sexta-feira, dezembro 21, 2007

Mais Avó Lígia

Vi a Avó Lígia ontem, quando estava a fazer horas para a minha camioneta. Era uma senhora muito, muito baixinha, muito redondinha, com uma feições muito bonitas que eu não fui capaz de reproduzir. As netas, duas, adoravam-na, era uma coisa que se via ao longe. Foi pelos seus gritinhos de júbilo que me pareceu perceber o nome da senhora. Pareceu-me, claro, o mais provável é que alguma coisa no crioulo me tenha induzido em erro. Não tem importância. O nome de Lígia assenta-lhe que nem uma luva; não me perguntem porquê. Tinha um sorriso de Avó Lígia para as netas e isso bastou-me.
Eu sei que é feio ter inveja.
Mas invejei às meninas a avozinha que elas tinham e eu não.

José Pacheco Pereira

Num antiquíssimo bloco Castelo (talvez de 1990) achei este desenho com um a piada já bastante desactualizada. Não me lembrava sequer de a ter feito, mas tenho de pedir desculpa ao Pacheco Pereira. Resistiu. Votou contra o seu próprio partido pelo menos uma vez, por causa de despenalização do aborto.
Mesmo tendo alguma simpatia pelo Pedro Santana Lopes - talvez por ser um tanto bardino, sei lá - pergunto-me: porque raio o PSD nunca elegeu este tipo para seu lider?
Mistério. Segredos das camarilhas?
Para mim, que sou de esquerda, quero que se lixe.
Mas é intrigante, não é?

Encontros ocasionais

A Avó Lígia

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Ainda a Fernanda Botelho

Nikias Skapinakis, Encontro de Natália Correia com Fernanda Botelho e Maria Joâo Pires, 1974
Não sei nada sobre este quadro. É o encontro de três mulheres, pintado por Nikias Skapinakis: a Natália Correia à esquerda, altiva, desdenhosa e dominadora; a Fernanda Botelho ao centro, discreta e hermética. E a Maria João Pires, distraidamente atenta, como se escutasse um piano na sala ao lado.
Não imagino que conjunto de circunstâncias levou alguém a juntar as três mulheres mais autênticas da cultura em Portugal na segunda metade, das duas que o século XX teve. Quem as apontou a dedo e disse: são estas. Agrada-me pensar que foi o próprio pintor. E agrada-me pensar que, se me tivessem perguntado, eu escolheria as mesmas três.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

«A morte, neste momento, não tem nada de assustador para mim...»

...Imaginas o que foi, «Cantor»? E eu, que já tenho os meus pergaminhos de maldade... eu que sou má, eu!...
A Pardala, coitada, lá estava a morrer. A morrer na cama onde eu dormia, quando ia ter com ela - sabias, «Cantor»? Não, tu não sabes ainda nada. Tens quinze meses, não sabes nada; nasceste numa noite fria e cresceste em noites quentes. Lembras-te da minha mãe? Eras tão pequenino! Nessa noite fugiste para a minha cama e eu não consegui enxotar-te, não tive coragem. Depois veio a Chiquinha... lembras-te? Uma sanguessuga com asas, lembras-te? Sabias que ela me descosia os vestidos e me fazia buracos nas peúgas só para me obrigar a pegar numa agulha? Uma vez deitei-lhe pimenta no leite-creme e ela ficou tão zangada... Doutra vez... tantas vezes, «Cantor»! Vinha ter com ela à cama, de noite e assustava-a com um uh! mesmo no ouvido. Ela acordava aos gritos, perdidinha de medo. E toda a gente se levantava e vinha ver, todos perdidinhos de medo! Até eu depois ficava com medo! Quando me doía o estômago, ela ria-see zombava. sabias que me acusava ao prior? sabias que rezei milhões de terços por culpas de que a Chiquinha me acusava ao prior? Sabias que uma vez, de noite, enquanto ela dormia, lhe cortei uma trança loira, a do lado direito, e lhe deixei pregado à camisa um bilhete que dizia: «Também eu vou levar os teus piolhos ao prior!». Sabias? Ela mostrou atodos o lugar da trança mas nunca o bilhete. Apanhei uma tareia, e ela riu-se muito e dizia «bem feito». Eu dava-lhe pontapés e ela ajoelhava-se, «Cantor»! Ela ajoelhava-se... a rezar por mim!
Fernanda Botelho (1926 / 2007) A Gata e a Fábula

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Justiça Privada

No Diário de Notícias de Segunda-feira, 3 de Dezembro do ano da Graça de 2007, vem esta preciosa notícia. Os ingénuos que julgavam que a Justiça era da competência exclusiva dos Tribunais, têm agora a possibilidade de se actualizar.

