quinta-feira, abril 21, 2011

Galinhas gordas


(Praça da Alegria, Lisboa)


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A memória prega-nos belas partidas, sobretudo quando já levamos uns anos de vida vivida.


Lembro-me de ter lido algures nos jornais da época qualquer coisa acerca de uma série de pequenas fraudes que se tornavam possíveis com a cumplicidade do sistema bancário ou, pelo menos, de algum gerente mais distraído.
Chamavam-lhe, se a memória me não falha, a rotação dos cheques.
A ideia era a de que um fabiano na vila A podia efectuar pagamentos com um cheque dos balcões da vila B. Dado que tudo isto levava algum tempo, o cheque que aguardava boa cobrança era coberto por um terceiro, este por um quarto e quinto e por aí fora. As dívidas e os desfalques iam sendo escondidos desta hábil maneira.
Toda a gente lucrava.


O tomador do empréstimo, o devedor em vias de incumprimento, o contabilista habilidoso, todos mostravam uma actividade bancária notável, muitos pagamentos, muitos levantamentos, grande capacidade empresarial o que lhes abria a possibilidade de novos empréstimos. As filiaias dos bancos, os seus balcões mostravam também grande volume de negócios. As quotas que os administradores, directores e sub-directores, gente dessa, impunham eram ultrapassadas, os gerentes podiam sonhar com promoções que deixariam os problemas de eventuais créditos mal-parados para quem os viesse substituir.


A coisa só se complicava quando o novo gerente com mau-feitio, resolvia desconfiar, quando alguém parava o cheque não aceitando a duvidosa cobertura.


Vista assim, sem as subtilezas que financeiros e advogados certamente inventaram, parece uma fraude grosseira.
Mas grosseiro pareceu também o caso da Dona Branca, lembram-se, depois do escândalo já rebentado. E, mais ao alcance da memória dos distraídos, quer pela dimensão, quer por ter vindo da mítica Wall Street, as do espantoso Bernie Madoff.


Por muito grosseiras que sejam as fraudes, como o bilhete premiado da lotaria, há sempre gente que cai, há sempre gente que as aceita porque tem vergonha da sua própria parvoíce.
- Não, garantem eles, até no tribunal se preciso fôr. - O investimento era bom. Correu mal, foi o que foi.


Outras calam-se: sempre souberam que os montes de dinheiro que iam recebendo enquanto durou, provinham das poupanças de outros.


Um nosso conhecido, para dar um exemplo, investidor da Dona Branca que «perdeu» dois mil contos - era dinheiro, nessa altura - contou numa roda de amigos que, só em juros já tinha tirado três mil e tal quando a velha senhora faliu.
- Vendo bem, acrescentava, descontando o dinheiro que lá ficou, ganhei mais de cinquenta por cento ao ano.
- E sabias que a Dona Branca tinha de ser aldrabice, pá? - perguntámos nós.
Ele hesitou.
- O meu Tio - acabou por dizer - trabalhou toda a vida, comprou, vendeu, ganhou bastante dinheiro. Mas uma das coisas que ele dizia é que não há galinhas gordas por pouco dinheiro. Se ta quiserem vender, é roubada. Lembrei-me dele montes de vezes, pá. Dez por cento ao mês, que era o que a velhota pagava, nem que ela tivesse uma máquina a imprimir notas de mil toda a noite.


Percebemos.


E percebemos também que estes esquemas funcionam na política... ou naquilo que passa por sê-lo.


A maioria dos eleitores dos partidos do governo detestam ter de admitir que foram levados pela simpatia ou pelo ar austero dos primeiros ministros. Os dos partidos da oposição, que se deixaram levar pelas promessas, pelas suas próprias esperanças. Os outros, mesmo reconhecendo a qualidade ranhosa das governações, defendem-nas porque, afinal, pessoalmente foram tirando bons proveito disso. E a má consciência fá-los proclamar alto e bom som que a política é mesmo assim, que é tudo uma choldra e que, «meu filho, a democracia e essas coisas, é tudo muito bonito, mas se não fores tu a safar-te, ninguém te safa.»


E o esquema da rotação dos cheques aí está.


Os bancos vivem dos empréstimos, o Estado, da obra feita. Os bancos emprestam ao Estado, assumem riscos que o Estado garante, o Estado vai inventando novas Otas, aeródromos, auto-estradas, o dinheiro gira, conta uma vez como dívida, outra como pagamentos, os cidadãos que receberam os seus dinheiritos fazem por sua vez dívidas, os pequenos empreiteiros a quem o Estado ainda não pagou fazem mais dívidas, a contabilidade de tudo isto é impressionante, o dinheiro parece jorrar.


Confesso: mesmo não percebendo nada de finanças nem de economia, dá para perceber que tudo isto assenta na palavra dos governantes e dos governadores. Os primeiros afirmam nas televisões que o país cresce, os segundos afirmam que os seus bancos estão florescentemente sólidos, o Estado garante a solidez das dívidas, a banca distribui lucros aos accionistas, prémios aos seus funcionários. Toda a gente está feliz, o utilizador das SCUT porque, enfim, tem uma estrada de jeito, o funcionário do banco troca de carro, a boutique vende mais um vestido, um jovem casal compra um T2 em prestações que lhe vão levar metade do que ganham.


É claro, nem tudo serão rosas: a gasolina aumenta. O IVA sobe. O IRS vai tendo cada vez menos descontos. As prestações sociais vão deminuindo, porque quem cabritos vende e cabras não tem, de algures lhe vem.


E de onde senão do bolso do contribuínte? O tostãozinho do pobre é pouco, mas quem o perde é louco, pensam os ministros das Finanças.


E se alguém, por exemplo, a falência da Enron, do Lehman Brothers, uma crise internacional, uma coisa dessas, de repente parar esta cadeia de cheques sem cobertura?


A crise do petróleo, em 73, derrubou Marcello Caetano e o Estado Novo. Esta agora, sabe Deus o que fará.


Pois: mas são tudo coisas que se não podem prever.

terça-feira, abril 12, 2011

Info-excluído

Um dia destes conto as minhas aventuras com um PC presumivelmente alcoolizado, prometo. Agora... ainda não consigo.