terça-feira, agosto 25, 2015

Noções básicas de História da Civilização

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- Do alto daquele escadote, prá-i uns cem mil anos nos contemplam, Quim!

domingo, agosto 09, 2015

A Razão de Barro, o Progresso de Ferro e o Syriza



Desconfio que já pouca gente conhece a fábula da Panela de Barro e da Panela de Ferro.
Foi contada pela primeira vez, julgo eu, por La Fontaine no século XVII, e traduzida para português, pelo Padre Nascimento que nessas coisas de letras assinava Filinto Elísio.
A história é simples, a panela de barro não queria ir passear porque receava qualquer percalço:
"- Iria com prazer", explica ela na versão de Filinto Elísio, "mas sou tão delicada, que se acaso num seixo ou tronco esbarro, lá fico esmigalhada."
Mas a panela de ferro garante:
"- Se é só por isso, podes ir comigo; é medo exagerado o teu - contudo, se houver qualquer perigo,  serei o teu escudo."
A panela de barro lá se deixou convencer e partiram as duas, lado a lado, num agradável passeio pelos campos. 
Como era, talvez, de esperar, "numa vereda estreita, eis que se tocam - e a de barro é feita, coitada, em mil pedaços!"
E lá vem a moral da história, porque uma fábula é isso mesmo: um conto de proveito e exemplo:
"Para sócio não busques o mais forte", escreve Filinto Elísio, "que te arriscas de certo à mesma sorte!"
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Claro que já toda a gente se lembrou desta fábula a propósito da Alemanha e da Grécia e da sociedade em que entraram estes pequeninos países - o nosso incluído - julgando-se protegidos por aquelas nações muito avançadas, muito desenvolvidas, muito felizes.
Não eram esse desenvolvimento e essa felicidade uma forte e pesada panela de ferro que nos serviria para sempre de escudo? E não éramos nós, na nossa pequenez e na nossa fragilidade umas mínimas caçarolas de barro a precisar do generoso apoio dos grandes? Éramos.
Mas a generosidade é assim mesmo, quando acontece é muito bonita. Mas quem se fia na Virgem e não corre é burro.
Agora, pronto. Para aqui andamos a tentar juntar os "mil bocados" de que éramos feitos. Alguns perderam-se para sempre. Outros desfizeram-se em pó, como se o nosso barro antigo se estivesse a esboroar.
Não sabemos sequer se ainda acharemos cimento bastante no banco central europeu - ou, na pior das hipóteses, nas nossas alminhas tristes - para colar os cacos.
Mas esta é apenas uma das lições que a fábula nos pode ensinar. Afinal qualquer um pode encarnar a personagem «panela de barro» e achará com certeza inúmeras «panelas de ferro» que pode fazer suas.
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Voltemos à generosidade.
Afinal, o que aconteceu a essas nações, à Inglaterra, à Alemanha e, antes de todas, à França, pátrias do iluminismo, ansiosas por trazer ao Mundo a luz das suas civilizações? Não foram elas quem descobriu conceitos tão belos como o governo esclarecido, para o bem do povo, mesmo se exercido por um déspota? E os direitos naturais que viriam a resultar na Declaração dos Direitos, na fórmula simples e generosa que foi a divisa da França: a Liberdade, Igualdade e Fraternidade? O que aconteceu foi simples: apostaram numa coisa a que se chamou, provavelmente por falta de melhor termo, o progresso.
