segunda-feira, junho 25, 2012

E aos costumes disse LOL!

- Pá, companheiro!
Manda aí uns trocos para eu pagar a multa! (1) 
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1) Seguindo uma sugestão do Luciano de http://pequenosprazeresmusicais.blogspot.pt/.

segunda-feira, junho 18, 2012

Para fazer um cavalo feliz

No Domingo veio cá o meu primo Artur.
Parou o jipe em frente ao portão, como de costume, apeou-se e acenou de lá, o braço esticado a agitar um jornal que me pareceu o Finantial Times.  
«A Isaltina hoje não veio», explicou ele enquanto sacava da mala uma caixa de madeira com três garrafas e um embrulho tosco com o que parecia um paio. «Ficou com o puto, o Arturito, porra, o meu neto! Parece que tem uma virose ou uma merda assim que os médicos inventaram agora... Olha lá, tu quando eras pequeno tiveste alguma vez uma virose? Havia disso quando a gente andava a jogar à bola na rua? Havia era canelas esfoladas, nódoas negras e cabeças partidas! Isso é que era.»
Concordei, é claro.
O Artur, cada vez mais parecido com o Tio Zé Damião, ia entrando, já estava a partir rodelas do paio para um prato, eu tirava um queijo da Idanha de dentro do frigorífico e uma fatia de paté, e ele a comandar, «pá, vamos mas é lá para fora, olha lá, farto estou eu de estar dentro de casa.»
E já com o vinho aberto e os copos servidos, instalados debaixo da glicínia, ele declarou com ar de solene convicção que «vocês é que têm sorte, pá, aqui longe das merdas todas!»
Num gesto inconsciente com que pontuava a exclamação, agarrara no Finantial Times e fazia menção de atirar com ele.
- Pois - concordei eu.
Aquilo era uma estreia. Toda a vida o Artur troçara de nós por vivermos «longe de um cinema, pá,  dos restaurantes, quantos quilómetros é que tu tens de andar se quiseres ir a um centro comercial, hem? Uns quinze, ou mais, olha lá! E a praia, pá? Quarenta! P'ra cima!»
E, perante aquele ar de infelicidade genuina, acrescentei:
- É o meu bocadinho de corda mais comprida.
Não percebeu, claro.
- Pá, houve uma mulher, uma italiana assim meio anarquista, que escreveu uma coisa que dá que pensar, sabes? "Para fazer feliz um cavalo," diz ela, "basta amarrá-lo a uma corda mais comprida." Isto aqui é a minha corda mais comprida, como ela disse.
Ia a acrescentar que a frase era da Goliarda Sapienza, e que o livro se chamava L'Arte della gioia, mas ele não me deu tempo.
- E tu és um cavalo, pá, porra? Só se fores tu, olha lá, que és assim tipo burro!
- É. E tu? Tu fazes-te de mula a ver se disfarças.
Ficámos a olhar um para o outro e eu continuei:
- Deixam-me pastar por aqui, pelo menos enquanto não precisarem deste sítio para passar outra auto-estrada ou para fazerem um aterro sanitário. Depois expropriam tudo por dez réis de mel coado e arrastam-me daqui para fora; e se eu não quiser ir, dão-me um tiro e dizem que resisti à polícia. Estás a ver. Enquanto não me tirarem isto, carregam no Imi, levam-me os subsídios, aumentam o Iva e o gasóleo... E a ti? Também não estás grande coisa, pois não?
- Eh! 
 Bebeu um gole de vinho e voltou a servir-se. E eu aproveitei para carregar um bocadinho mais na ferida que a presença do Finantial Times me fazia adivinhar e que os seus silêncios confirmavam:
- Estás a ver, para amansar os cavalos, basta ir encurtando a corda, todos os dias mais um pouco, até chegar ao alcance da chibata.
Ele murmurou qualquer coisa incompreensível, tipo «isto é uma democracia, olha lá!», mas eu mandei-o lixar-se. 
- Pá, a democracia não tem nada a ver com a corda. A corda, não tenhas ilusões, existiu sempre e vai continuar a existir. Somos humanos: a espécie a que pertencemos deve ser a mais gregária de todas as espécies à face da Terra. Que outro bicho, formigas incluídas, estás a ver? Que outro bicho era capaz de viver  amarrado a vinte milhões de outras formigas? Pá, tu já foste a São Paulo, já viste o que é viver com mais vinte milhões de iguais a ti. Não passas de uma gota minúscula no meio de um lago maior que o Titicaca. E já andaste de metro. Que outra espécie seria capaz de viajar numa carruagem do metro à hora de ponta? E nota: sem deixar atrás de si um rasto de sangue e de destruição! Se fossem formigas eram um monte de patas e de cabeças arrancadas. Se fossem gatos, era tripas, era olhos, era tudo.
O Artur abanava a cabeça.
- Pá! Não é bem assim, olha lá. - tentava ele argumentar gesticulando perigosamaente com a faca de cortar o queijo. - Há a civilização e há tudo isso, pá. Lá que tu vivas aqui como um atrasado, é lá contigo.
- Está bem, pronto. Podemos dar nomes mais bonitos às coisas se tu quiseres. Falamos em «amor filial» ou em «patriotismo», por exemplo. São amarras que temos à nossa terra e à nossa família. E alguns como tu, demasiados, diria eu, ainda têm o clube! E sabes o que é um clube? É um sítio onde onze esforçados inúteis ganham a vida a pontapés.
- Não dizes mal do Glorioso, óvistes?
- Eu? Tem juízo. Quero lá saber do teu clube. Tu é que andas a gemer por aí que te encurtaram a corda e já sentes o chicote no lombo. É ou não é?
- Porra, pá, também não é tanto assim.
Levantou-se a abanar o peso da cabeça.

