quarta-feira, abril 28, 2010

Uma história (sem pés nem cabeça) em que se fala de cabaias e mandarins e do Prémio Pessoa.

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-Estou aqui numa de digo, não digo... e afinal, olha, já está.
O meu problema é que não gosto de banqueiros, nem muito, nem pouco. E também não nutro qualquer simpatia por gente demasiado rica, ainda menos pelos os grandes gestores, aqueles que ganham para cima de um milhão por ano.
Feita esta declaração para salvar a moral, já posso acreescentar que são pessoas engraçadas e, às vezes, até é instrutivo vê-los.
Deles, dir-se-ia que são gente fina.
Vestem bem, boas roupas, muito clássicas, geralmente, de bom gosto, gravatas dignas de um Beau Brummell.
Frequentam, ia jurar, ginásios com personal trainers e tudo, massagistas privadas de vez em quando. Costumam ser pessoas amáveis, sobretudo nos contactos sociais, porque dos outros, que sei eu?
Para meu gosto, no entanto, têm um defeito: são demasiado direitos.
Eu explico:
Quando os vemos ali parados, em evidência, no meio das salas, com copo na mão, não podemos deixar de reparar nos ombros recuados, nas costas esticadas, a cabeça levantada.
Obviamente, ou não são assim tão velhos, ou envelheceram francamente bem.
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Mas pronto: a que propósito vem isto tudo?
É que ontem ou talvez já anteontem, pronto, na terça-feira, dia 27, o Doutor (e Dom) Manuel Clemente, Bispo do Porto, esteve na Culturgest a receber o Prémio Pessoa.
Talvez não fosse único dos presentes a não fazer gala num porte desportivo, a não trazer as unhas manicuradas, a vestir o que veste todos os dias.
Mas era o que estava mais em evidência.
Subiu ao palco para receber o que lhe queriam dar e depois para nos dizer que o Padre António Vieira "é o caso acabado de como em Portugal [...] sempre nos desperdiçámos quando não consideramos o que cada um é e pode oferecer aos outros, do presente para o futuro."
E nós, eu pelo menos, ficámos a pensar: mas o que é que esta gente toda, eu incluído, tem para dar? E a que futuro?
Olhando em volta, não se via muito bem; estava ali a nata das natas, o futuro, nem por isso.
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Lembrei-me daquela antiquíssima história passada algures lá para os confins do Celeste Império.
Conta-se que, há muito tempo, num cantão longínquo chamado Ba-pei ou coisa assim, o velho e sábio mandarim morreu.
E aconteceu o que acontece sempre: foi preciso nomear outro.
De recomendação em recomendação - porque essa coisa das cunhas e dos empenhos não foi inventada só para nós - lá foi proposto a exame um letrado dos seus quarenta e tais, cinquenta anos, o que, numa gerontocracia, já se vê, é a extrema juventude.
Falta dizer que, nesses tempos, como provavelmente ainda hoje por todo o lado, havia no Celeste Império um alto funcionário que tinha a seu cargo a balança de pesar as cunhas: punham-se as moedas de oiro ou os pergaminhos no prato e quem pesava mais passava nos exames e ficava com o cargo.
Ora, lá no distante e pobre Ba-pei as influências não pesavam muito, no fundo que importava? Era só um mandarinato de nono grau, uma borlazinha de prata no chapéu.
O funcionário da balança encolheu os ombros, o Imperador, no palácio da Cidade Proibida por onde bocejava de tédio, não viu razões para objectar e o decreto foi assinado.
Se nada disto chegou para perturbar a rota do Sol, o mesmo não aconteceu com o juízo do jovem letrado que, guindado ao mais alto posto da pequena província, resolveu logo mandar fazer a cabaia do cargo, com uma resplandescente ave do paraíso bordada no peito.
O alfaiate, porém, como acontece em muitas histórias, era sagaz. Não ousamos afirmá-lo, mas, em calhando, era ele o representante da própria esperteza sarcástica do Zé Povinho que não perdoa nem uma.
E lá da sua fingida humildade perguntou ao nóvel mandarim - como se o ignorasse - há quanto tempo ocupava ele o cargo.
- E que tens tu com isso? - perguntou enxofrado o cliente.
E o alfaiate, curvando-se ainda mais humilde, disse:
- Senhor, é só por causa da seda.
Mandarim de fresca data, explicou ele, anda impante pelas ruas, peito para fora, muito teso, muito esticado, quase se diria que andava sempre nos bicos dos pés para se fazer maior. Por isso, a cabaia levava muito mais pano à frente e menos nas costas.
Pelo contrário, mandarim de antiga nomeação, por jovem que seja, curva-se ao peso da responsabilidade, arqueiam-se-lhe as costas como que numa reverência às complexidades do mundo. O tecido que dantes lhe cobria o peito, sobrava, arrastava no chão. E o que tapava as costas ia faltando cada vez mais.
- Bem vês, Senhor, uma obra bem feita, precisa de conhecer aquele a quem se destina. Ganhaste esses ainda poucos cabelos brancos a cuidar do bem comum ou pertences a esta nova geração de gente elegante que cuida da aparência antes de mais?
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A resposta que o mandarim deu ao alfaiate já não faz parte da história, claro.
Mas eu, cá para mim, iria jurar que foi mandado chicotear e despedido a seguir, porque é o que fazem os grandes.
Entretanto, o Manuel Clemente desceu vagarosamente as escadinhas do palco, um pouco curvado, como é seu hábito.
O alfaiate chinês, com a sua sagacidade, havia de lhe fazer uma cabaia com mais pano nas costas. Fazia sentido, não fazia?

