não sei, mas, em calhando, a Fernanda de Castro, em Mariazinha em África, criou um dos mais curiosos mitos da nossa cultura recente, ou, se preferirmos, um dos mais retorcidos caminhos (sem saída, claro) do nosso Labirinto da saudade.
A imagem é bonita: a menina de vestidinho branco, os longos cabelos apanhados em laços ou soltos pelos ombros, o largo chapéu de palha, quando não mesmo um capacete colonial, para que não lhe amareleça a cútis. Em fundo, pode vir a Mãe preta, espécie de baby-sitter colonial, ou o menino negro, também ele uma espécie brinquedo descartável quando a Mariazinha crescer.
É claro que a Mariazinha tem de pertencer à classe dominante, àquela onde os Governadores são recrutados, e num futuro não muito longínquo casará com um militar. Não será bem uma Lady Mountbatten, mas jogará as suas partidas de ténis com uma saiita branca e, se tiver sorte, habituar-se-á a montar.

O livro de Maria Cristina Malhão-Pereira é um livro de esposa, esposa de um oficial de Marinha, primeiro na Guiné - 1969-1970 - e em Moçambique depois, até 75.
O padrão «Mariazinha no baile do Governador» ou «Mariazinha vai à caça dos leões», embora adaptado a países ocupados militarmente, com guerras sabe Deus onde, lá para o mato onde estoiram minas e o perigo espreita o nosso marido, é seguido tão à risca quanto possível. À consciência da superioridede moral e civilizacional sempre presente, vem, no entanto, juntar-se, uma vez por outra, a sombra de uma dúvida:
"Nem queria pensar que ia ficar ali, na praça da Bajuda, sozinha e de noite", narra a autora. "Estava quase a chorar, quando vi um taxi a dar a volta na rotunda. Fiz-lhe sinal, mas do outro lado adiantou-se um africano enorme, de balandrau branco até aos pés, cofió na cabeça e ar altivo.
"Quando o vi já dentro do carro, o meu desapontamento não podia ter sido maior. Mas, o taxi aproximou-se de mim e parou. Fiquei varada de susto. O homem do cofió saiu e disse-me que me cedia o taxi, pois eu estava com uma criança e, como era perto do médico, se calhar doente. Fiquei ainda mais receosa com aquela atitude pouco usual. [...] Ele sorriu com uma ar entendedor, delicado e ao mesmo tempo muito triste, pois percebera muitíssimo bem toda a minha atitude. Fiquei desconfortável, chocada comigo mesma..." (pag. 39)
Mas à desconfiança, ao desconforto, pode seguir-se uma verdadeira esperança:
"Tive a certeza, que grande parte dos meus dias no futuro se passar iam naquela lindíssima praia."
"[...] Fomos logo nesse dia convidados para vários eventos sociais a ter lugar durante a competição de pesca e ficou assente que iríamos, passados dias, ao jantar de distribuição de prémios. Todo aquele colorido e animação fizeram com que encarasse os quatro anos a passar em Moçambique como, com certeza, muito agradáveis." (pag. 159)

Enfim, apesar do tom em «Eu Maior», é um livrinho bom de se ler, e simpático, ainda por cima.

