quinta-feira, setembro 30, 2010

Como íamos dizendo

D. Augusta e o Sr. Marcolino na manifestação:
OBRIGADOS SÓCRATES
POR NÃO NOS TERES TIRADO
UM OLHO

sexta-feira, setembro 24, 2010

Tema para a meditação de hoje


Índice de civilidade per capita
(estimativa até 2030)
Pronto.
É melhor dizer já:
Eu não acredito que este país esteja perdido.
É certo que eu próprio fui dar comigo a resolver um daqueles enigmas que se chamam Sudoku.
Mas não pensem que era um daqueles a quem os encarregados das páginas de entretenimento chamam «fácil» só porque, se o paciente puxar pela cabeça, consegue resolvê-lo todo, de uma ponta à outra, dedutivamente e de uma assentada.
Não.
Era um daqueles que são ditos «difíceis», não porque tenham alguma complexidade intrínseca, mas porque são chatos. Chatérrimos.
Se não, vejam!
No jornal donde eu gasto, os oitenta e um quadradinhos medem 0,64 centímetros quadrados cada. Não é muito, mas cabe lá bem um algarismo, dois ainda à-vontade, três já se acotovelam com certo desconforto. Quando dei por mim, já estava a tentar enfiar quatro e cinco algarismos naqueles espacinhos minúsculos! Ia em mais de metade das casas a preencher e ainda só tinha descoberto meia dúzia de soluções seguras!
"Isto admite-se?", exclamei, porque, acreditem, eu farto-me de falar sózinho ou, quando tenho sorte, com o meu cão. "Por alma de quem estou eu aqui a fazer papel de parvo?"
Recordei os meus falacidos mais próximos e concluí que nenhum merecia tal penitência. Outras sim, decerto: ir a pé a Fátima, dar uma esmola mais vultuosa, participar nas despezas da capela de Nossa Senhora das Necessidades cá da terra, enfim, contribuir o melhor possível para a remissão dos seus pecados quando os tivessem, era uma coisa.
Mas um Sudoku?
"Queres ver que ando deprimido?"
Gostaria de poder dizer que arrojei de mim a folha vil, mas não.
Bocejei, por um instante pensei nas inúmeras tarefas que tinha para fazer, tirar a loiça da máquina, comer uma maçã, dar o almoço ao meu parceiro que estava deitado lá fora a apanhar sol, coisas destas, importantes e com sentido... e acreditem, voltei as páginas.
Esforcei-me por ler atentamente qualquer coisa em que se falava do Carlos Queiroz, mas, com franqueza, era mais deprimente ainda. Os bocadinhos do humor do Mec e do Luís Afonso, fizeram-me sorrir, relanceei um outro artigo que falava da justiça, mas não era da nossa porque não fazia menção nem da Casa Pia, nem dos sobreiros abatidos não sei onde e muito menos do Freeport.
Noutro lado era o estado da Economia, o orçamento, a dívida pública.
E aqui, olhem, senti-me como se estivesse outra vez a resolver o enigma do Sudoku: casinhas muito apertadas para tantos algarismos a enfiar lá dentro.
Digo-vos: sou um completo leigo na matéria. Sei que quem de dois tira três, entra em negativos e pronto. É como no bridge: quem não cumpre o contrato, são os cabides, vai para o buraco.
E é onde estamos, dizia anteontem o Dr. Medina Carreira, ali na televisão.
Confesso: eu gostava de o ouvir todas as semanas - não tanto o Nuno Crato, mas pronto.
Mas, na verdade, não acreditava muito no que ele nos dizia.
Vejam se me entendem:
Eu sei, toda gente sabe que, a partir do momento em que o Cavaco se apanhou com as massas da CEE, os seus governos acharam que era para gastar e ponto. Estou a lembrar-me, por exemplo, de três hospitais que se construiram ali ao pé uns dos outros: Tomar, creio, Abrantes e Torres Novas, não foi? E pontes e Lusopontes, autódromos e auto-estradas! E as metalo-mecânicas a fechar, os condomínios já fechados e as armações de pesca a serem desmanteladas. E o Sr. Russell, pois claro.
Foi um «cá-vai-disto»! E depois foi a Expo que mostrou à Europa que nós também sabíamos organizar eventos e foi a «paixão pela educação» e mais o Euro 2004 que, salvo alguma falha de memória, foi lançado com grandes parangonas e a ajuda de um tal Carlos Cruz, à altura cidadão exemplar.
Pronto, era o progresso.
Só que, a seguir, veio o déficit.
Como o deficit, perguntávamos nós, não temos um desenvolvimento do catrâmbias? Sim, mas eram precisas mais auto-estradas, mais submarinos, mais uma travessia da Lusoponte e mais um TGV. Era preciso vender património do estado, disse a Tia Manuela.
E eu perplexo.
Podia lá ser, dizia para comigo mesmo, ou com o meu cão, já não me recordo, podia lá ser que os governos que nós elegemos tão cuidadosamente que por vezes nem a maioria absoluta lhes demos, nos tivessem pregado a partida e tivessem desatado a gastar mais do que o que tínhamos nos bolsos!
Não, acredito que é só o pessimismo de velhote do Dr. Medina Carreira, ou, como vem no meu jornal, a rezinguice do Vasco: "O FMI" escreveu ele "... talvez convencesse o eleitorado da irremediável irresponsabilidade do regime e dos políticos que o exploram e conduzem."
Como se um ministro, que é pessoa que sabe e nos diz que está tudo controlado, pudesse ser um mentiroso!
Basta, afirma um deles, um novo aumento dos impostozinhos, umas portagens nas SCUT e está tudo sob contrôle.
E eu, eu acredito.
São estas fés - se a fé tem plural - o suporte do mundo: sem os crédulos, os que temem a Deus e à Polícia, os que acreditam no bem comum, o que seria dos impostos? E sem estes, que seria de governos, de banqueiros, de têgêvês, de aeroportos do Montijo?
Lembro-me de uma lenda antiga que dizia que eram quatro homens justos quem sustentava a abóbada do mundo: eu acho que não.
Serão quatro verdades, talvez. Quatro coisas inabaláveis: Deus, Pátria, Família e o Governo da Nação, mais coisa menos coisa.
Eu acredito nelas todas.
Porque se não, era a revolução, a anarquia e, quem sabe? o pleno emprego, a sociedade do lazer...
Tudo coisas terríveis, olhem lá Cuba e os Gulagues e o Cambodja e o regime do Pol Pot.
Devo ter suspirado, voltei mais umas páginas e regressei ao princípio, ao Sudoku com os seus númerozinhos impossíveis de enfiar onde já não cabem. Havia uma casa onde só podia ser ou um 2 ou um 6. Apressei-me a escrevê-los, talvez para fugir à sensação de que todo aquele passatempo mais não era do que uma metáfora.
Mas de quê, raios, de quê?

