segunda-feira, dezembro 30, 2013

quarta-feira, novembro 13, 2013

Diamanda Galas - Supplica A Mia Madre

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domingo, novembro 10, 2013

domingo, outubro 20, 2013

sexta-feira, outubro 18, 2013

sábado, outubro 12, 2013

BOM DIA E UM QUEIJO (quarto episódio)

Tanto tempo se passou desde que aqui vim pela última vez para estar com a minha Senhorinha que não sei já onde íamos, nem onde, no episódio anterior, deixámos o seu Primo Carlinhos.
Quando digo «aqui», os Leitores já habituados sabem que me refiro à pequenina loja de fotocópias e informática da D. Fernanda. É sentado a esta mesa virada para a parede, com um teclado e um ecrã, que eu, a troco de uns dois ou três euritos, conforme vou arranjando, comunico com os meus Leitores. E sei que, ao tal ecrã onde as palavras que escrevo vão aparecendo, eu devia, para ser entendido, dar o verdadeiro nome que é o «monitor» se, por acaso, esse nome não tivesse sido dado já a tantas outras coisas tão diferentes.
E depois, vá-se lá saber de qual é que se está a falar. 
- Temos de prestar mais atenção ao contexto - diz-me tantas vezes a minha Senhorinha - Dois mais dois são sempre quatro, estejamos nós onde estivermos.
- Excepto quando eu estou lá atrás escondido a fazer batota - intromete-se um Diabrelho meu amigo, de quem hei-de falar muitas vezes, mesmo que não tenha tempo para isso neste momento.
Felizmente a minha Senhorinha não o ouviu:
- Mas ser como o Gulliver, o mais alto quando os outros são pigmeus e o mais baixo quando os outros são gigantes, faz com que «alto» e «baixo» dependam das outras coisas que estiverem à volta, quer dizer, do contexto. Não concorda, meu amigo?
Concordei, claro.
Concordo sempre com a minha Senhorinha, mesmo quando o Diabrelho, aqui ao lado me sussurra:
- Podemos sempre fazer como a Alice faz no País das Maravilhas. Umas vezes cresce até ficar com a cabeça por cima das nuvens, outras encolhe para poder entrar na toca dos ratinhos... Miúda esperta. Um dia destes apresento-te.
-
Mas enfim, tudo isto são conversas para outras alturas, ao canto da lareira, por exemplo, para os felizes que a tenham quando o frio aperta.
Mas o tempo que os euritos compram à D. Fernanda vai-se gastando e ainda nem comecei a falar-vos do Primo da minha Senhorinha.
Num momento de particular desânimo, estava ele sentado nos degraus da escada do quintal com a mochila dos livros ao lado, sem se atrever a entrar em casa, e o Sr. Julião a espreitar por cima do muro.
- Pá, hum? Prepara-te, pá. A tua Mãe já descobriu a gaiata que tu tinhas aí escondida.
-
O problema começara logo de manhãzinha, com o Carlinhos - um dia destes vou ter de passar a chamar-lhe Chuck, como ele gosta, mas ainda não me habituei, ele que me perdoe.  Com o Carlinhos, dizia eu, a ter de ir para a Escola e a Magrizela, farta de estar ali fechada, a querer ir com ele.
- Que mal é que faz? - indignava-se ela, sentada no tapete, a devorar as bolachas que o Primo da minha Senhorinha lhe tinha trazido para o pequeno almoço. - Eu deito-me num canto, ao pé de ti e vou ouvindo o teu professor. Ou então durmo.
E não entendia o festival que havia de ser uma sala de aula, cheia a abarrotar de gandulos, e uma garina deitada a um canto e a rosnar de cada vez que alguém se metesse com ela.
Por fim, meia vencida e menos de um terço convencida, amuara e voltara a enfiar-se lá para o fundo, debaixo da cama, de costas voltadas para o Carlinhos.
E foi a pensar nisso que, justamente na aula de História, nomeio da barulheira e com a pobre da Prof a tentar explicar o novo espírito trazido pelas Ordens Mendicantes, que ele contou ao Zé Nesgas o amuo da Magrizela.
- 'Tão, eu não te disse? E vamos fazer o quê? - tinha perguntado o Zé Nesgas depois, enquanto a Prof falava de São Francisco de Assis. - Meu, a gaja não é nenhuma prisioneira.
- Pois não. Prisioneira era ela lá no canil.
- Isso. E não a trouxeste para a prenderes outra vez.
- "Louvado sejas Tu, Senhor, pela nossa irmã, a Terra-Mãe, que nos suporta e nos conduz..." lia a professora, enquanto o Tavares, gritava:
- Hei! Alguém fez o têpêcê de matemática?
- "... e que produz os frutos diversos, com as flores coloridas e a erva..." - continuava ela.
- Chama-se como? - interrompeu, por seu turno o Carlinhos que, apesar de tudo, conseguira ouvir qualquer coisa da Irmã Água, e do Senhor Irmão Sol. 
- O quê, meu Filho?
- Isso do Irmão Sol.
- Está no quadro, Carlos. É o Cântico das Criaturas.
- Ah, obrigado, Stôra. - e passou ao Zé Nesgas, que passou ao Tavares, o caderno de matemática que já vinha lá de trás.
E a conversa ficou por ali.
-
- A rapariga, hum, é um bocado desarranjada da cabeça, não é? - dizia entretanto o Sr. Julião. - Trouxeste-a para cá porquê, hum?
Num momento de fraqueza o Carlinhos disparou de um jacto só:
- Ela é uma cadela - foi o Deus dos Cães, está a ver - eu só queria um cão para jogar xadrez e depois o Deus dos Cães transformou-a e ela estava nua - eu não podia deixá-la ali sozinha, com os grandes da Alfredo Arroja, pois não?
Não posso jurar que o vizinho tenha percebido tudo. Mas as pessoas surpreendem, até a mim, que o conheço há tantos anos e que o tenho por um céptico inveterado:
- Parvoíces do Anúbis, hum? - resmungou ele.
- O Sr. Julião conhece-o? - espantou-se o Carlinhos.
- Ah. Mais ou menos. Somos parceiros da sueca uma vez por outra.
E acrescentou peremptório:
- Vá lá! Desanda! Vai lá ver da tua Mãe que deve estar a cortar o cabelo à miúda, antes que ela fique careca.
-
 
 
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quarta-feira, outubro 09, 2013

Rescaldo das Eleições Autárquicas

 

 
1) Período de reflexão

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2) Cadernos eleitorais
 
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3) As lições da Democracia
 
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Conclusão:
Post coitum omne animal triste est.
Depois das eleições ainda é pior. 
 