- Vou lá dentro à casinha - anunciou. - Mas, felizmente, pá, na Grécia, hem? Ganhámos as eleições, 'tá-z-óvir?

domingo, junho 10, 2012

segunda-feira, junho 04, 2012

Manifesto para uma Esquerda Livre

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Foram ontem as primeiras reuniões abertas dos subscritores do «Manifesto para uma Esquerda Livre».
Não se sabe ainda, é claro, nem o que é uma esquerda - a não ser no boxe - nem como pode ela ser livre.
Desde logo, porque ser de esquerda não é exactamente um lugar que se ocupe, uma coisa adquirida, como dantes se comprava à época um camarote em São Carlos; ia-se ou faltava-se, conforme os azeites, aplaudir ou vaiar as primas-donas.
E depois, porque a tradição nos diz coisas que já se tornaram absurdas: por exemplo, continua a dizer-se que o Partido Socialista «é» de esquerda, e a direita aproveita-se, não cessa de nos dizer que as maiores asneiras foram feitas por ela.
Pode ser que tenha razão, mas, então, para mim, é como se fosse o Dantas.
Se o Dantas é de esquerda, eu quero ser espanhol. Pim!
Antes de irmos mais adiante, devo dizer o seguinte:
Não penso que a um socialismo mais autêntido - aquele que reivindicava «a paz, o pão, a habitação, saúde, cultura e educação», tão simples como isto! - seja importante o problema da propriedade dos meios de produção, como era para os marxismos mais ortodoxos. Basta-lhe que esses meios estejam ao serviço da comunidade, o que, obviamente, não depende dos «proprietários», o mais das vezes meros accionistas com pouquíssimo voto nas matérias. Depende dos «decisores», uma classe que gere, que administra, que endivida, deslocaliza e faz falir aquilo que melhor lhe convém.
Não tenhamos medo de ressuscitar a luta de classes:
A classe dos «decisores» é uma classe que urge combater antes de chegarmos seja onde fôr.
Mas é importante saber caracterizá-la, saber quem faz parte dela e quais são os seus instrumentos de poder.
E, atenção: não basta conquistar esses instrumentos: já foram conquistados e perdidos vezes sem conto. Estamos fartos de saber que o poder corrompe; que atrás de classe, classe vem e que o que a outra fez, fará esta também.
A tarefa de uma esquerda que se queira livre consiste, antes de mais, em restringir o poder, desarmar-lhe os instrumentos:
Onde houver polícias, haverá sempre quem as mande contra quem se lhe opõe.
Onde houver dinheiro, alguém comprará as consciências dos outros homens.
Onde os fins forem mais importantes que os meios, não haverá liberdade, não haverá esquerda livre, nem direita livre, nem centro livre.
Livre, só a Goldman Sachs - ou lá como se chama.