domingo, julho 29, 2007

Guerra do Silêncio

Margarida Calafate Ribeiro, África no Feminino, As mulheres portuguesas e a guerra colonial, Porto, Afrontamento, 2007
É uma recolha de depoimentos de mulheres que acompanharam os seus maridos nas mobilizações para as colónias, Angola, Guiné e Moçambique sobretudo. Esposas de soldados, portanto, militares de carreira e oficiais na sua maioria.
Pode ser uma limitação deste trabalho de Margarida Calafate Ribeiro. Ou talvez não. Poderíamos ter sido informados de quais os critérios da recolha e, já agora, dos critérios de transcrição. São depoimentos orais, gravados e trancritos? São depoimentos escritos? Como foram escolhidas estas mulheres para participarem nesta compilação? Que problemas lhe suscitou o método adoptado? Viu-se obrigada a rever a metodologia?
Enfim, Margarida C. Ribeiro não nos diz e é pena. Seria um livro completo. Assim é apenas muito interessante, se "apenas" se aplicar a um caso destes.
Com a devida vénia, transcrevo uns pedacinhos, quase ao acaso, para dar uma amostra daquilo que pareceu mais importante. Mas é melhor ler o livro todo, claro.
Depoimento IV:
"Disse-lhe: «Já viu? Morreu um homem e as pessoas fizeram a festa e fizeram o baile?!», e ele respondeu-me: «Em que planeta é que você está? Em que planeta é que você está? Já leu hoje o jornal? Já leu hoje o jornal?» Eu respondi: «Li». E ele disse-me: «Alguma vez, desde que chegou aqui a Angola, viu alguma notícia de guerra no jornal? Alguma vez ouviu falar de guerra?!", «Esta gente...» - não estava lá mais ninguém, estávamos os dois sozinhos - «... esta gente alguma vez fala da guerra?! Para eles a guerra existe?! A guerra não existe, não percebeu?». (pag. 93)
Depoimento III:
"Na rua onde eu morava havia o comando da polícia uns metros abaixo. Parecia uma polícia normal, mas o que é certo é que se ouviam os gritos. Eu lembro-me de diariamente, durante a noite, haver gritos lancinantes! Era impossível não ouvir, mas ninguém falava nisso, ninguém sequer comentava aquelas noites rasgadas de gritos." (pag. 76)
"O regresso não foi, portanto, brilhante. Perante todas as convulsões e confrontado com determinadas situações, o meu marido recomeçou a ter medo e recomeçou a beber. Lembro-me de ele começar a beber de manhã, por volta das dez horas, e tornou-se extremamente agressivo. Começou a maltratar sobretudo o filho que sempre rejeitou e a mim. E a partir de 78-79, 80-81, até 84, foi a pior guerra que eu vivi." (pag. 81)
Depoimento XVI:
"Para todos nós, acho que esse tempo africano é um tempo de saudade e foi muito importante estarmos sempre juntos. Na altura, os meus filhos não se aperceberam da guerra, do que era a guerra, porque a guerra não se sentia no nosso dia-a-dia."

quinta-feira, julho 26, 2007

Homem ao Mar!

Livros!
Gostam de livros?
Pois.
A mim, de pequenino, ensinaram-me a estimá-los.
No livro da terceira classe, ou um desses, vinha uma história, das edificantes, género alguém a perguntar:
‘Viveis sempre só, Senhor Petrarca?’
‘Só?’, respondia o poeta, ‘Vivo sempre rodeado de amigos.’
E, arredando uma cortina, mostrava uma fila de livros.
Eu não sabia quem era esse tal Petrarca, mas a reposta dele estava de acordo com os conselhos maternos.
A Senhora Minha Mãe era uma leitora impenitente. Já bastante velhinha ainda olhava em redor, via um livro em cima de uma mesa e perguntava: «Que tal é este livro?»
E zás, antes de saber a resposta ou sequer se alguém o estava a ler ainda, começava a sua paulatina leitura. Parava, de vez em quando, para fazer um comentário.
Já com os seus oitenta, ou perto disso, leu A Montanha Mágica pela primeira vez. Adorou reencontrar um mundo ainda próximo daquele que viveu na sua meninice, quando a doença romântica era a tuberculose porque levava os jovens e quando uma senhora de sessenta anos «era de muita idade». Quando os vícios ainda não se chamavam adicções: eram o vinho, o tabaco e, o mais desgraçado de todos, o jogo.
E toda a gente, desde sempre, fazia troça. Contavam-se histórias das suas distracções.
A mais célebre era a do arroz.
“Vergonha,” decretou um dia o Milôr Fernandes, “não é fazer embrulho de papel de jornal. Vergonha é ler o embrulho.”
A minha Mãe passou por essa vergonha.
Foi assim: antigamente, quando havia tempo para essas coisas, tirava-se do lume o arroz ainda com muito caldo e punha-se na arca, embrulhado em jornais, a enxugar.
À hora da refeição, estava soberbamente cozido e solto.
Um dia em que a mandaram buscar o arroz à arca, obedeceu prontamente, mas nunca mais voltou. Dá para adivinhar que foram dar com ela, muito quieta, ao pé da arca, a ler um folhetim no papel do embrulho.
Esta foi a mais importante das influências que eu sofri.
Mas houve outras.
A minha Avó era da firme opinião de que ler fazia mal. Como tantos outros vícios, só moderadamente se devia abusar. «Tanto leu que tresleu!», dizia-se e era verdade. E vinha o exemplo:
- Olha o Dr. Ferrer! Tinha tantos livros que tinha uma criada só para limpar o pó à biblioteca! E tanto leu que ficou assim! (gesto significativo de senilidade precoce ou irremissível demência)
Para a Senhora minha Avó, uma asserção universal provava-se, sem possibilidade de contradição, por um exemplo socialmente admissível. E não valia a pena contraditá-la usando o contra-exemplo: que uma andorinha não fazia o Verão, também era indiscutível.
Outras pessoas da família, ou não liam ou saltavam as partes mais aborrecidas. Imagino que A Montanha Mágica, com as suas mil e tal páginas, se lesse em hora e meia: os discursos do Sr. Setembrini, decididamente, não tinham interesse nenhum.
Para a minha Mãe, não.
Um livro começava-se pelo princípio e lia-se todo. Era uma espécie de cobardia abandoná-lo a meio, fosse qual fosse o pretexto. Era como se nos tivéssemos deixado derrotar por um livro, um adversário que devíamos transformar em amigo para toda a vida.
Imaginam o que ela sentiu quando leu o seu primeiro Mário Cláudio.
Ela que devorara a escrita enredada e experimental do Abelaira, a falta de pontuação do Saramago, ela que apenas franzira o nariz ao erotismo serôdio do Jorge Amado em Teresa Batista, cansada de guerra e nem pestanejara com A obra completa de Sally Mara, do Quenaud, sentiu-se soçobrar perante o prosador do Norte.
Quando lhe confessámos que tínhamos tido as mesmas dificuldades, suspirou de alívio.
- Eu sei que estou a ficar velha - explicou-nos. – Mas, mesmo assim…
Por respeito pelo Mário Cláudio, não adiantou a conversa.
Não sei se tudo isto explica porque é que tenho a casa devorada pelos livros. Sei que o livro ainda é pior do que os priões da BSE. Fica a incubar anos e anos e, de repente, quando temos de mudar de casa ou tão só renovar a mobília, parece explodir: o nosso cérebro transformado em esponja mostra-se incapaz de dominar a situação.
Lembram-se do Patinhas a nadar na caixa-forte? É como nós nas bibliotecas. Mas o quaqualionário não se afundava, enquanto nós estamos quase a perder o pé. Estamos quase, quase, a morrer afogados em livros.
Rezem-nos pelas nossas almas, sim?