 

quarta-feira, setembro 11, 2013

BOM DIA E UM QUEIJO (Episódio 3)

 
O quartinho onde vivia o Primo da minha Senhorinha, o Carlinhos, eu ainda não disse, mas convém dizê-lo desde já, ficava nas traseiras da pequenina vivenda onde morava com os seus Tios, no Bairro Social de Nossa Senhora dos Anjos.
Não era muito amplo, como não era nenhuma das divisões daquela casa, mas era o quartinho ideal para um menino sonhador se isolar com os seus livros, os seus cadernos e os seus lápis de côr. E, sobretudo, ficava longe do sofá do Pai - que detestava turbulências - como aliás detestava tudo, ou, pelo menos sempre me pareceu.
E, como ficava mesmo ao lado da cozinha, a Mãe achava que o podia manter debaixo de olho.
As razões por que, numa casinha tão pequenina havia um quarto com uma minúscula casa de banho separada do resto dos aposentos, só se compreendem se ainda nos lembrarmos das grandes diferenças sociais que separavam as pessoas pobres das que, dizia-se na altura, eram pelo menos «remediadas».
No projecto dos arquitectos, desenhado lá pelos anos trinta do século passado, o quartinho a que se juntara a casita de banho, era descrito como «quarto da criada».
Os mais jovens dos nossos Leitores já não conheceram essa figura, felizmente desaparecida, da «criada de servir».
Iam-se buscar, lá às aldeias onde tinham nascido, as meninas pobres com doze ou treze anos, às vezes menos ainda, para virem «servir», ou seja, para desempenharem as tarefas domésticas mais pesadas e desagradáveis, esfregar as escadas com escova e sabão amarelo e depois encerar, acartar baldes e sacas de carvão, fazer recados. E, muitas vezes, para apanharem pancada quando, como é natural na idade em que o corpo está tão ocupado a crescer, lhes pendiam os bracitos para a preguiça e os pensamentos para estarem em todo o lado menos onde a patroa mandava.
Mas adiante: esses quartinhos da criada ficavam lá ao lado da cozinha, o mais longe possível da sala onde os patrões ouviam a «telefonia» - só muitos anos depois apareceu a televisão, lembrem-se. E ficavam mesmo junto à escada de serviço para que as rapariguinhas com os cabazes das compras, não entrassem pela mesma porta que os «Senhores».
Era por essa escada que o Carlinhos e a Magrizela entravam e saíam, longe dos olhares vigilantes da Tia da minha Senhorinha - pelo menos quando ela não andava de roda das saladas com que gostaria de fazer perder peso ao marido.
Os bairros, porém, como os nossos leitores bem sabem, sobretudo os pequeninos, de casas baixas, têm muito mais olhos vigilantes para lá dos das Senhoras Mães.
E acontece que, mesmo ao lado dessa escada, começava o muro da casa do Sr. Julião, reformado dos Correios, como já devo ter dito, onde tinha sido desenhador.
Agora tudo se faz no computador. Até mesmo aquelas coisas que dantes exigiam experiências demoradas, simulações com maquetes e por aí fora,  são facilmente substituídas por meia dúzia de equações e uma equipe de programadores competentes.
No seu tempo, o Sr. Julião tinha um estirador, um complicado jogo de réguas e canetas de todas as espessuras e desenhava com uma paciência minuciosa e com as medidas exactas, as peças que os engenheiros pensavam e que, depois, operários que eram verdadeiros artistas, executavam. Era ainda no tempo em que as empresas fabricavam as seus próprios equipamentos. Agora, em tempos globalização, digo eu, compra-se aos americanos e aos alemães que, por sua vez, mandam fazer tudo na Tailândia, transferem os lucros para os Bancos Suíços e estes para as diversas offshore espalhadas pelo mundo.
O Sr. Julião não chegou a ser substituído por um computador que desenhasse melhor e mais depressa do que ele: quando as oficinas dos Correios fecharam e os engenheiros passaram a ser gestores, o Sr. Julião pediu a reforma e veio para casa fazer barcos com paus de fósforos para dar que fazer às mãos enquanto os pensamentos, esses voavam livres como sempre tinham sido. Por onde andavam, só ele sabe e, se tiver de ser, a seu tempo nos dirá.
Mas, se a um pobre sem abrigo como eu, a viver por onde calha, for permitido dar um conselho àqueles dos meus jovens Leitores que têm um temperamento menos competitivo e mais sonhador, recomendo-lhe vivamente, mesmo com o risco de ofender algum Pai mais extremoso: desenhem. Desenhem, desenhem, desenhem, que o desenho liberta ainda mais do que escrever coisas como estas que estão aqui a ler e que, receio bem, só sirvam para nos angustiar.
Mas, onde é que eu ia?
Felizmente a minha Senhorinha nunca se esquece estas coisas de que estávamos a falar do Sr. Julião, e de como ele ia envelhecendo a construir caravelas e outros mais recentes barcos, traineiras, rebocadores e até um grande petroleiro com mais de um metro.
De há muito abandonara ele os paus de fósforo, não sem que eles, pobres pauzinhos, não tivessem contribuído, à sua canhestra maneira, para lançar uma ponte entre as gerações e criar uma sólida amizade entre o Primo da minha Senhorinha e o antigo desenhador dos correios.
Tudo começara, ainda o Carlinhos, com quatro ou cinco anos, nem ia à escola, nem sonhava vir a chamar-se Chuck nem vir a encontrar uma Magrizela.
Costumava ele empoleirar-se num banco, de queixo esticado por cima muro de separação entre os dois quintais, a ver o Sr. Julião, com uma paciência de quem já não quer chegar a lado nenhum, a colar fosforinho a fosforinho, até erguer um mastro, construir uma amurada ou uma chaminé.
E como era lento aquele avanço. O rapazinho ia, esticava-se, espreitava, descia do banco e ia perseguir o gato para o abraçar, o gato fugia, ele voltava ao muro e o barquito ali encalhado por falta de fósforos num costado, o Sr. Julião debruçado sobre uma coisa nenhuma que se visse.
O Carlinhos convenceu-se de que era a falta dos pauzinhos ardidos numa ponta o que assim demorava a obra. E vá de se dirigir à cozinha, arrastar um banco, pôr-lhe outro em cima, trepar para a pedra da chaminé, apoiar-se no fogão e subir para o segundo banco.
A Mãe costumava guardar lá no cimo a reserva das caixas de fósforos, quatro, novinhas em folha, ainda dentro do involucro transparente. Mesmo esticando-se e oscilando perigosamente em cima dos bancos empilhados, as almejadas caixas ficavam muitos centímetros acima dos dedos de Carlinhos. Foi preciso descer, de novo com o apoio do fogão - felizmente apagado - ajoelhar-se em cima da pedra, descer para o chão  e procurar um qualquer coisa que lhe servisse de prolongamento para o braço, voltar a subir e, com a ajuda de uma colher de pau, precipitar lá de cima as caixas que caíram com estrondo sobre a tampa do balde do lixo.
A Mãe, felizmente, andava lá por cima com o aspirador.
Com os fósforos na mão, o Carlinhos marchou outra vez para o quintal, espreitou por cima do muro; do lado de lá, o velho Julião olhou-o por baixo das espessas sobrancelhas e perguntou:
- Hum! Estás de volta?
- A chaminé é muito alta - justificou-se o Carlinhos. e esticou o braço direito bem acima da cabeça.
- Hum-hum. É bom, para não morreres como o João Ratão, cozido e assado no caldeirão.
O Carlinhos achava aquela história parva porque os ratinhos não se aproximavam sequer de uma coisa quente, quanto mais ir um deles mexer no caldeirão, por muito bem que cheirasse.
Não disse nada: à uma, porque já percebera que discutir com os mais velhos é uma perda de tempo; e depois, porque acabara de pensar que os fósforos que trazia da cozinha não iam servir para nada. Tinham uma cabecinha encarnada e os que o Sr. Julião colava ali na bancada o que tinham era a ponta preta.
Um problema a resolver, decidiu ele. E, abrindo o invólucro, tirou um fósforo e riscou-o.
Estava proibido de o fazer e, no instante seguinte, quando as quatro caixas explodiram repentinamente, percebeu por quê.
Os mais jovens dos meus Leitores já se espantaram certamente com o temperamento de um fósforo quando o passamos pela lixa; parece estar para ali, numa soberana indiferença, e de repente, zás! A chama!
Imaginem o que aconteceu com quatro caixas, com cem fósforos cada. Uma enorme labareda subiu pelos ares e, felizmente, tão depressa tinha vindo como se foi e o Carlinhos recuou assustado caindo do banco abaixo.
O Sr. Julião veio resmungar por cima do muro.
- Hum! O rapaz é parvo! Olha lá, aleijaste-te, hum?
Sentado no chão, com os óculos pendurados só de uma orelha e um cheiro intenso a cabelos queimados, o Carlinhos olhava para aquilo tudo sem perceber bem o que lhe tinha acontecido.
- Estás bem, tu, hum? - insistia o Sr. Julião sem saber se os seus velhos anos e o reumático nas articulações lhe deixariam saltar o muro.
- 'Tou. - respondeu o Priminho da minha Senhorinha sem ter muito a certeza.
Depois endireitou os óculos e levantou-se para agarrar as caixas chamuscadas e ainda quentes.
- Toma. - disse ele e estendeu-as na direção do muro.
- Para mim, hum? Hum... ah. Obrigado.
E o que se seguiu, perdoarão as gentis Leitoras e os Cavalheiros, mas tem de ficar para a próxima vez, que a D. Fernanda quer fechar a loja e eu quero tudo, menos que ela se zangue comigo.
 