Compreende-se: toda a gente, e não é preciso nomear o Descartes nem os Enciclopedistas, toda a gente portanto, reconhecia que a Razão, essa capacidade que têm os humanos de estabelecer relações lógicas e assim chegar à causa das coisas, poderia igualmente tirar todas as consequências: passado, presente e futuro estavam escritos no Grande Livro da Natureza, com caracteres matemáticos, disse o Galileu.
Para resolver toda e qualquer questão, fossem problemas da fé e das religiões, fossem os da máquina a vapor, ou ainda os do bom governo dos povos, o simples encadeamento lógico das afirmações de que as matemáticas são um bom exemplo, seria bastante, mais cedo ou mais tarde, para chegar à verdade - e, consequentemente, ao Bem - porque o Bom, o Belo e o Verdadeiro andam de mãos dadas.
Foi o que se pensou durante muito tempo. Alguns como nós, mais ingénuos, diria eu, que também tivemos de tomar o nosso copinho de cicuta quando os senhores deste baixo mundo acordavam mal dispostos.
Havia, porém um problema que já Descartes apontara quando proferiu o seu penso, logo existo, "a única verdade talvez certa", no comentário ferino do Zé Fernandes em A Cidade e as Serras. 
É que a razão, com os seus princípios lógicos, com as suas regras todas elas bem estabelecidas, lida com juízos que são feitos de conceitos e encadea-los-á com toda a segurança. Mas só conduzirá à verdade se esses conceitos trouxerem já consigo também a verdade. Não é assim?
É um pouco como se tivéssemos aqui um par de cabazes, além outro par e concluíssemos que, sendo que três e dois são cinco, tínhamos no total cinco cabazes.
É verdade que três e dois são cinco. O que já não o é assim tanto é que uma das parcelas fosse «três cabazes». Mas, se tentares dizer que não, que só tens quatro cabazes, demonstram-te simpáticos, com muitas regras da álgebra, que dois mais três é mesmo cinco.
É essa a grande fragilidade da Razão.
Os informáticos conhecem-na bem e, quando nos ensinam a programar - ou, tão só a usar - os computadores, não se esquecem de nos avisar: «o que entra é o que sai». E, malcriadissimamente, acrescentam: «Se entra merda, sai merda».
É o mesmo com a Panela de barro.
Coze magnificamente, mas não tem a capacidade de escolher os ingredientes que lhe atiram lá para dentro.
Resultado: a sopa, a maior parte das vezes, acaba por sair uma porcaria. Pudera: o que lhe atiram lá para dentro é que o produz desenvolvimento, dinheiro, coisas úteis, prazeres, distracção... progresso, em suma.
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Não vale pena, portanto, quando vemos um noticiário na televisão a pena dizer que este mundo enlouqueceu, que atravessamos um período de irracionalidade ou que a Razão está morta.
Também no século XIX se proclamou «Deus morreu!» ou que «a religião é o ópio do povo». E se olharmos em volta, aí está a religião, mais viva do que nunca e com acessos de crueldade como sempre teve. E Deus, de tal maneira nos transcende, que continuamos a não poder afirmar com alguma dose de certeza que alguma vez existiu, quanto mais que morreu.
Com a Razão outro tanto se passa: para qualquer lado que se olhe, lá está ela: o produto que lhe encomendam chama-se, uma vezes ciência, outras tecnologia.