sexta-feira, setembro 17, 2010

Sala de espera (bis)

As conversas são como as cerejas, é sabido, mas os posts aqui nos blogues também. E, a propósito dos esboços rápidos que, disfarçada e envergonhadamente, fui fazendo nas salas de espera de Santa Maria, e do post a que deram origem, sem saber bem como, lá estava eu a folhear uma velha edição do Rilke, prefácio, selecção e tradução de Paulo Quintela.
E lá estava também o poema, Sobre o desenho que representa John Keats morto, e em extra texto, numa folhinha de papel lustroso, a reprodução do desenho a sépia de J. Severn.
Em nota, no fim do poema, lá se explica:
[O desenho a sépia de J. Severn, feito a 28 de Janeiro de 1821, representa J. Keats moribundo (+ 23. II. 1821). Rilke fez o poema sobre uma reprodução do desenho que viu em casa de André Gide. No dia seguinte escreveu numa carta a E. Verhaeren: «Conaissez-vous le dessin réprésentant Keats mort, dont Gide possède une réproduction? Je l'avais vu chez lui la veille et j'ai fait hier, en rentrant, une petite poésie sur ce dessin qui m'a fort impressioné.» ...]
Não sei se as universidades ainda continuam a fazer ou a patocinar este tipo de edições. Sei que, de súbito, me apeteceu ter, como o Gide, este desenho numa parede. Como não consigo decidir-me a arrancá-lo do meu exemplar, acho que vou procurar aí pelos alfarrabistas lisboetas. Talvez ache um outro, já desmantelado a quem uma pàginazinha a menos não faça já grande diferença.