terça-feira, abril 27, 2010

Tema para a meditação de hoje: Ricardo Sá Fernandes

Sabem?
Estamos em crer que ele não precisa do nosso apoio para nada.
Mas, para nós, aqui no Portugal, Caramba!, é muito importante dizer que ele o tem.
Nem que mais não seja,
para que um dia possamos olhar-nos no espelho e dizer,
com uma pontinha de vaidade:
nós estivemos lá.

segunda-feira, abril 26, 2010

Anjo papudo, com asas e tudo

Claro, por uma intenção particular, uma vez mais.

domingo, abril 18, 2010

Por falar em fumo...

- E pensar que não me deixam fumar o meu cachimbo em parte nenhuma...

quarta-feira, abril 07, 2010

Tema para a meditação de hoje

Não perguntes o que a iniciativa privada pode fazer por ti.
Pergunta antes o que podes tu fazer pela iniciativa privada!
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Ouviste, ó palerma?

sábado, abril 03, 2010

Sem título

- Meu Deus, vai recomeçar...

sexta-feira, abril 02, 2010

Tema para a meditação de hoje





Os jornais estão cheios com a foto de uma jovem de dezassete anos que já era viúva quando faleceu, juntamente com as suas vítimas, no metro de Moscovo.
Tinham-lhe morto o marido, provavelmente com todas as razões do mundo, carimbo e benção oficial e não serei eu, ignorante como sou, quem atirará pedras ao executor.
Mas não posso deixar de pensar em Romeu e Julieta, no desesperado e violento amor dos treze anos, dos catorze, quinze, dos teenagers. Quem transformou Dzhennet Abdurakhamanova numa viúva negra, estava, receio eu, como sempre, a criar alguém capaz de quase tudo. Por amor, por ódio, por desespero.
Provavelmente ninguém o confessará:
Fosse Dzhennet feia, velha e com bigode, bah! Mais um terrorista, daqueles que se abatem sem dó nem piedade quando está na mira de uma pistola, de um helicanhão.
Mas ela era apenas uma menina, das que, no nosso país andam ainda no secundário; e era bonita. Faz-nos pensar na inocência, não faz?
Faz-nos pensar que Julieta, ao contrário do que é costume pensar-se, é uma ideia feita, não morreu de amor: morreu vítima de uma forma de bulliyng que aos jovens de Verona era permitida. Quem se não lembra, releia a cena do duelo entre Marcutio e Tybald e preste a atenção à insolência deste, à fanfarronice de todos, ao clima de violência instalado.
Mas a violência não se ficou pelas peças de Shakespere, não era só a de Verona.
Houve um brasileiro em Londres, lembram-se?
Foi abatido, assim, pás!
Azar! Era engano.
Houve protestos, claro, indemnizações e por aí fora. O atirador foi admoestado, certamente, são sempre.
Nós, neste cantinho da Europa, não podíamos ficar atrás. Também somos gente, não somos?