Parece que essas coisas são parte integrante, fundamental mesmo, do tal «progresso», mesmo quando se trata de tecnologias de morte, tão racionais como as bombas teleguiadas, os drones, as cadeiras eléctricas ou os fornos de Auschwitz.
À Razão propriamente dita, proíbem-lhe que se ocupe do bom governo dos povos, quer dizer: proíbem-na de questionar os seus próprios fundamentos.
Querem um exemplo?
Todos nós achamos que é racional que os automóveis modernos tenham cintos de segurança e tenham airbags. Muitas vidas se têm salvo quando ocorre um acidente a altas velocidades, não é verdade?
Mas não seria mais racional ainda que não se construíssem automóveis que atingem duzentos e muitos quilómetros hora, que exigem dispendiosas autoestradas onde não se pode passar dos cento e vinte?
Pois é: esqueçam essa treta de que a Razão morreu.
Está viva e bem viva: infelizmente está acorrentada à panela de ferro do progresso.
Como a esmagadora maioria de nós, não passa de uma escrava, mais uma entre tantos outros. Ou vá lá, para não nos esticarmos muito: foi domesticada e está ali amarrada à sua casota. Só tem direito de morder quem o dono considerar «intrusos».
O Syriza, por exemplo.

terça-feira, junho 23, 2015

OS DIAS DE CATARINA, hoje excepcionalmente, à noite

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Tenho uma relação péssima com a televisão.
Os comentadores irritam-me, grandemente porque nunca dizem nada de novo. Repetem, repetem, repetem. 
Os políticos, salvo aquelas excepções mesmo excepcionais, interrompem-se uns aos outros, tentam gritar ainda mais alto do que o opositor e repetem, repetem, repetem o discurso do caudilho mais caro aos seus ressequidos corações.
E eu, quando os oiço a debitar, a debitar, a debitar, zás! Mudo de canal.
Mas, helas! A maior parte das vezes os canais o que nos dão, quando não são casas dos segredos ou concursos idiotas, são crimes, violações, facadas, pancadaria de criar bicho.
Há dias, por um daqueles acasos que acontecem, calhou-me assistir ao rapto de uma menina de uns onze, doze anos, amarrada e pendurada pelos pulsos para a qual um energúmeno armado de facalhaz avançava cheio de más intenções: torturá-la até à morte, por exemplo. Graças a Deus e ao produtor da série, a bófia gentil apareceu aos tiros e salvou a menina.
Não sei se alguma das nossas filhas ou netas que acidentalmente tenha visto o episódio, conseguiu dormir nessa noite.
Resta procurar os programas infanto-juvenis. Mas, oops! 
Estão cheios de ninjas, uns que nos dizem serem os bons e que dão socos e pontapés na cara dos outros que, esses, são os maus: derrubam prédios de apartamentos com as as suas máquinas infernais, pisam os automóveis da civilização e vêm cheios de vontade de destruir o universo inteiro. 
E aqui há uns dias, num desses canais, por acaso o que costuma ser mais inofensivo, passou uma história em que, imagine-se, um juvenil toureiro, de estoque em punho, matava o seu toiro! Não assistíamos propriamente à execução do animal. Mas assistíamos ao risinho pimpão do toureirinho, orgulhoso do seu feito.
Pronto!
Resta a música clássica da Mezzo, pelo menos até à hora em que ela se transforma em jazz. Depois, olha, acabou-se. 
Que se há-de fazer? 

CATARINA: vestida para sair à rua.


segunda-feira, junho 01, 2015

Os dias de Catarina

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É capaz de haver demasiados «Esquinas» aí, por esse pobre país aí afora. Dizemos nós, claro ... mas, em calhando, até temos razão.

sábado, maio 16, 2015

BLASFÉMIA?


Recepção aos peregrinos.

terça-feira, maio 12, 2015

Alegados Judeus e alegados Arianos, uns gregos, outros alemães

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Durante a II Guerra Mundial, 46.000 cidadãos gregos, mulheres e homens, uns já velhos e outros ainda crianças, alegadamente judeus (mas podiam ser qualquer outra coisa, ciganos, comunistas, intelectuais, sabe Deus o quê), foram enviados para os campos de extermínio de Auschwitz - Birknau, na Polónia ocupada.
Só há uma coisa pior do que a maldade de que os humanos são capazes: a sua estupidez.
Não sei em qual das categorias devemos classificar a política financeira dos alemães de hoje.

Reler Eça



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«Elle, velho, que lhe fallava, trabalhára cincoenta annos a gleba, tivera o corpo vincado pelos azorragues, vira a sua choupana queimada pelo Senhor : em torno d'elle, longos tempos, seus filhos tinham gritado de fome, tremendo de frio, - e, escorraçado, esmagado, pisado, expremido pela força como um trapo vil, tomara uma faca e partira a fazer justiça no mundo.»
Eça de Queiroz, Ultimas Paginas, S. Christovam. Porto, Lello & Irmão, Lisboa, Aillaud & Lellos. 5ª edição, s. d., p. 149.

domingo, março 22, 2015

Queirozianos

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"Uma nação só vive porque pensa. Cogitat ergo est."
Portugal existe?

quinta-feira, janeiro 15, 2015

O Portugal, Caramba! gosta do CHARLIE HEBDO


E detesta fanatismos!