quinta-feira, julho 19, 2007

O Cão que jogava xadrez

AVISO:
Não se sabe por que bulas, o Blogger entendeu que o XVIII episódio da Saga do Carlinhos e da Magrizela, já fora do Canil Municipal, ficava melhor lá mais abaixo.
Em querendo localizá-lo, é melhor clicar aqui ao lado.
Que se há-de fazer?
Impõe-se a resignação.
PS: Graças à Ana, que deu as necessárias dicas, o episódio tresmalhado voltou para o seu lugar, como era devido. Ainda dizem que vivemos num mundo sem solidariedade e que é cada um por si. O «Portugal, Caramba!» tem muita honra em vir aqui, publicamente, desmentir essas atoardas e, se permitem o neologismo, agradecer à «dicadora».
Bem-haja.

O Cão que jogava xadrez XVIII

Lembra-se a minha Senhorinha de que o seu Primo Carlinhos tinha ficado muito chocado com as declarações do Deus-dos-Cães - que a si mesmo chamava Anubis?

Pois ficou e nem admira, mesmo sabendo nós que a educação intransigentemente católica da sua excelente Tia já tinha sido um tanto moderada por algumas dúvidas bastante substantivas.

A culpa, diga-se, foi do inevitável Zé Nesgas que lhe disse sardónico quando o viu a sair da missa: «Ina man, porra! Também acreditas no Pai Natal?»

É claro que o seu Primo ficou danado e correu atrás do Zé Nesgas para lhe bater (ainda não eram amigos do peito). Tinha a vantagem das pernas mais compridas, mas, como perdia e muito no peso, em breve se esfalfaram ambos e sentaram-se, meio reconciliados, a ganhar fôlego.

«E tu», perguntou o Carlinhos, a romper o silêncio rancoroso, «tu não queres ir para o Céu?»

O Zé ainda gozou aquelas coisas do costume que todos ouvimos em miúdos, que não conhecia lá ninguém e que era só pobres de espírito a cavalo nas núvens. Mas depois, um bocadinho mais a sério, explicou que o Pai nunca lhe tinha ensinado essas coisas e que lá em casa só a Avó é que ia à missa, mas ele, Zé Nesgas, não ia à bola com «essas tretas para tótós».