quarta-feira, setembro 04, 2013

BOM DIA E UM QUEIJO (segundo episódio)

Nesse dia, tenho de o dizer, o Zé Nesgas perdeu a paciência e desatou aos berros.
Não é que a voz dele, fininha como era, fosse impressionante, sobretudo porque vinha lá de baixo do seu palmo e a terça de altura (ou, talvez devesse dizer, de «baixura» se não fosse parecer que estava a ser sarcástico, o que não é, de todo, a minha intenção. A minha Senhorinha que me conhece, poderia ser nisso a minha fiadora, se não me repugnasse ser a causa de mais esse incómodo).
Bom, mas perguntam as gentis Leitoras, o que gritou então esse tal Zé Coiso? E eu reparo que têm toda a razão e acabei por não o dizer.
O autoritário brado foi simples:
- Man, isto tem de acabar! - e alteando a voz: - Tem de acabar, man, isto assim não é coisa nenhuma!
E não era, mesmo descontando que eu omiti alguns vocábulos, digamos, menos elegantes na fala do colérico rapazinho.
De facto, a Magrizela andava a acordar, lá ao fundo, debaixo da cama, com um humor de cão, o que, diga-se, não é de todo de estranhar.
Mas, perdoem-me que intercale aqui um aviso e um pedido de desculpas.
As Gentis Leitoras e os Cavalheiros que me estão a ler já protestaram, certamente,  contra esta entrada de chofre, tipo a pés juntos, na história do Carlinhos e dos seus amigos. Mas verão que era absolutamente necessária.
A minha Senhorinha conhece bem a tendência que eu tenho para andar por aí a «dar água sem caneco», uma expressão muito antiga, bem ao jeito da Senhora sua Tia. Mesmo tendo nascido na pequena vivenda do bairro de Nossa Senhora dos Anjos, como já devemos ter dito, a Mãe do seu Primo Carlinhos, tem uma forte costela rural; as suas opiniões, por vezes bem contundentes, exprimem-se quase sempre por provérbios, por expressões do tipo «nem sol na eira nem chuva no nabal» a propósito dos nossos governantes, e tantas outras que seria inútil tentar dizê-las a todas.
Mas reparo que, ainda antes de explicar porque é que a Magrizela acordava todos os dias com o tal humor de cão, talvez devesse dizer, mesmo se brevemente, o que é um «caneco», esse sem o qual tanta gente anda por aí a fingir que dá a água.
Hoje em dia, os que ainda por aí andam já são de plástico.
Dantes, porém, os canecos eram feitos de madeira, do mesmo modo como ainda se fazem as pipas para o vinho: as peças de castanheiro ou de carvalho, chamadas aduelas, eram encurvadas ao fogo e apertadas com arcos de ferro. Tinham uma pega cá em cima e, muitas vezes outra mais em baixo, do lado oposto. Levavam para aí uns vinte litros de vinho ou de água e acartavam-se às costas, o que não era pêra doce para ninguém.

 
Também eu, quando perdi o emprego, já lá vão muitos anos como a minha Senhorinha sabe, entre outros biscates, andei nas vindimas e acartei muitos deles ao ombro. Palavra que também eu preferiria andar a dar a tal água sem caneco nenhum.
Mas vejo que me afastei do assunto que, afinal, aqui nos trazia a todos.
Desde que chegara a casa, trazida à corda pelo Carlinhos, a Magrizela recusara-se a dormir num colchão macio, com almofada e lençóis.
Onde ela gostava de se enfiar era debaixo da cama do Primo da minha Senhorinha, lá bem ao fundo, enrolada num tapete.
Durante os primeiros tempos até dava jeito. A Mãe do Carlinhos podia entrar e sair, sem dar pela Magrizela que tinha bem a noção da estranheza daquilo tudo e, lá de baixo, rosnava tão baixinho quanto podia. Só havia um problema, mas esse, acredito, era bem mais embaraçoso.
A minha Senhorinha conhece o seu jovem Primo: tímido e contemplativo, com uma mais do que parca experiência das coisas do mundo. Como conseguia ele convencer a Magrizela quando, a meio da noite ela acordava e se dirigia para a porta decidida a ir para o quintal fazer... como direi? os necessários?
Bem tentava ele encaminhá-la para a casa de banho. Porém, para a Magrizela que até essa altura poucos dias passara debaixo de telha, uma sanita tinha sido apenas um sítio onde beber água quando os donos se esqueciam da tijela.
Felizmente, o Zé Nesgas tinha, em capítulos desses, alguma experiência.
Era o terceiro de uma irmandade de quatro em que tinha o azar de ser o único rapaz.
A minha Senhorinha, sendo filha única, não tem bem a noção de quanto duas irmãs mais velhas, sempre em segredinhos e risadinhas, podem ser cruéis para os irmãos mais novos.
O Zé Nesgas teve de tomar a defesa da mais pequenina e, no fundo, coube-lhe a ele a tarefa, nem sempre gratificante, de evitar que ela se ferisse com as tesouras que as mais velhas deixavam por ali depois de cortar as unhas, que caísse das escadas abaixo quando as outras deixavam a porta da rua aberta, de acudir quando a pequenita batia com a cabeça numa esquina e desatava num berreiro.
E frequentes vezes, quando ela abandonou as fraldas, a acompanhou ao bacio e a amparou na casa de banho para que ela não se enfiasse pela sanita abaixo.
Mas as gentis Leitoras e os Cavalheiros que nos lerem terão de me perdoar se eu entrar agora em pormenores que não constam normalmente em narrativas que possam ser lidas por crianças.
É consensual que, até esses dezoito anos, julgo eu, embora possa estar em erro - quem sou eu para discutir pedagogias e regras de boa e saudável educação? - é consensual, dizia eu então, que um jovenzinho possa matar marcianos, árabes ou chineses, bem como outros monstros variados, num videojogo. Mas nada de falar em xixis e cocós: as senhoras nos romances nunca estão com o período nem têm prisão de ventre.
E, se os Leitores ainda se lembram da gritaria que ia lá pelo quarto do Carlinhos, com o Zé Nesgas aos berros (desta vez sem omitir vocábulos:) «man, isto assim é uma merda, porra!», não ficarão admirados se eu lhes recordar que ajudar uma irmãzita de três ou quatro anos a ir à retrete e depois a lavar-se, não é exactamente a mesma coisa quando se tem doze anos e a rapariguita que se está ajudar tem catorze.
Como a D. Fernanda, que é a encarregada aqui da loja, já me veio dizer «tenho pena, mas olhe que já passa meia hora...» eu acrescento só mais uma coisinha:
A Magrizela, sem dar minimamente por isso, note-se, estava a causar uma perturbação desusada nas hormonas daqueles dois cachopos.
E eles, a falar francamente, não faziam ideia de como enfrentar a situação.