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Ando há muitos dias com este post atravessado. Desde o dia 7, mais exactamente, dia em que um par de energúmenos entrou a matar pela redação do Charlie Hebdo e deu cabo de doze pessoas que estavam a fazer o seu trabalho e não tinham elas-próprias morto ninguém. Não é, dir-se-ia, bonito chamar energúmenos a dois indivíduos que se julgavam mandatados por Deus para fazer o que fizeram, mas para mim é o mesmo: mataram. Não tentaram redimir. Não tentaram convencer os jornalistas das razões que ali os traziam, não lhes mostraram o mal que estava a ser feito nem lhes apontaram um caminho mais justo. 
Vejamos!
Eu sei que o Portugal, caramba! não é o blog mais lido no mundo inteiro, nem sequer aqui da freguesia. Para quê, então perder tempo com platónicas declarações disto ou daquilo, se ninguém aqui vier?
Mas não é isso que me importa. O que me importa é que eu próprio o diga o que acho que tenho a dizer. Pode não vir cá mais ninguém, mas venho eu, não já com o entusiasmo com que dantes soía porque muita coisa de fazer perder a paciência a um Santo aconteceu nos oito anos que o Portugal, caramba! já leva.
Por exemplo, apareceu com um impúdico estrondo o facebook.
Não se limitou a impor um novo conceito de amizade que nos vai obrigar, um dia destes, a inventar uma palavra nova para os amigos mesmo, aqueles cuja falta sentimos quando se vão embora e que nos alegram mesmo quando voltam. E não foi só isso: o facebook também se tem vindo a apropriar dos nossos minutos livres, e, pior, do direito de criar banalidades, às vezes a partir de coisas que mereciam o nosso real empenhamento.
Mas mais! O próprio mundo tem vindo a mudar.
Nestes poucos anos, o 43º presidente dos Estados Unidos, um tal George W. Bush, foi-se embora, depois de ter inventado um Eixo do Mal lá onde lhe convinha e cortado nos impostos dos ricos.
A seguir veio o Obama, o primeiro presidente norte-americano com uma costela africana (deve ter trazido com ele das Áfricas um tal Passos Coelho - não há outra explicação - e mandou-o para cá, não sei se por causa da base das Lages ou por outra vingança qualquer).
Os States, com a sua habitual teimosia e a mania de fazer tudo à bruta, perderam mais uma guerra, que o proficiente Bush tinha arranjado no Afeganistão e a seguir, depois de enforcarem o Saddam, perderam também a do Iraque.
Vieram-se embora, por causa da «crise do subprime» e porque uma data de bancos se tinha afundado. Como não se pode cavar na vinha e no bacelo e a economia americana não dava para resgatar a banca e, ao mesmo tempo, compor a trapalhada que se tinha arranjado lá pelo Médio Oriente, os marines foram sendo substituídos pelos drones e o combate ao Eixo do Mal teve de continuar com assassínios selectivos.
Para espanto, pelo menos dos que ainda se lembram de que o responsável pelos campos de extermínio nazis, o Obergruppenfurer Eichmann, teve direito a um julgamento com advogado de defesa e foi condenado por um verdadeiro tribunal, Osama Bin Laden nem sequer foi trazido para uma prisão e julgado, mesmo se sumariamente. Bin Laden, foi simplesmente abatido. E percebemos que era o que se fazia quando era demasiado incómodo trazer um suposto terrorista assim para uma qualquer Guantánamo, ao menos para se averiguar se era ele mesmo quem se julgava que era. E que, se fosse preciso torturar um preso havia mais de mil recursos que a carta das Nações Unidas se tinha esquecido de discriminar: afogá-lo repetidamente, por exemplo, como no antigo suplício da «estrapada». Ou então abandoná-lo à polícia secreta de algum país amigo que não se submeta a escrutínios democráticos...
E os meninos que estavam refugiados numa escola das Nações Unidas com os seus pais e avós e foram atingidos por um míssil que visava um suposto dirigente do Hamas, também não foram acusados de nada, nem foram presos, nem lhes leram os direitos porque decerto não os tinham: foram feitos logo em estilhas, não passaram de casualities, que é como quem diz, com um encolher de ombros, que foram danos colaterais.
