quinta-feira, julho 28, 2011

Medidas de austeridade

Para agilizar a economia e emagrecer o Estado, o Governo decidiu privatizar as mulheres públicas.
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- Concordo plenamente!
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segunda-feira, julho 25, 2011

Melro-preto comum, ao que dizem.

Turdus merula, v. L. 

O Guerra Junqueiro, não sem alguma soberba, afirmava que o tinha conhecido:
"O Melro, eu conheci-o: era negro, vibrante, luzidio..."
Mais ou menos como se eu chegasse aqui e escrevesse: «uma dia destes, em conversa com o Dalai-Lama...»
Ou mesmo pior: se numa roda de admiradores embasbacados eu atirasse: «Pois ainda o mês passado, a Amy, sim a Winehouse, me dizia: porreiro, pá... e pensar que a pobre rapariga já lá está, a dar contas ao Altíssimo... ah, vocês não sabiam que ela era muito religiosa?»
E pronto: lá ia eu por aí fora, inventando troca de mails, garrafas de Côtes du Rhône partilhadas noites fóra à mistura com risos e confidências.
Também o Guerra Junqueiro não se faz rogado, também ele era íntimo do Melro.
"Assim que o padre-cura abria a porta que dá para o passal" escreve ele, "repicando umas finas ironias, o melro, dentre a horta, dizia-lhe: «Bons dias!» E o velho padre-cura não gostava daquelas cortezias."
Tivesse ele ficado por aqui e, digo-o francamente, seria um soberbo poema, digno de um Alexandre O'Neill ou mesmo de um Mário-Henrique Leiria - e de mim, que não desdenharia de o assinar.
Mas não. Acrescenta-lhe mais uma centena, centena e meia de versos a puxar para o místico-sentimental e estraga tudo.
É como se eu, depois de insinuar uns mails trocados com a dita Winehouse e de acrescentar «mas pronto, coitada, não falemos mais dessas coisas íntimas, há que ter respeito pelos mortos», me pusesse para ali a acrescentar pormenores e historietas e mais pormenores e mais historietas até ninguém me poder ouvir, quanto mais acreditar.
Que eu, a bem dizer, também não acredito que o Guerra Junqueiro tivesse conhecido algum melro na vida. Viu-os a saltitar, ali na casa da Silva Carvalho, a Santa Isabel, que além das paredes e tectos pintados por um mestre francês tinha um frondoso jardim. Viu que era preto, achou que era "luzidio, madrugador, jovial" e pronto.
Sabia o mesmo que eu, que tenho aqui ao lado, numas silvas, uma família deles e os vejo aos pulinhos na erva lá para o fim da tarde.
Mas, ao contrário do poeta que só tinha umas sebentas lá de Coimbra e uns romances comprados em Paris, eu tenho a internet e, portanto, a wikipedia: e lá vou eu ver que o Melro, além de uma vasta parentela, também usa, para efeitos burocráticos, o nome de Turdos Merula.
Nada mau, tomara eu, o nome até tem ressonâncias aristocráticas, imaginem, por exemplo, Dom Rui de Turdos, marquês de Mérola. Os amigos sabedores destas coisa tratavam-me familiarmente por «o Mérola» como poderiam dizer «o Niza» ou «o Ficalho». 
Mas não: lá vêm as letrinhas pequeninas vL, para que não haja enganos. Tal como em Oxford, diz-se, se acrescentava a alguns nomes as abreviaturas s. nob. (sem nobreza, claro) para que nenhum aristocrata duvidasse de que se lhes podia pedir dinheiro emprestado e que não era preciso pagar, as ditas letrinhas querem dizer que o Merlo é um simples comum, que Lineu o considerava «vulgar».
E pronto, cá estou eu mais uma vez a embirrar! Há bocadinho era com o Guerra Junqueiro, agora é com o Lineu, vejam lá, pobres homens já tão falecidos.
Mas, que querem? Se um melro fosse assim tão vulgaris como ele diz, toda a gente os tinha (aos tais melros merula, claro), não era só a Ana Bacalhau dos Deolinda lá no quarto dela.
E sobre melros é tudo quanto eu quero dizer, excepto mais uma coisinha: mesmo snobe, mesmo sem Dom, acreditem, não me importava nada de ser um.