terça-feira, setembro 14, 2010

Sala de Espera


Não são bonitas de se ver, as pessoas deitadas numa maca, quando o ideal de serenidade da escultura clássica cede passo ao seu contrário, o barroco, o excessivo, o verso e o anverso da mesma absurda caminhada.
E, talvez por isso, são fascinantes os seus rostos.
Não sei o que seria mais impúdico, se entrar pela sala de espera das urgências de Santa Maria um paparazzi, a máquina em punho o flash aos tiros a ofuscar toda a gente; ou se aperecer eu, vagarosamente, com um banquinho, o ar de quem pede desculpa e o bloco A3 mais o lápis B6 e sentar-me em frente de doente a desenhá-lo; ambos esteríamos a captar o sofrimento.
Um esquiço rápido, feito num caderninho, disfarçadamente e com um sentimento de vergonha é a nossa câmaro oculta. A aguarela virá depois, quando puder ser. Mais do que isso seria faltar ao decoro: seria violar as regras que presidem aos rituais da doença e da morte.
Note-se que «decoro» é uma palavra muito fora de uso - e que aprendi com a minha mãe - que a aprendeu de avós antigas. Somos um tanto conservadores nesta família.
-
Por curioso que pareça, se o decoro está fora de moda, proliferam por aí as revistas de decoração.
Se calhar, não passa de um pequeno deslizar do conceito.
Talvez dantes importasse mais o sujeito e os seus actos, como no conto de Eça:
"Não se pôde nunca precisar nitidamente aquele embróglio doloroso. O que era positivo é que Macário era fiador, Macário devia desembolsar. Quando o soube, empalideceu e disse simplesmente:
-Liquido e pago!"
Agora contam principalmente os décors, os cenários deste palco em que somos actores e em que queremos ser aplaudidos e a diferença, se diferença houver, está em que o decoro tinha tudo a ver com o que se aparentava: honradez, a impassibilidade, o controlo das emoções, a razoabilidade; tinha a ver com a serenidade ideal do estóico, mesmo sendo apenas show off, exibição de si no showbiz da personalidade.
E foi decoro o que tiveram, pese aos realizadores de Hollyhood, os cavalheiros nas suas casacas enquanto o Titanic se afundava:
"Não, não! Por favor! As mulheres e as crianças primeiro!"
Debruçados das amuradas, viram afastar-se as baleeiras carregadas até à borda, acenderam um último charuto, a orquestra continuou a tocar.
Que mais se pode fazer ante a desgraça, a eminência da morte, do sofrimento? Torcer-se, gritar, arrancar os cabelos?
Não. Seria faltar ao decoro, ao bom gosto.
Quando muito, um pequeno esgar, as unhas por um momento cravadas na palma da mão, um pensamento fugidio: «Meu Deus! A água deve estar mesmo gelada...»
Não se tem coragem para esperar mais: salta-se para o negrume.
Como outros também saltaram quando o World Trade Center se incendiou.
Para não dar, quem sabe se a si mesmo, o espectáculo da dor incontrolável.
A urgência de um hospital tem sobre o Titanic uma superioridade clara: a esperança. Vai-se lá porque se quer um remédio, uma ajuda, uma palavra.
E tem uma inferioridade. Não há veludos, as luzes são cruas. As salas de espera são acanhadas, talvez porque ninguém pensou na música. A Maria João Pires que já deu um concerto empoleirada na caixa de uma camioneta, não teria onde instalar um piano, nem que fosse só de meia cauda. O espaço falta constantemente para mais uma maca, mais uma cadeira de rodas.
No Titanic havia medo.
Em Santa Maria, junta-se-lhe a dor. Mas há a preocupação com a compostura, com o decoro: há sempre alguém a compor a dobra do lençol de uma maca.
E são poucas as pessoas que se descontrolam. Nas oito horas seguidas que lá estive não dei fé senão de uma que gritava pelo nome da acompanhante. A portar-se mal, só os acompanhantes quando refilavam por causa dos tempos de espera:
- Parece que estão a gozar com a gente!
- Pois é, só neste país...
Quem estava verdadeiramente mal sofria com decoro. Em silêncio, quase.
Muitas vezes sòzinho.
Eu, o mais discretamente que conseguia, rabiscava no meu caderno.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Tema para a meditação de hoje

- Desculpe, Chefe. Concorrência desleal a quem?

sexta-feira, setembro 03, 2010

O mesmo combate

Terroristas, mulheres, bebés foca, crianças, judeus, pretos, velhos, raposas, imigrantes, toiros de lide, inimigos do povo, palestinianos, e Sakineh Astiani, claro. Todos diferentes e todos vítimas.

A crueldade humana é só uma.



Parece que este anúncio não passou na televisão portuguesa. E quase que apostava que também não passou na iraniana.

Obrigado a quem o fez.