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“Os paradoxos são coisas engraçadas
porque vai tudo muito certinho, tudo muito lógico e quando chegamos ao fim
estamos a contradizer o que dissemos no princípio.
“Por
exemplo, o Hempel escreveu uma coisa sobre os melros serem todos pretos.”
-
Os melros não são todos pretos, Pai. Têm aquele biquinho que é amarelo.
-
Desculpa. Às vezes a nossa maneira de falar torna as coisas confusas, é como a
história dos reflexos.
“Tirando
o bico que é amarelo, como tu disseste, todos eles devem ser pretos, foi o que
a gente viu sempre. Mas bem, o mundo é muito grande e tem muitos cantinhos,
silvas, canaviais, sítios desses onde os melros podem esconder o ninho. Pode
ser que haja, num outro lugar qualquer onde a gente nunca foi, um melro ou
mesmo uma data deles que não sejam pretos. Se fores à procura e encontrares pelo
menos um desses, então ficas a saber que não é verdade que todos os melros
sejam pretos. Percebeste?
-
Não sei, Pai. É mentira?
-
Mais ou menos. Se a Anabela te vier dizer que todos os cães são cães de caça
como o do Pai dela, tu mostras-lhe a nossa Janeca e pronto. Provaste que não
era verdade. Com os melros é a mesma coisa. Se arranjares um que seja encarnado
às riscas, fica provado que é mentira que os todos os melros sejam pretos.
- E
depois?
- Depois, a lógica é uma coisa
engraçada. Em lógica tanto faz dizer que todos os melros são pretos, como dizer
que tudo o que não for preto, não é melro. Ou se quiseres, «todos os não-pretos
são não-melros», é assim que se diz em lógica, quando não queremos baralhar tudo.
Ou então, também podes dizer que nenhum elemento que pertença ao conjunto dos não-
pretos pode pertencer ao conjunto dos melros. Vai dar ao mesmo.
“Então repara: nenhum pomba branca é preta, pois não? Por isso, em vez de procurares melros que não sejam pretos,
também podes procurar pombas brancas que sejam melros. Parece um disparate, mas
a cada pomba branca que tu encontrares e que não seja um melro, estás a ter a
confirmação de que, afinal, todos os melros são pretos.
“Às vezes tenho receio de que os
estudiosos e os cientistas andem todos à procura de pombinhas brancas …”
- São parvos, Pai?
- Não, claro, claro que não. Mas
quando se anda à procura, nem sempre se tem a noção exacta do que queremos
encontrar. Além disso, acho que o Hempel estava a falava era de corvos pretos e
sapatos brancos. Não tenho certeza de que se aplique igualmente aos melros e às
pombas.
- Porquê, Pai? Ele não gostava dos
melros?
- Devia gostar. Mas ele era alemão; viver
na Alemanha no tempo do Hitler era muito difícil. Teve de fugir para a América.
Talvez a ideia dos corvos o perseguisse. Sabes, os corvos têm muito má fama
porque comem carne dos animais mortos. Talvez os nazis lhe parecessem bandos de
corvos negros, a perseguir os judeus.
- Pai, o que é ser judeu?
- Não sei bem. Tem a ver com a
religião deles, creio, embora eu não tenha a certeza de que todos vão à
sinagoga.
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