sábado, julho 16, 2011

Rui Tavares

Não é segredo nenhum que tenho sido eleitor do Bloco de Esquerda desde que ele apareceu.
Anos atrás já tinha contribuído para eleger um deputado, o primeiro que entrou em São Bento com o meu voto no bolso: chamava-se Acácio Barreiros e representava a União Democrática Popular.
A UDP, para os que não viveram estes eventos da pequena história (e, portanto, não conhecem as pequeninas histórias do que, na altura, eram os eventos) agregava um certo número de organizações políticas que se tinham tornado grupusculares.
Eram comunistas, claro, mas reivindicavam diferenças insanáveis com o PC de Álvaro Cunhal: acrescentavam às siglas dos seus partidos as letras M-L, regra geral entre parêntesis. Tipo, imaginem os mais jovens que não tiveram a dita de viver estas glórias, PPD-PSD (ML) ou mesmo o CDS-PP (M-L).
M-L queria dizer, naquelas cartilhas, «marxista-leninista», mesmo se nunca nos explicavam lá muito bem o que isto queria dizer. Ao que creio, rejeitavam as transformações por que passava a sociedade soviética na era que se seguiu à morte do Estaline. As suas bandeiras ostentavam orgulhosamente as efígies de Marx, Lenine, Estaline e Mao-Tsé-Tung e tomavam como modelo, já não a revolução russa, mas a chinesa.
Depois, as coisas vieram mudando, paulatinamente umas vezes, com estrondo outras.
Não sei se os tempos evoluiram, se involuiram, se a humanidade deu um passo em frente, se dois atrás.
O grande timoneiro da barca chinesa que já envelhecia muito retirado, morreu.
Em seu nome tinham-se feito coisas muito questináveis, e depois, contra ele fizeram-se outras.
Sem estes últimos grandes ideólogos, as nossas esquerdas vacilaram: caía o muro de Berlim, os Estados Unidos nomeavam um tal Boris Yeltsin para o Kremlin e Fukuyama achou que agora sim, o fim da História (coisa que se discutia desde o Hegel e do Marx) estava à vista.
Não houve cão nem gato que não declarasse mortas as ideologias.
Não sei se já por efeitos dessas orfandades, a UDP em que eu tinha votado fez um acordo com o PSR e com o Política XXI e formaram o Bloco de Esquerda.
Senti-me mais contente: esqueciam-se diferenças um tanto mesquinhas, eu sou marxista-leninista e grito vivas ao Estaline e tu levaste com uma picareta no toutiço porque és trotskista e por aí adiante...
Eu voltava a ter deputados.
Confesso: não esperava que eles representassem os meus ideais, porque tenho poucos e muitos simples e eles não têm de ser nenhuns Sãos Franciscos. Mas defendiam algumas coisas com que eu concordava, outras que não tanto, mas enfim, no mínimo mereciam que eu lhes confiasse o meu voto de protesto. E logo em 1999, com o século prestes a acabar, eu e, creio, muitos outros como eu, lá elegemos, pela primeira vez, o Luís Fazenda e o Francisco Louçã.
O resto do percurso é conhecido.
Chegámos a juntarmo-nos muitos e a ter dezasseis deputados. Agora alguns de nós optaram de modo diferente, só elegemos oito.
Não estou desiludido com o Bloco.
Esperava dele coisas acertadas, claro, mas também uma asneira por outra, a franca burrice de vez em quando. Foi o que aconteceu, obviamente.
Se algum de vocês pertence a um partido que sempre fez as coisas certinhas, que nunca errou e que, em calhando, nem dúvidas tem, então que lhe atire a primeira pedra.
Eu que não pertenço (nem pertenci, diga-se) a partido nenhum recuso-me a atirar nem que seja a última.
Não esperava, que estas minhas opções me conferissem quaisquer direitos.
Mas ando francamente intrigado.
Regressámos ao tempo do Estalinismo e das purgas internas?
Eu tinha um deputado de estimação no Parlamento Europeu. Não me importava que ele fosse independente porque, para mim e de mim, todos o são.
Leio com atenção o que escreve no Público e no seu blog. Considero sugestivas as suas propostas e gostava de as poder discutir uma vez por outra. Era activo, dava-nos parte do que ia fazendo, das pequeninas alianças em que entrava e por aí fora.
- Cá está, dizia eu para mim mesmo. - Um deputado assim é que eu gosto.
Li, já lá vai um mês pelo menos, que se desligara do Bloco em que eu costumava votar. E esperava que ao menos um dos seu dirigentes viesse a lume explicar-me, a mim, eleitor, que diabo se tinha passado:
Foi apanhado a conspirar para a compra de mais submarinos, a receber chorudos envelopes por baixo da mesa e, envergonhado, pediu a demissão?
Alguma jovem, tipo coelhinha do Playboy, inspirada pelos casos Dassange e Strauss-Kahn, apresentou queixas contra ele no Tribunal Internacional dos Direitos do Homem (das meninas, neste caso)?
Ou, caso muito mais grave ainda, esqueceu-se de alguma das obrigatórias vénias aos sacrossantos dirigentes e fundadores do Bloco?