 
 

sexta-feira, agosto 30, 2013

BOM DIA E UM QUEIJO

 

Bom Dia e um queijo é a narrativa cheia de peripécias das aventuras - e algumas desventuras - do Carlinhos - que também gosta de se chamar Chuck - da Magrizela e do Zé Nesgas, onde, se tivermos sorte, hão-de aparecer um ou dois Diabrelhos e várias outras figuras que, por serem invulgares, não são menos verdadeiras.
Tudo narrado fielmente por este que se assina
Alberto Tacci
(ou outro nome qualquer)
-
A minha Senhorinha lembra-se, certamente, dos nossos últimos encontros e do que então conversámos sobre o seu Primo Carlinhos.
Já lá vai algum tempo, mas, por essas alturas, comentámos, não sem alguma inquietação, o facto de que o jovem sonhador, alto e gorducho como era, estar a abandonar rapidamente a meninice e a entrar decidido pela adolescência.
Efeitos, receávamos, da presença da Magrizela lá em casa.
A minha Senhorinha conhece perfeitamente a pequena moradia - com um jardinzinho à frente e um pequeno pátio nas traseiras - onde a Senhora sua Tia, a Mãe do Carlinhos, sempre viveu.
Perdoará, no entanto, que eu junte aqui uma breve descrição do Bairro Social de Nossa Senhora dos Anjos, para dar a conhecer aos demais leitores que gentilmente nos acompanham, o lugar onde cresceu o seu Primo. E, de caminho, explicar - se explicação tiver - como foi possível, durante este tempo todo, que ninguém estranhasse a presença da clandestina Magrizela a pavonear-se por todo o lado na companhia do Carlinhos e do seu colega de turma e de há muito inseparável amigo, o Zé Nesgas.
-
O Bairro tinha sido planeado para se estender pela encosta abaixo, ter um jardim com um ringue de hóquei em patins e uma Igreja, e albergar com a devida decência e muito respeitinho, como era antigamente, duzentas famílias de militares de baixa patente, um ou outro chefe de polícia, funcionários da Câmara Municipal e empregados de comércio selecionados. E havia de ter também um pequeno miradouro com um busto do Sr. Ministro das Obras Públicas e banquinhos onde os mais idosos se iriam sentar à conversa e regalar-se a plenos pulmões com a magnífica vista sobre o rio.
Era uma coisa bonita.
Houve uma cerimónia solene para lançar a primeira pedra, com ministros e presidentes, uns quantos legionários da Legião Portuguesa, as criancinhas da Escola Primária mais próxima e uma menina vestida de organdi com um ramo de flores e um laço azul na cabeça.
Porém - e a minha Senhorinha já sabe como são estes «poréns», acaba sempre por haver meia dúzia - ainda o empreendimento não tinha passado do papel e a menina do laço azul ainda não tinha tropeçado e espalhado as flores pelo chão e já se dizia à boca pequena que alguém se tinha abotoado com as verbas.
Houve ajustes daqui e dali, roubou-se uma dezena de metros quadrados a cada quintalinho, um metro na largura da ruas e mais meio metro nos passeios que ficavam só um bocadinho mais estreitos.
Das duzentas vivendas construíram-se trinta e nove, agrupadas em seis pequeninos quarteirões e com seis casinhas cada um, e mais meio que, não se sabe porquê, ficou só com três - um nadinha maiores, é verdade, e com uma garagem atrás onde não sei se caberia um carro maior do que um Fiat Topolino - ou vá lá, para termos uma comparação mais dos nossos dias, um Smart ou um Citroën C-1.
Foi uma destas três que os Avós do Carlinhos e da minha Senhorinha adquiriram com algum sacrifício, diga-se, e que deixaram à filha mais nova quando se reformaram e foram para a terra, lá para os lados de Ponte de Lima ou dos Arcos de Valdevez.
Os terrenos previstos para a dita Igreja e para o jardim foram loteados e vendidos para fazer prédios e, como se diz agora, para se realizarem umas mais-valias que segurassem o descalabro nas contas do Município. O miradouro, esse ficou com uma bonita vista para as traseiras dos prédios onde as vizinhas dos segundos andares estendem a roupa.
Quando se puseram, finalmente, os candeeiros da iluminação pública, verificou-se que os estreitados passeios não davam para passar um carrinho de bebé, quanto mais uma cadeira de rodas.
-
Mas então, reclamam as Gentis Leitoras e os Benevolentes Cavalheiros, Meninas e Meninos que vinham cheios de curiosidade: então e o Carlinhos? E a Magrizela? Não era disso que se tratava e das aventuras deles e do Zé Nesgas?
Só posso pedir-lhes um pouco de paciência porque, arrumadas estas considerações - e se outras não vierem, aviso desde já, porque eu não sou de fiar como a minha Senhorinha tão bem sabe - iremos pé ante pé surpreender o nosso Carlinhos no quintal do Sr. Julião, reformado dos Correios que faz naus e caravelas com pauzinhos de fósforo.
Mas o que ele lá estava a fazer terá de ficar para depois, porque, confesso: já estou a ficar muito cansado e mal distingo as teclas em que vou aqui martelando.
Mas hei-de voltar, tão depressa quanto arranjar três euritos, que é quanto custa aqui nesta loja, o aluguer de um computador e da ligação à internet durante umas horas.
Prometo. 
 


segunda-feira, agosto 12, 2013

Os dias de Catarina

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- Pai! Já alguém tinha feito um falso almanaque do Borda d'Água?

sábado, agosto 10, 2013

Os dias de Catarina

-
- Porque é que as cotas ficam assim bonitas quando cantam todas juntas?

segunda-feira, julho 22, 2013

Leão Tolstoi

"Não foram, no entanto, os dogmas o que levantaram entre ele e a Igreja um muro intransponível, mas sim as questões práticas, - sobretudo duas: a intolerância raivosa e mútua das Igrejas, e a sanção, formal ou tácita, dada ao homicídio, - a guerra e a pena de morte."
Romain Rolland, Vie de Tolstoï, 1921.

quarta-feira, julho 17, 2013

Os dias de Catarina (dois)

- Ensinaram-me a ler em três anos. Mas, se tiver de entender isto tudo, quando é que eu vou brincar?

terça-feira, junho 18, 2013

Anjo da Guarda

-
A intenção, como de costume, é particular.

sexta-feira, junho 14, 2013

Os Dias de Catarina

- Dizem que os Homens são capazes do melhor e do pior.
Porque é que a Mãe e o Pai escolhem sempre, tipo, o pior?

sexta-feira, maio 31, 2013

Quando os Domingos calham à Terça-feira.