Obama tinha prometido fechar a prisão de Guantánamo. Não fechou, como não fecharam as off-shores onde os traficantes de armas ou de cocaína guardam os seus fundos de maneio e de onde enviam as massas com que se compram vistos gold e mansões em Vila Moura... ah, e onde os gestores que afundaram as Exon e as Lehman  Brothers, para não falar de exemplos aqui mais à mão, guardam umas pequenas poupanças por outras...
Mas adiante.
Além de falar demais, tenho outro defeito. Julgo que se chama irreverência.
Não atribuo muita importância aos grande nomes, aqueles que se tem de escrever com letra maiúscula: Pátria, por exemplo. Presidente da República! A Igreja Católica, a Anglicana, o Islão, etc. Eu só respeito gente. Ao meu vizinho, nascido aqui na terra e, portanto, meu compatriota, a esse sim, eu respeito-o.
Ao Dr. Jorge Sampaio também e às gentes, certamente católicas, que vão ali à festa da Capelinha para angariarmos uns euros para umas obras mais urgentes. Há também um casal, Testemunhas de Jeová, julgo eu, que me vêm bater ali ao portão de vez em quando e com quem converso sempre um bocadinho sobre coisas várias, o saber e a fé, um pouco de Santo Agostinho, o que vier à baila. São pessoas cordiais, mostraram sempre respeito por mim, pelos meus cães, pelas árvores, em suma, pela Criação. E eu, que posso fazer senão trata-los com igual respeito?
Se fossem budistas, islamitas ou judeus, o critério seria sempre o mesmo.
Não, não é de borla o meu respeito: paga-se com respeito. Não foi uma aprendizagem fácil, tem-me demorado a vida toda, mas sei exactamente como começou.
Não sei se alguma vez conheceram um bombista, mas um bombista a sério, daqueles que levavam uma bomba debaixo do surrão, lhe acendiam a mecha e a atiravam para o meio da multidão. Eu conheci um.
Como normalmente era feita de pólvora própria para fazer fogo de artifício, ou da que se vendia para carregar os cartuchos de caça, a bomba ardia mais do que rebentava, estragava umas saias às senhoras e assustava os cavalos. O odiado bombista era preso, ia dar com os ossos no Aljube até ser deportado para Timor. Quando se acabaram os bombistas, uns deportados para aqui outros para ali, o Estado Novo pôde continuar na santa paz do Senhor.  
O meu bombista era desses.
Quando voltou do exílio, anos depois, o país estava dominado pela Legião e pela Pide, com o apoio firme de uns quantos generais e da enorme maioria de sargentos que lutavam por conseguir uma casita no Bairro Social da Ajuda.
Sem direito a voto, já sem correligionários, o meu bombista voltou para a terra, casou-se, criou os filhos e os netos, mas nunca se resignou.
Era carpinteiro, passámos muitas tardes, o meu irmão e eu, a vê-lo trabalhar na oficina e ouvir histórias antigas.
Um dia, não sei já como começou a conversa, mas também pouco importa, com ele todas as conversas iam parar à política que ele nos explicava com abundantes metáforas, poemas inteiros do Antero de Quental, ditos populares de pouco rigor, disse-nos que tinha sido anarquista.
E falou nos primeiros tempos da República, no Buíça e no Costa,  no Carlos, no Luís Filipe (ele nunca usava o honorífico «Dom») nos atentados e nas bombas: era essa a sua grande mágoa, o seu grande arrependimento a conclusão a que chegara:
«Porque isso, não há direito! Não eram bichos ruins, tinha era que se dizer que estavam a fazer mal, não era matar ninguém, nem a Maria Antonieta que era uma cabra!»
E é isso o que, passados estes anos todos de «aprende-desaprende» e «volta a aprender», acho que deve ser dito:
O Cabu, o Charb, o Wolinski, o Tignous e as outras vítimas do massacre na sede do Charlie Hebdo, como de todos os outros massacres, não eram bichos ruins. Eram gente, como eram gente os meninos na escola da ONU na faixa de Gaza, como eram os judeus exterminados em Trblinka, como sou eu e como somos todos, míseras criaturinhas de Deus.
Ponto final.