E, como já tinham descansado, o seu Primo zangou-se outra vez e, claro, nova correria. Quando um gritou «chimpas» para atar um sapato esqueceram-se do assunto que, tem de se dizer, na altura não parecia merecer grande reflexão. Na pubredade as coisas são assim.

Mas a ideia de que «tudo aquilo» pudesse ser «treta para tótós», como o Pai Natal e o Menino Jesús a dar prendas aos betinhos, ficou a trabalhar-lhe lá dentro. Ná! O Zé Nesgas havia de ter alguma razão, senão era ele, Carlinhos, quem havia de ter ganho uma bicicleta pelos anos e não o mongas do Hugo Vinhas que só tinha negativas.
Uma coisa, porém, e as minhas Gentis Leitoras certamente já pensaram nisso, é duvidar um tanto dos deuses, admitir que este mundo pode ser assim, como que um simples jogo de forças cegas, indiferentes à justiça e ao bem.

Outra, cem vezes mais difícil, é ter umas réstias de crença, dar de caras com um deus ao vivo e perceber que ele aceita o mal com o mesmo destempero da Stora de Inglês que não tem mão na malta e, zás, marca faltas de castigo a torto e a direito. Isso é que é lixado.

Claro que a minha Senhorinha, as gentis Damas e os garbosos Cavaleiros que me lêem agastados com tanta heresia, se estão neste momento a interrogar: «Que terá toda esta conversa a ver com o que aconteceu ao Carlinhos e à Magrizela?» Mesmo compreendendo a vossa impaciência e sem querer eu, pobre demente, causar mais escândalo do que aquele que para aqui me trouxe e já não foi pouco, é necessário que vos explique o estado de espírito de um tímido jovem que ia só à procura de um cão que jogasse xadrez e que não se importasse de ser aspirado para não largar pelos nas alcatifas. E que obteve ele? Uma cadela velha que não jogava coisa nenhuma?

E seria assim mesmo, sempre, que as coisas se passavam lá no Canil?

Enquanto seguia, cabisbaixo, pelas ruas afora, a Magrizela resignada à corda atrás dele, começava a pensar que nada daquilo tinha sido verdade.

- Sonhei - concluiu ele. - Ou então foi uma daquelas pedradas que a Stor Padre falou, que dão estas merdas: a gente fica marado e julga coisas. Aquele deus, Anubis ou lá o que era, não pode existir, foi o que disse a Sónia na catequese. Há um só Deus que governa no Céu e na Terra e que não me deu a bicicleta porque... pronto, não sei porquê, mas o Vinhas havia de merecer mais do que eu...

Ia assim concentrado, entretido no seu processo de denegação, e nem ouviu a Magrizela, lá atrás, a dizer «olha que giro! Sou capaz de andar como tu!» Foi só ao virar da esquina, já perto de casa, que se deparou com os matulões, da Alfredo Arroja de certeza, a barrar o caminho. Pareciam mais embaraçados do que agressivos.

- Que é que tu trazes aí, ó puto? - quase gaguejava um deles.

O Carlinhos tirou vantagem da situação e respondeu, no tom mais agreste que conseguiu:

- É um cão, não se vê?
Mas, ao dizer isto e enquanto um dos parvalhões da Alfredo Arroja se rebolava em gargalhadas alarves, «um cão, fosga-se, ouviste, o puto diz que é um cão», virou-se para apontar a Magrizela e o queixo caiu-lhe até ao peito.

Na ponta do cordão, com a coleira ao pescoço, estava uma chavalita, nuínha como tinha vindo ao mundo, bonitinha e sorridente.

- Tás a ver como eu consigo andar nas patas de trás como tu? - dizia ela.


O que aconteceu a seguir, se me escapar amanhã à noite, vou tentar contá-lo, por muito incrível que pareça. Basta dizer que o Deus-dos-Cães voltou a aparecer, empoleirado em cima de uma velha camioneta à beira do passeio, para as minhas gentis Leitoras terem uma ideia do estranho que tudo aquilo foi, para mais em pleno coração do populoso bairro.

domingo, julho 08, 2007

Diz o quê?