Alguém no seu perfeito juízo gosta do mês de Março?
Excluindo o facto de que é nele que a Primavera começa, mas quase no fim, o que resta é que é o mês em que se tem de fazer a declaração do IRS. Eles, lá nas Finanças sabem tudo, cruzam os dados todos, mas a gente tem de lá ir à mesma declarar quanto ganhou, quanto nos retiveram por conta, o que gastámos na farmácia e nos juros da casa, quanto demos de pensão ao nosso filho - coisa que eles já sabem porque foi determinada no tribunal.
E nem penses em declarar aquilo que combinaste com a tua mulher, civilizadamente, sem ser preciso que a lei, por intermédio de um façanhudo tribunal te condene.
Não: assim não conta.
E já viram aqueles impressos?
Se preencheu a casa 716 preencha a 139.
Casa 830: Declaração de rendimentos obtidos no estrangeiro nos termos do artigo 26 do Decreto-Lei 206/1997, na redação do Decreto-Lei 928 de 1999.
Parecem feitos de propósito para algum amador de charadas ou, quem sabe, para aqueles serviços de criptografia que os exércitos acham indispensáveis.
Mas não para nós que padecemos sob o Março mais antipático de que há memória.   
Eu já não gostava muito do provérbio, o tal de «Março marçagão, de manhã cara de gente, à tarde focinho de cão».
É claro, «cara de gente» acho bem aplicado; se acharmos que o Gaspar e o Passos têm cara de gente, então sim, justifica-se a chuva continuada, o granizo e a ventania que tem soprado por aí. É como se a Natureza entristecida tivesse vestido o luto por nós, pobres diabos que nos arrastamos pelas esquinas sem dinheiro para ir beber uns copos e com lama até aos cotovelos.
À tarde, porém, onde foi parar o «focinho de cão»? O meu cão, pelo menos, tem um focinho bem simpático. As tardes deste malfadado mês, essas não: mais parecem, sei eu lá, a claque de um clube de futebol quando ele perde com o Belenenses.
Mas não é só mau tempo.
A política neste mês de Março também parece que descambou, não em tempestades, quem nos dera, mas em bátegas sucessivas, «ai vais às compras? Toma lá uma carga de água para aprenderes!» «Vais para Guimarães? Pois vai chover todo o caminho.» «Ias de férias? Eu se fosse a ti não ia.»
Na política tem sido mais ou menos a mesma coisa.
Voltou o Pinto de Sousa, vulgo o Sócrates que se licenciou ao Domingo, o Relvas disse outra das dele, Chipre abriu falência e o PS, depois de votar contra a recomendação do PCP, apresenta uma moção de censura ao Governo. O Banco de Portugal, para não lhes ficar atrás, fixa o défice do ano passado em 6,4 por cento.
Irra! Já chegava.
Mas não, nem pensem.
Repararam que o mês de Março acaba num Domingo,dia 31?
E que 30 é Sábado?
Ora, sendo 29 Sexta-feira Santa, feriado portanto, o prazo para apresentar a declaração do IRS acabou na Quinta-feira, 28, no quarto dia antes do fim do mês.
Quando reparei, apressei-me a preencher os quadrados todos, a casa 716 e a 821 e fui a correr, estrada acima, até ao balcão ali da vila.
E uff! Cheguei a tempo, mesmo com as contas feitas à pressa, com a vaga esperança de que sendo Domingo o último dia do prazo, este passasse para a Segunda-feira seguinte como eu sabia que a lei determina.
- Não! - declarou perentório o funcionário. - Isso é só quando o prazo é «até ao dia qualquer coisa». Se for «durante o mês de Março», acabou-se o mês, acabou-se o prazo.
- Então, mas os Marços têm todos trinta e um dias. Se o prazo é no mês de Março, é até ao dia trinta e um.
- Não senhor. É até ao último dia útil do mês. Mas se não quiser, pode apresentar pela Internet.
Eu deveria ter-lhe replicado rancorosamente que não, que a Internet era eu que a pagava e que ele, funcionário, era pago pelo Estado. E que se eu e outros como eu não fôssemos lá ao balcão uma vez por outra, ele ia parar à Mobilidade Especial, com 35% do ordenado a depois, zás: Requalificação em desempregado para aprender.
Mas não.
Em vez disso, fiquei ali parado, a odiar a boa educação que a Senhora minha Mãe me deu e a perguntar a mim mesmo:
- Mas, por onde raio andam os bombistas suicidas?
Infelizmente, concluí, essa gente é toda a mesma: nem bombistas, nem canalizadores, nem táxis em dia de chuva. Nunca aparecem quando fazem mais falta, não é?
 
 

sábado, maio 25, 2013

Avaros de todo o mundo

Falando com franqueza, não vale a pena sofismar: a Direita governa esta coisa a que chamamos Democracia desde o 25 de Novembro de 1975 - pelo menos.
O Mário Soares, aliado ao Carlucci, embaixador do Presidente Reagan, fez uma opção clara: as indemnizações às vítimas das nacionalizações, desocupações de herdades e empresas que tinham sido abandonadas pelos proprietários, a autorização para a reconstituição de grupos como os Melo, tudo isso, se expulsou definitivamente o Partido Comunista da área do poder, teve como contrapartida amarrar o Partido Socialista à direita mais oportunista.
Maçonarias, Opus Dei ou sabe-se lá o quê, Rotários, Associações de Ciclistas e a Mão Negra (para não falar da Cabala) foram fazendo o resto. A Direita é o «arco governativo», Regeneradores e Progressistas deste rotativismo parlamentar e governativo em que os grandes gestores e os grandes administradores vão sendo sempre os mesmos.
Obviamente, na direita nem tudo são rosas.
As diversas fações que se vão alternando no poder digladiam-se pelas razões lá dela própria, mas os golpes e contra golpes, as espadeiradas pela frente ou as punhaladas pelas costas, nunca vão demasiado fundo.
O arguido é condenado a um ano, com pena suspensa, aguarda com a pulseira eletrónica ou recorreu à espera da prescrição. No final acaba por se safar porque Direita não se esfrangalha a si própria: mesmo sem serem leais, as refregas têm árbitros.
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Para começar e porque vai a votos, tem como árbitro primeiro a opinião pública. As sondagens mudam os discursos e obrigam a disfarçar as obras. Encomendam-se entrevistas às televisões, a serem conduzidas pelos apresentadores mais mediáticos, mandam-se comunicados, em último caso muda-se um ou outro ministro.
A necessidade de se perpetuar no poder ou, pelo menos, adiar a queda e dar tempo aos apaniguados para ficarem menos mal na vida, obriga a contorções dignas do Plastic Man, o Borracha das histórias aos quadradinhos da nossa infância.
(Se não são desse tempo, não sabem o que perderam, digo eu.)
 
File:Plastic Man 17.jpg
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Mas, adiante.
Os árbitros segundos são as empresas.
Os seus administradores, que são ao mesmo tempo os Barões dos diversos partidos, porventura ex-governantes e conselheiros dos actuais ministros, estão sempre uns com os outros. Aproveitam alguns momentos de conversa à margem das reuniões dos concelhos a que pertencem, encontram-se em jantares em casa uns dos outros ou de uma Tia velha,  nos Spas ou em lugares de menos confessável natureza - mas que davam um romance ao Stieg Larson se ele não tivesse já falecido. E nesses encontros, as coisas vão sendo combinadas, distribuídas, os lugares tenentes e os testa-de-ferro recompensados.
A Direita partilha. A Esquerda não.
A Direita recebe o pão e dá as côdeas ao capataz que lho trouxe.
Mas partilha.
E mantem presa à esperança toda uma coorte de invejosos úteis a quem as côdeas entretêm enquanto esperam pelo jantar.
Umas vezes a comida vem.
Outras não.
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O poder e o dinheiro andam, na Direita, demasiado unidos, entrelaçados, no bolso um do outro, como se o conteúdo contivesse o continente que contem o conteúdo que contem...
E é assim que o dinheiro, a Banca e as grandes sociedades financeiras acabam por ser o último dos árbitros. Se uma coisa não dá dinheiro, se não dá o poder que dá o dinheiro, a espiral está em perigo, alto lá! Os meninos portam-se bem, se não, cartão vermelho e rua! Saem de jogo. 
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Na Esquerda não.
Primeiro porque não há dinheiro. Ou vai havendo, mas nunca tanto que possa ser partilhado. As estruturas partidárias ou sindicais, as acções de propaganda, os eventos consomem-no todo e ainda falta. Os militantes, em vez de receberem, contribuem.
O que a Esquerda tem é um pouco de poder, o poder que lhe conferem aqueles que não querem ou não podem aceder ao dinheiro: alguma influência eleitoral, meia dúzia de lugares aqui ou ali, cada vez menos, na Administração Pública, no Parlamento, em Escolas ou na Universidade, em Sindicatos.
E torna-se avara.
Cada capelinha, cada grupo de amigos ou tão só de cúmplices, intriga, elege e faz-se eleger, representa e abarbata o que pode desse poder que é, no mais das vezes, apenas o de negar, de parar, de encravar e não deixar andar para a frente. Como o do funcionário no guichet que nada mais pode senão servir de escolho aos mareantes.
Aos descontentes nada mais resta.
Separam-se, sectarizam-se e formam grupúsculos. Levam consigo os pedaços do poder que conseguiram amealhar e por lá ficam, seja onde for que foram ter. E divisionistas são sempre os outros.
Voltar a unir-se significaria partilhar o bocadinho de poder que se tem, juntá-lo ao bocadinho de outros, perder agora para participar num poder maior, mais amplo, mais eficiente, e quem sabe, ganhar no fim.
Avaros de todo o mundo, uni-vos!