Justiça?

Porquê pagar mais?

Faça você mesmo!


O Portugal Caramba! propõe-lhe um kit de sobrevivência judiciária que lhe garantirá direitos reais, imaginários e locupletários.


1. Espingarda Holland & Holland, London, de canos e coronha já serrados, de modo a adaptar-se ao seu punho. A classe de uma arma personalizada, de fecharia de prata, coronha de nogueira e garantia para toda a vida.






Até os agentes do Estado o respeitarão.



2. Pistola metralhadora Uzi.



A garantia da eficiência da Mossad ao serviço da sua Justiça privada.

Se é o medo quem guarda a vinha, a Uzi guardará ainda mais eficientemente os seus direitos.





3. Um motorista da Agência Flanders & Gates, Assistência e Protecção, S. A., California, com provas dadas no Iraque, na Gâmbia e no Sudão.

Todos os nossos colaboradores têm cursos de Intimidação, Extorsão(1) e outras coisas que não seriam aprovadas pelo Tribunal Internacional dos Direitos do Homem. Mas, pronto, quem puder pagar, também pode mandar, não será?

Sim, e porquê só os outros?

(1) Extorsão, extorsão, extorsão.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Auto-censura



Ninguém diga que desta água não beberá.
Até este blog, que não queria nada com semelhante pessoa, aqui está a recomendar uma petição que terá de lhe ser dirigida. Valerá tanto como nada, a gente sabe.
Mas hoje, numa loja, uma menina magrinha que vinha cumprir o seu dever cívico de entregar pilhas gastas para reciclar, estava a ser vítima de um dos desportos favoritos dos adultos: arreliar o puto.
Não era nada de grave, via-se que eram amigos da garotinha. Só coisas do género: «Atão tu já as gastaste e agora é que as vens trazer?» ou «Se trouxesses essa caixa cheia de rebuçados a gente aceitava, agora pilhas velhas...»
Mas via-se que a menina estava a ficar brava: vinha fazer o que lhe dizia a professora, o que os pais mandavam, o que era certo, e gozavam com ela, ainda por cima?
O autor deste blog resolveu solidarizar-se:
«Não ligues, eles estão só a brincar contigo.»
E fez-lhe uma festinha no cabelo preto.
Recebeu em troca um sorriso de quem encontrou um aliado.
Mas a ele, Tacci, autor deste blog, tinha-se-lhe gelado o coração:
«Toquei numa criança!» pensou. «Vão pensar que eu sou um pedófilo!»
Claro que não pensaram. São pessoas sãs. Ou, quem sabe...?
A auto-censura já tinha funcionado. Que fazer depois disto? Alguém sabe?
Por isso, Senhor Presidente, mesmo que eu não goste nada de si e lhe possa garantir que é pessoa em que nunca votarei, não quer atender à petição que lhe vai endereçada ali em cima?

A petição pode ser assinada através do Portugal Profundo, de onde rapinei a tarjeta lá de cima. A bem da sanidade pública, se a das crianças vos for assim tão indiferente.

sábado, dezembro 01, 2007

Ingrid Betancourt

Gosto da palavra «compaixão».
Mais ainda do que de «simpatia», mesmo se significam exactamente o mesmo: sofrimento comum, comunidade de sentimentos, sentir em conjunto com...
E mesmo se «simpatia» também é uma palavra muito forte.
Mas «simpatiza-se» com uma colega de trabalho, com um político em destaque - embora eu ache difícil - ou com um publicista como o Vasco Pulido Valente.
Com Ingrid é forçoso que o que sentimos seja num grau mais elevado. Tem de ser a compaixão.
No meu imaginário, compaixão aparece acompanhada de respeito, de ternura. Não sei nada das suas ideias. Ignoro se é ou foi marxista, católica, liberal, populista ou uma mistura de tudo isso como acontece frequentemente na América Latina. Olho para as mãos dela, estragadas pelo trabalho pesado, imagino tudo aquilo a que as estratégias de sobrevivência a terão obrigado e sinto compaixão.
É o que mais próximo existe da irmãdade com a mulher orgulhosa e combativa que já foi. Com a mulher destroçada da imagem. Com a resistente orgulhosa que espero que volte a ser.
Com Ingrid Betancourt.