Há dias, um rapper que, se calhar, ia distraído a falar ao telemóvel, que talvez tivesse bebido um copo a mais, ou que, pura e simplesmente ia noutra, foi abatido pelas forças de segurança. Não ia, tanto quanto se soube, a fazer mal nenhum. Acontece que não parou quando lhe mandaram.
A autoridade perdoa tudo - sobretudo se houver uma pequena lembrança - menos a desobediência. É o que enfurece mais o bully: é que alguém lhe resista, que se esteja nas tintas para ele, que não lhe obedeça instantânea e submissamente. Multa. Bate. Dispara. O guarda, o que disparou - vai uma apostinha? - vai ser admoestado também.
É como as crianças que torturaram e afogaram uma pobre mulher doente, lá para as bandas do Porto. Foram admoestadas pelo sr. Dr. Juíz, se calhou, pelo sr. Padre Maia também, ia jurar, por toda a gente responsável.
E é como aquelas crianças que mandaram o Leandro Filipe para o hospital. E as que agora o empurraram para o Tua, mesmo se não foram elas, não, não! Ou prontos, foram, mas foi sem maldade, era só de brincadeira. Vão ser admoestados, podem ter a certeza!
E vão todos ter apoio psicológico porque estão muitíssimo transtornados.
As vítimas, essas morreram, como o jovem rapper, como o brasileiro de Londres, como a Gisberta.
Uma por outra recebeu, muitos anos depois, uma indemnizaçãozeca regateada que nem a símbolo chega. Foi o caso de uma rapariguita que só queria frequentar a universidade e se declarou anti-praxe, mas, hélas, foi torturada, violentada, humilhada.
Outros ainda, suicidaram-se.
É tão simples quanto isto: não quero este mundo, não quero esta gente, não quero! Vou-me embora!
A forma que escolhem para se despedirem é que faz a sua diferença.
Já aqui o disse: o Leandro Filipe era bom menino. Terá voltado a violência contra si próprio.
Dzhennet, de cultura muçulmana, escolheu ser bombista suicida.
Se fosse norte-americana, cristã de cultura, democrata e ocidental, teria escolhido entrincheirar-se numa torre da sua faculdade e disparar a esmo.
É uma vingança cega, injusta, mas é o único heroísmo julgado possível num mundo em que o poder se serve, ele próprio, dos bully, quer se chamem Bush, Blair, Aznar ou Barroso, para enforcar outros bully que se tornaram incómodos.
Um poder que precisa de guardas republicanos, de seguranças, de carcereiros para as abu garibes e as guantanamos que são a sua forma de domínio e, claro, não pode deixar de lhes tolerar os desmandos, os excessos, os erros.
O poder é assim mesmo: as forças armadas americanas, inglesas, russas, que sei eu, julgaram-se no direito de atacar, brutalizar, gritar, impôr.
As vítimas, às vezes, escolhem vingar-se.
Uma delas, por exemplo, chamava-se Dzhennet.
Tinha dezassete anos e fez mais vítimas que talvez tenham dezassete anos e que um dia farão - quem sabe? - mais vítimas...
Ninguém foi muito feliz e tiveram muitos filhos que foram devorados pela aviação inimiga.