quinta-feira, abril 11, 2013

O Gato e o Rato

INQUIETAÇÃO
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"Credibilidade, credibilidade,
é só credibilidade, credibilidade...
(há sempre qualquer coisa que está para acontecer,
qualquer coisa que eu devia perceber)
Credibilidade, credibilidade...
Porquê, não sei,
Porquê, não sei.
Porquê, não sei ainda...

segunda-feira, março 18, 2013

quarta-feira, março 06, 2013

Beppe Grillo e a água do banho

Há muito tempo, confesso para minha grande vergonha, que não seguia o blog do Beppe Grillo. 
O meu italiano não é grande coisa, por isso costumava preferir a edição em inglês onde lia frequentemente comentários algo contundentes às políticas europeias. Talvez porque nos idos de 2006, 2007, a Crise, esta malfadada Crise, era ainda uma ameaça longínqua, e porque tínhamos aqui mais ao pé coisas com que nos preocupar, uma direita cada vez mais agressiva e um partido que se dizia socialista e cada vez mais colado às mesmas políticas, esqueci-me do Beppe Grillo. 
A sério: esqueci-me.
Erros meus, má fortuna, e, suponho, infortúnio de muita gente.
Quando voltámos a ouvir falar dele, foi em grande. 
A Itália resolvera correr com o seu eurocrata de serviço - nós ainda não conseguimos livrar-nos dos nossos - e o Movimento Cinco Estrelas (raio de nome!), acusado de populismo por todos os lados, recusava-se a emprestar os seus 25% de votos às soluções tipo «mais do mesmo».
Beppe Grillo, que já era o «comediante» para toda a gente, sobretudo para quem nunca o tinha lido, foi promovido: passou a ser o «palhaço».  
E entretanto toda a gente se esquecia de que o movimento M5S, tem muito mais gente e que não é assim tão certo que sejam todos tão apalhaçados como se gosta de pensar que é o seu chefe: reuniram-se, elegeram por braço no ar os seus lideres no parlamento e no senado e declararam-nos cargos rotativos.
Será populismo, não tenho a certeza. 
O populismo é, diz o meu dicionário, um «movimento protagonizado por um chefe carismático e paternalista que apela à simpatia das bases populares». 
Quanto a «carisma», estamos conversados: estou farto dos moscas-mortas tipo Cavaco Silva, Vítor Gaspar ou Miguel Relvas. Prefiro as pessoas com o tal carisma - seja isso o que for - aos velhacos, aos sonsos, aos que dissimulam a sua mesquinhez e as suas ambiçõezinhas medíocres.
E quanto ao «paternalismo», francamente, qual é o político que se pode gabar de nunca a ele ter recorrido? O Gaspar, quando se põe a dizer que somos «o melhor povo do mundo»? O Soares? O Barroso? Os banqueiros, como o o João Salgueiro quando nos manda limpar as matas se perdermos o emprego?
Mas populista ou não, o M5S tem lá imensa gente muito, muito jovem. 
E a «revolução», escrevi eu próprio em 75, a um ano do 25 de Abril, «é quando os jovens enxotam os velhos e realizam, com a doce inconsciência de que são capazes, as coisas impossíveis». 
Quem sabe?
A esperança é como o bebé: não deve ser deitado fora com a água suja das políticas profissionais, pois não?

terça-feira, fevereiro 19, 2013

O Número de contribuinte, o Topless e os Buracos negros


Calhou. Ou veio a propósito, tanto faz.
Eu sei que não é bonito falarmos assim de nós mesmos, mas as constipações, sobretudo aquelas que nos aprisionam num aquário de infelicidade e de mal estar, são propícias a estas recapitulações. E por estes dias lacrimejantes e de nariz entupido, a estante do corredor sempre nos vai fornecendo um ou outro livro, alternativa aos jornais da véspera onde o Pacheco Pereira nos adverte de que "num computador do fisco está toda a nossa vida já inventariada e cruzada através do número do contribuinte e dos poderes discricionários da Autoridade Tributária". E acrescenta que esse "verdadeiro número único dos portugueses [...] permite todos os cruzamentos de dados e uma violação sem limites da privacidade de cada cidadão" (Público de .16 de Fev.)
E de facto, qualquer Pide (ou pior do que isso, qualquer chefe de segurança de um Banco), subornando um funcionário ou, as leis dão para tudo, tendo acesso legal, pode saber que livros compro ali na Bertrand, o que costumo comer ao pequeno almoço e que prendas ofereço à minha amante.
É, como nota Pacheco Pereira, a realização do pesadelo Orwelliano retratado em 1984. E é curioso pensar que a personagem do Big Brother e a sociedade a que ele pertencia se inspiravam sobretudo no modelo soviético. Mas o pesadelo tornou-se realidade, pelo contrário, no mundo que nos diziam livre, sob o mais absoluto regime liberal de que há memória.
Irónico, não é?
Sentimo-nos como se nos tivessem roubado as próprias palavras: liberal, para não irmos mais longe, quis sempre dizer «generoso», «tolerante», «de espírito aberto»; era uma palavra que trazia implícita a ideia de liberdade, de oposição à tirania e ao poder absoluto dos Senhores Dons Miguéis e dos seus Salazares de serviço.
Agora, pelos vistos, traz consigo apenas a ideia de abandono: desenrasca-te, pá. Emigra! Rebenta para aí. Se fores demasiado pobre, anda cá que te damos uma sopa e agradece que já vais com sorte.
Nós que nos julgávamos homens livres e orgulhosos lá iremos, humildes, de boné na mão e os olhos baixos, à «sopa do Sidónio». 
Luis Spúlveda, no livro que a constipação me fez tirar da estante, narra que os que voltavam ao Chile post Pinochet, vindos do exílio, "andavam desorientados, a cidade não era a mesma, procuravam os seus bares e encontravam lojas de chineses, na farmácia da sua infância havia um bar de topless, a velha escola era agora um concessionário de automóveis, o cinema do bairro uma igreja dos irmãos pentecostais." (A sombra do que fomos, 2009, Porto Editora, p. 87)
A nós, mesmo sem sairmos de cá, mudaram-nos o país sem nos perguntarem nada. Em Lisboa, o Monumental, ali ao Saldanha foi abaixo, o Europa em Campo de Ourique também, o velho Império das sessões clássicas está nas mãos de uns outros irmãos que dão pelo nome de IURD.
Mas não foram só os cinemas: os cafés, os velhos e grandes cafés onde nos reuníamos, onde estudávamos, trocávamos livros e discutíamos sem fim, também deram de frosques: o Montecarlo, por exemplo, ou o Vává. Ou então, tranformaram-se em restaurantecos mixorucas, uma sopa, bica e nata ao balcão e fecham todos lá pelas dez horas quando tens sorte. Em compensação, vá lá que nem tudo é mau, barzinhos iam abrindo por tudo o que é lado.
E, de um dia para outro, zás! A cidade cobriu-se de parquímetros (que nós pagamos, mas que dão prejuízo) sem que o estacionamento tenha melhorado grande coisa e os táxis, esses mudaram de cor por causa de uma tal CEE de que éramos bons alunos.
Mas houve mais.
Lembro-me, por exemplo, do dia em que, lá no emprego, nos começaram a exigir que andássemos com um cartão plastificado pendurado ao pescoço a dizer que nós éramos quem toda a gente sabia que nós éramos, excepto uns rapazes supostamente «seguranças», contratados a peso de oiro para substituir os velhos contínuos que faziam de porteiros e conheciam toda a gente.
Tal como no Chile de Pinochet e de Kissinger, a nossa vida "encheu-se de buracos negros que surgem em qualquer parte; alguém diz luz e é engolido pelas sombras..." Ibid, p. 62 (com a adaptação dos tempos verbais).
Claro, tudo isto quer dizer que envelhecemos, que o tempo - um dos mais implacáveis de todos os buracos negros - foi comendo os nossos amanhãs que cantavam, ó sim, se cantavam!
E até o Fidel Castro, quando aparece na Televisão, ou quando o vemos numa fotografia, tem o ar de um velho náufrago, encalhado na praia do comunismo - ligeiramente primário, é certo, mas, que alternativa tinha ele face ao poder das máfias de Chicago e do exército americano?
A guarda morre, mas não se rende, não é?
É o que dizem.
Mas que remédio tem ela senão poisar a arma de vez em quando e assoar o nariz congestionado pela constipação?
 
