segunda-feira, junho 04, 2012

Manifesto para uma Esquerda Livre

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Foram ontem as primeiras reuniões abertas dos subscritores do «Manifesto para uma Esquerda Livre».
Não se sabe ainda, é claro, nem o que é uma esquerda - a não ser no boxe - nem como pode ela ser livre.
Desde logo, porque ser de esquerda não é exactamente um lugar que se ocupe, uma coisa adquirida, como dantes se comprava à época um camarote em São Carlos; ia-se ou faltava-se, conforme os azeites, aplaudir ou vaiar as primas-donas.
E depois, porque a tradição nos diz coisas que já se tornaram absurdas: por exemplo, continua a dizer-se que o Partido Socialista «é» de esquerda, e a direita aproveita-se, não cessa de nos dizer que as maiores asneiras foram feitas por ela.
Pode ser que tenha razão, mas, então, para mim, é como se fosse o Dantas.
Se o Dantas é de esquerda, eu quero ser espanhol. Pim!
Antes de irmos mais adiante, devo dizer o seguinte:
Não penso que a um socialismo mais autêntido - aquele que reivindicava «a paz, o pão, a habitação, saúde, cultura e educação», tão simples como isto! - seja importante o problema da propriedade dos meios de produção, como era para os marxismos mais ortodoxos. Basta-lhe que esses meios estejam ao serviço da comunidade, o que, obviamente, não depende dos «proprietários», o mais das vezes meros accionistas com pouquíssimo voto nas matérias. Depende dos «decisores», uma classe que gere, que administra, que endivida, deslocaliza e faz falir aquilo que melhor lhe convém.
Não tenhamos medo de ressuscitar a luta de classes:
A classe dos «decisores» é uma classe que urge combater antes de chegarmos seja onde fôr.
Mas é importante saber caracterizá-la, saber quem faz parte dela e quais são os seus instrumentos de poder.
E, atenção: não basta conquistar esses instrumentos: já foram conquistados e perdidos vezes sem conto. Estamos fartos de saber que o poder corrompe; que atrás de classe, classe vem e que o que a outra fez, fará esta também.
A tarefa de uma esquerda que se queira livre consiste, antes de mais, em restringir o poder, desarmar-lhe os instrumentos:
Onde houver polícias, haverá sempre quem as mande contra quem se lhe opõe.
Onde houver dinheiro, alguém comprará as consciências dos outros homens.
Onde os fins forem mais importantes que os meios, não haverá liberdade, não haverá esquerda livre, nem direita livre, nem centro livre.
Livre, só a Goldman Sachs - ou lá como se chama. 

2 comentários:

Graza disse...

Mais pano para mangas, aqui. Isto que diz: “Estamos fartos de saber que o poder corrompe; que atrás de classe, classe vem e que o que a outra fez, fará esta também.”, traz-me sempre à memória um livrinho pequeno de Sartre “A Engrenagem” que trata dessa questão. Parece ser da natureza humana.

Um abraço.

tacci disse...

Vou reler "A engranagem".
Mas, eu penso que, seja ou não seja da natureza humana deixar-se corromper pelo poder, a cultura tem de colmatar essa natureza. Se não deixamos morrer os velhinhos à fome, se não deixamos que os irmãos mais velhos comam a comida toda dos irmãos mais novos, é porque temos meio de a contrariar. Porque havemos então de deixar o poder por aí, à solta, para vir o primeiro e chamar-lhe seu?
Temos de criar um movimento contra a delegação de poderes nas instituições: só lhes podemos confiar tarefas e, mesmo assim, teríamos de acompanhar e fiscalizar a sua execução.
Enfim, não sei se é possível,mas julgo que tem de ser tema de reflexão.
Um abraço.