A gente aqui não conhece o Senhor António Balbino Caldeira, do Portugal Profundo. E ele, a nós, ainda menos.
Dizem que, se um tal José Sócrates de Sousa não chegou a ser engenheiro, a ele o deve. Mas, mal-agradecidamente, em vez de ficar contente, não: processou-o. Pessoalmente, se pessoalmente contamos alguma coisa - e até hoje não se viu - a gente acha que não foi a melhor opção. Se amor com amor se paga, nos blogues é a mesma coisa. O Senhor José, se tinha alguma coisa a dizer, bem-educadamente chamava um dos seus secretários e dizia-lhe:
- Pá! Faz aí um blogue para responder a esse paínço.
Mas, a vida tem destas coisas. Em vez desta atitude razoável, resolveu apresentar queixa, a gente não sabe em que balcão: «aquele menino é mau, usou a Net, que é o meio de comunicação mais universal e portanto não serve para isso, para denegrir na minha reputação...»
- Qual, qual? - perguntámos nós, ansiosos e perturbados.
O caso não era para menos: na nossa santa ignorância, lorpa e iletrada, não déramos conta de que ele tivesse uma, a menos que fosse a de ser Primeiro Ministro não sei de onde. Mas isso não acreditamos, nem nós, nem ninguém. Nem o mongas do Quim Gordo que quis ser palhaço, carroceiro, princês, treinador de elefantes e acabou varredor da câmara, alguma vez lhe passou pela cabeça que se pudesse ser tal coisa.
Debruçámo-nos atentos sobre a blogaria.
Éramos uma roda de compadres, todos na casa do povo, à volta do portátil, com o wireless, como eles dizem e que quer dizer que tem arame a menos, e percebemos.
O Senhor Pinto de Sousa, que também assina como Engº José Sócrates, Primeiro Ministro enquanto tal e cidadão...
Olhámos uns para os outros.
Cidadão, cidadões, enfim, éramos todos, excepto o Quim Mongas que não era nada porque já tinha bebido um par de canecas e ressonava que nem um porco, e o Václáv, que, lá por saber umas coisas de computadores, não julgasse que era gente.
Primeiro Ministro é que era o diabo. Não sabíamos o que isso era há tantos anos, um tinha querido continuar a ser e por causa do tabu, outro casou-se e foi para os refugiados, outro ainda teve mais gosto, parece que Bruxelas, enfim, o Filipe da Carlota esteve lá a trabalhar no batiment como plombier e sabe como é, «gajas é o que se quiser, nem é preciso ter dinheiro, leva-zas todas a comer uma de moules et des frites, pás! Tá no papo!»
«Mas podia ser perigoso, lá isso...» «O quê, o papo?» «Não, porra, isso de primeiro ministro.»
- Mas a gente não diz nada?
- E aquele desenho?
Podia ser o desenho. Não dizia muito, mas era solidário, lá isso...
Mas havia dúvidas: solidário, sim, mas com quê?
- Com quê? T'ézés parvo. Então não se vê que é com a censura na Net?
- E então eu agora sou solidário com isso?
As dúvidas agravavam-se.
- Pronto. Telefona-se ao advogado.
Era uma ideia. Toda a minha gente rapou dos telemóveis e desatámos a gritar. Foi preciso o Canina impor-se: «Porra, pá! Chiça! Eu é que falo!»
Vieram mais umas imperiais enquanto ele tentava explicar. O pobre do advogado, mal dele que era um gajo porreiro, perguntou, do outro lado se a gente sabia que horas eram.
É que ele tinha um julgamento em Beja às nove horas e tinha de se levantar às seis...
Ninguém queria saber. A solidariedade é que era importante, o Canina tentou explicar ajudado pelos que ainda não tinham sossobrado, mas, é claro, de um lado só ouvíamos metade, do outro também, de modo que o Canina berrava de cá: «Diz o quê?»
E a gente a apoiá-lo, claro, que é que a gente havia de dizer que não tivesse ainda dito?
- Diz claimer, pá? Ó pá, mas eu não sei dizer essas merdas, pá, isso é estrangeiro ou quê?
Lá chegámos a acordo, a malta desconfia que foi só porque o advogado o que queria era ir dormir.
Então era assim: a gente publicava o desenho do tal Sócrates a puxar as orelhas ao Tacci, mas dizia que não era nossa a responsabilidade.
- Tá bem, pronto. - disse o Marrafas, já a querer ir-se embora. - Mas, se não é nossa, é de quem?
Era um problema. Julgam que a gente ficou agradecida ao Marrafas?
Nem pó.
Com o Jacinto a querer fechar a tasca, o melhor era adiar as questões ingentes e abalar até às nossas esposas amantíssimas que nos aguardavam pacientes, na frescura dos nossos lençois, se não tivesse lá chegado outro primeiro.