 

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

domingo, fevereiro 03, 2013

Ora Zico!

Já não há muito a dizer sobre o pittbull, actualmente a residir num canil em Beja, se ainda não morreu, que dá (ou dava) pelo nome de Zico.
Não foi, como só acontece ao Mário de Carvalho (onde é que eu já escrevi isto? nem me lembro...) o caso de um Bispo ter mordido o cão, mas foi quase.
Na falta de melhor, cortes de subsídios de doença, por exemplo, ou despedimentos em massa, a malta precipitou-se quando viu - num vídeo, suponho - o Zico a ser levado entre duas cordas. E, para mais, com aquele ar de parvo que os cães têm quando não percebem o que lhes está a acontecer.
Não faço a mais pequena ideia de quantos habitantes deste rectângulo esquecido por Deus têm conta aberta - e algumas delas bem chorudas - nesse BPN da banalidade que é o facebook.
Seja que número fôr, setenta mil dessas pessoas a assinar uma petição para que a vida do Zico fosse poupada, é obra. Sobretudo se pensarmos que sobre a cabeça do canídeo pesava a suspeita de ser um assassino e que a lei portuguesa, boa ou má, manda que os animais perigosos sejam abatidos, ponto final.
Se estas setenta mil assinaturas - e o chorrilho de asneiras e de insultos cruzados entre os assinantes e os que se recusaram a assinar - não são um sinal claríssimo do mal-estar da nossa cultura, não sei o que sejam.
Não tenhamos ilusões: em Portugal, na Espanha, na China, milhares e milhares de cães são mortos todos os anos. Até na filantrópica Inglaterra de onde nos vieram as primeiras preocupações com o bem-estar dos cavalos!
Porquê agora e porquê o Zico?
Que matou realmente uma criança de ano e meio, não oferece grandes dúvidas.
Argumentou-se, um pouco por todo o lado, que a criança não apresentava marcas das dentadas que não deixaria de apresentar caso tivesse sido morta pelo cão e, sim, tinha sofrido um traumatismo craneano. Mas o relatório da autópsia, a acreditar nos jornais, é bastante claro: há marcas do ataque, sim senhor, características, insofismáveis.
Se a palavra assassino tem significado, então o Zico é um cão assassino, e outro ponto final.
Mas alto!
«Merde! a guarda morre, mas não se rende!», como disse exemplarmente o general Cambronne. Os defensores do Zico têm mais argumentos.
Partindo do princípio sagrado de que o bicho é meigo, incapaz de actos violentos, só poderia ter sido trocado: um outro pittbull, esse sim, agressivo e bom para a luta seria o responsável pela morte da criança. Valia, porém, demasiado dinheiro em combates clandestinos. O Zico, bom e carinhoso, teria sido sacrificado em nome da ganância do dono que preferia perder um palerma sem préstimo a ficar sem o seu gladiador.
A dúvida metódica que tanto trouxe à cultura ocidental obriga-nos a levar a sério essa hipótese. Se uma coisa é possível, de certeza acontece, nem que seja na infinidade dos mundos - ou na infinidade do tempo, como pretendia Gell-Mann, o prémio Nobel da Física de 1969.
Terá acontecido justamente aqui e agora, neste mundo e no ano da graça de 2013? Será o Zico um outro Zico?
Talvez se possa ainda saber: se os defensores da tese do «Zico meigo» ainda forem a tempo e quiserem provar a sua (dele) inocência, que se prestem a pagar o teste de ADN, como vemos nas televisivas séries do CSI-Qualquer Coisa: há-de haver vestígios da saliva do cão em qualquer sítio, não?
-
Os defensores do Zico têm-se dividido em dois grupos principais: os que afirmam a sua inocência a todo o custo - não, o cão não matou a criança - e os que, aceitando que tenha sido ele o autor das dentadas fatais, atiram as responsabilidades para os donos do animal.
E chegamos aqui à razão de ser deste post.
Nem uns nem outros têm razão.
A começar pelos que acham que um cão meigo não pode ter atitudes de uma extrema violência, são cegos ou nunca viram o caniche deles próprios atirar-se com os dentes todos de fora ao gato da vizinha. Podem, claro, como as crianças, como nós próprios: o caso é haver uma provocação que vá para lá dos limites da educação ou do medo. Um gato, por exemplo.
E os que acham que o cão, por ser um animal irracional, não pode ser responsabilizado, também não se mostram muito mais razoáveis.
Em primeiro lugar: irracional é o quê?
«Razão» nunca foi fácil de definir. Parece, no entanto pacífico que ser capaz de abstrair, de concluir acerca de coisas que não se vêem a partir dos dados percepcionados, é a capacidade fundamental da razão; e sabe-se, desde Crisipo (sec. III aC) que os cães são capazes deste tipo de raciocínios. Continuar a chamar-lhes, a eles e tantos outros, irracionais, diria eu, parece-se imenso com um preconceito, tanto mais que está solidamente estabelecido o uso da linguagem por espécies não humanas: chimpanzés, por exemplo, ou papagaios.
Porque não o cão? Tal como nós, humanos, também o cão é um animal social. E como todos os animais sociais, também ele necessita de uma linguagem que lhe permita ocupar um lugar na sociedade, interpretar sinais, dar a conhecer os seus estados interiores: com fome, amigável ou agressivo, aborrecido, interessado e curioso, desconfiado, com medo.
Que estes sinais são claramente interpretados pelos outros cães não parece oferecer grandes dúvidas:  cada um deles corresponde a um (chamemos-lhe assim:) protoconceito, a que correspondem comportamentos adequados, quer sejam inatos, quer adquiridos através dos mecanismos de inserção nas diferentes matilhas. E parece evidente que todos os cães aprendem a controlar, por exemplo, a fome enquanto esperam que os mais velhos, os mais acima na hierarquia, os donos, os deixem comer. O mesmo se passa com os outros impulsos, como é óbvio.
Também o Zico trouxe consigo, desde que nasceu, impulsos destes que a vida em sociedade lhe teria ensinado a controlar, moderando ou inibindo os seus esquemas básicos de comportamento. Quando nasceu, não era meigo ou agressivo: não dava afectuosas lambidelas nem mordia a torto e a direito; mas esses comportamentos faziam parte do seu equipamento de sobrevivência e ensaiou-os abundantemente enquanto bebé: mordiscou, lambeu, lutou e adormeceu aquietado junto dos seus irmãos de ninhada.
Teve de ser ensinado a que a sua agressividade é inútil porque na sua matilha - constituida geralmente pelos donos - não o agride; e que a «meiguice» lhe permite uma muito melhor integração. As escolas tentam fazer isso mesmo aos nossos filhos, mas raramente são bem sucedidas porque nós não os ensinámos de forma eficiente enquanto eram cachorrinhos.
E depois lá vem a desculpa:
- Pois, coitadinho do puto! Vem de uma família disfuncional ...
E são perdoados, como foram os assassinos da Gisberta, também eles institucionalizados porque as famílias de que vinham não os controlavam, não é?
E o Zico, veio de onde?
Alguma assistente social avaliou se alguém o mandava à escola, se estava bem alimentado, se fazia exercício, se, se, se?
Porque esses eram os seus direitos, e são os direitos o que lhe conferia deveres.
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Não tenhamos dúvida: um cão pode ser culpado e não apenas causador de um prejuízo. Ou pode estar inocente.
Quero dizer que ele tem capacidade para aprender normas, que interiorizou os seus deveres e que sabe quando os desrespeita.
A prova é que o faz justamente quando nós não estamos a olhar; tem medo de ser castigado, pois tem. É como eu: até hoje nunca entendi por que raio têm as câmaras municipais o direito de me alugar o espaço público (que, por ser público, já é meu) quando quero estacionar o carro. E se o fiscal da EMEL não fosse uma ameaça bem presente no meu espírito, eu bem vos digo quem é que lá metia as moedas.
Tal como o meu cão quando resolve trepar para o sofá e dormir lá uma sesta bem quentinha.
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Dizer que os animais, por serem irracionais não podem ser julgados ou que podem ser castigados sem julgamento, não se parece demasiado com afirmações do tipo «ah! os pretos não percebem nada de nada, são todos terroristas»? E que, portanto, a tropa portuguesa podia entrar por uma aldeia adentro e matar a torto e a direito? Não era semelhante a justificação da escravatura?
Não é essa a justificação das toiradas, dos ferros cravados, do animal torturado para gáudio dos espectadores?
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E para terminar, já agora, uma perguntinha só:
O leitor já leu O Mandarim, do Eça de Queiroz.
Se o leitor visse um homem a torturar um cão e tivesse uma campaínha, do género da que o Senhor Diabo deu ao amanuense Teodoro, ou vá lá: uma caçadeira - e a certeza de que não seria descoberto - a quem matava?
O homem ou o cão? 

quinta-feira, janeiro 17, 2013

O Gato e o Rato (fábula interminável)

O que raio se passa por aqui?

quarta-feira, janeiro 09, 2013

O Gato e o Rato (fábula encravada)

O Blogger, simpático como é, volta e meia, pimba! Prega-me uma partida. De repente, sem avisos nem água vai, muda as regras do jogo.
Deve achar que é pecado ser assim como eu sou, conservador, apegado a costumes antiquados, apreciador de velhas fábulas e põe-me de castigo.
Não que o Blogger não tenha alguma razão. Eu mereço!
Mesmo sem ser contrário às mudanças (tenho várias no meu carro e até as uso a todas), há coisas que me irritam: por exemplo, porque diabo achou alguém que as velhas e boas Finanças, uma praga a que já estávamos acostumados, haviam de mudar de nome?
Chega um cidadão ali à vila e pergunta, «o senhor, fachavor, dizia-me onde é que é as finanças?» e o prestável transeunte aponta, «é logo ali, vocemecê corta ali à direita e é a primeira porta...»
E o cidadão, com ar triste diz que «pois, também ele pensava, as Finanças sempre tinha sido ali, mas agora estava lá uma coisa, a Autoridade Fiscal e Aduaneira... E agora, onde é que ele ia pagar o imposto de não sei quê, aquela coisa que dantes era o selo do carro, mas agora é só um papel...»
E a conversa podia não ficar por aqui.
Se o cidadão tivesse tempo e paciência bem podia ouvir dizer que um tal Vítor Gaspar até já tinha dado fazer cartões de visita novos:
Vítor Gaspar
Ministro da Autoridade
(Fiscal, Aduaneira e Correlativos)
Mas, enfim, parece ser um arraigado costume indígena que muito estranharia a um ser civilizado por aqui de visita (felizmente não veio nenhum com a Engenheira Merkl e os que cá havia já emigraram); o Marcelo Caetano, que em tempos ocupou o lugar do Sr. Passos Coelho, para dar um primeiro exemplo, mudou o nome ao Partido Único, a União Nacional e já ninguem se lembra como lhe chamou. E à Pide de má memória, chamou Direção Geral de Segurança, como se rebaptizar as coisas lhes apagassem os curriculo. Não sei mesmo porque é que o Obama não aproveita o exemplo deste velho aliado da Nato e não chama Acapulco à famigerada prisão de Guantanamo: dava para propagandear que uns quantos prisioneiros afinal estavam era de férias.
E não ficamos por aqui. Não bastava que o Terreiro do Paço em Lisboa tivesse passado a ser a Praça do Comércio e o Rossio Praça de D. Pedro IV: foi preciso que o Largo do Caldas passasse também a chamar-se Largo Adelino Amaro da Costa.
Já viram?
Era um endereço pequenino, duas palavrinhas, treze letras contando com o «do»; agora é preciso escrever vinte e quatro. Deve ser uma simplificação, mesmo se eu não vejo como. 
E lembram-se? No tempo do tal Marcelo, e antes dele, do Salazar, os jovens podiam frequentar uma escola comercial, uma industrial ou então ir para o liceu. Quando ser quis uniformizar os cursos, o que, quanto a mim era uma necessidade premente, algum génio achou que a palavra liceu evocava não sei que elitismos e resolveu chamar a esse ensino unificado e aos estabelecimentos onde era ministrado «secundário». Podia ter-lhe chamado Liceu, que era bonito, tinha um sabor clássico e escrevia-se com cinco letrinhas. Agora «escola secundária» escreve-se com dezasseis, mais um espaço e um acento.
Simplicidade, a quanto obrigas!
E, já que o Obama não aprendeu nada connosco, o Blogger podia ter-lhe seguido o altivo exemplo.
Mas não: também o Blogger deve ter querido simplificar qualquer coisa e agora para aqui estou eu às aranhas: é que o Portugal, caramba! foi, desde o início, um blog ilustrado.
Bem sei que não era lá grande coisa, mas eu divertia-me a escrever umas coisinhas e depois pintava uns bonequinhos, e pumba! Clicava ali em cima onde diz «inserir imagem» e procurava num dos meus arquivos o boneco que queria inserir. Depois era só «publicar».
Agora, se lá for clicar, manda-me seleccionar um ficheiro e dá-me como opções coisas como a minha webcam, este próprio blog ou «a partir dos Albuns Web Picasa» que não sei o que seja, mas onde me aparecem três o quatro dos meus próprios desenhos já antigos e só esses.
Como faço agora?
Publico outra vez o que já está no blog? Não me apetecia muito. Queria fazer coisas novas, brincar com elas no photoshop e pô-las depois por aqui.
Porque diabo havia o Blogger de mudar as regras do jogo?
E agora? O que é que eu faço, não me dizem?
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 E pronto: quando não os podes combater, junta-te a eles e escolhe uma coisa qualquer. Este desenhinho, por exemplo, chamava-se «Alice encontrou os ratos que roeram a rolha da garrafa do Rei da Rússia» e eu não desgosto dele. Sempre são uns ratitos. Os gatos que se lixem. 
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