Nesse dia, tenho de o dizer, o Zé Nesgas perdeu a paciência e desatou aos berros.
Não é que a voz dele, fininha como era, fosse impressionante, sobretudo porque vinha lá de baixo do seu palmo e a terça de altura (ou, talvez devesse dizer, de «baixura» se não fosse parecer que estava a ser sarcástico, o que não é, de todo, a minha intenção. A minha Senhorinha que me conhece, poderia ser nisso a minha fiadora, se não me repugnasse ser a causa de mais esse incómodo).
Bom, mas perguntam as gentis Leitoras, o que gritou então esse tal Zé Coiso? E eu reparo que têm toda a razão e acabei por não o dizer.
O autoritário brado foi simples:
- Man, isto tem de acabar! - e alteando a voz: - Tem de acabar, man, isto assim não é coisa nenhuma!
E não era, mesmo descontando que eu omiti alguns vocábulos, digamos, menos elegantes na fala do colérico rapazinho.
De facto, a Magrizela andava a acordar, lá ao fundo, debaixo da cama, com um humor de cão, o que, diga-se, não é de todo de estranhar.
Mas, perdoem-me que intercale aqui um aviso e um pedido de desculpas.
Não é que a voz dele, fininha como era, fosse impressionante, sobretudo porque vinha lá de baixo do seu palmo e a terça de altura (ou, talvez devesse dizer, de «baixura» se não fosse parecer que estava a ser sarcástico, o que não é, de todo, a minha intenção. A minha Senhorinha que me conhece, poderia ser nisso a minha fiadora, se não me repugnasse ser a causa de mais esse incómodo).
Bom, mas perguntam as gentis Leitoras, o que gritou então esse tal Zé Coiso? E eu reparo que têm toda a razão e acabei por não o dizer.
O autoritário brado foi simples:
- Man, isto tem de acabar! - e alteando a voz: - Tem de acabar, man, isto assim não é coisa nenhuma!
E não era, mesmo descontando que eu omiti alguns vocábulos, digamos, menos elegantes na fala do colérico rapazinho.
De facto, a Magrizela andava a acordar, lá ao fundo, debaixo da cama, com um humor de cão, o que, diga-se, não é de todo de estranhar.
Mas, perdoem-me que intercale aqui um aviso e um pedido de desculpas.
As Gentis Leitoras e os Cavalheiros que me estão a ler já protestaram, certamente, contra esta entrada de chofre, tipo a pés juntos, na história do Carlinhos e dos seus amigos. Mas verão que era absolutamente necessária.
A minha Senhorinha conhece bem a tendência que eu tenho para andar por aí a «dar água sem caneco», uma expressão muito antiga, bem ao jeito da Senhora sua Tia. Mesmo tendo nascido na pequena vivenda do bairro de Nossa Senhora dos Anjos, como já devemos ter dito, a Mãe do seu Primo Carlinhos, tem uma forte costela rural; as suas opiniões, por vezes bem contundentes, exprimem-se quase sempre por provérbios, por expressões do tipo «nem sol na eira nem chuva no nabal» a propósito dos nossos governantes, e tantas outras que seria inútil tentar dizê-las a todas.
Mas reparo que, ainda antes de explicar porque é que a Magrizela acordava todos os dias com o tal humor de cão, talvez devesse dizer, mesmo se brevemente, o que é um «caneco», esse sem o qual tanta gente anda por aí a fingir que dá a água.
Hoje em dia, os que ainda por aí andam já são de plástico.
Dantes, porém, os canecos eram feitos de madeira, do mesmo modo como ainda se fazem as pipas para o vinho: as peças de castanheiro ou de carvalho, chamadas aduelas, eram encurvadas ao fogo e apertadas com arcos de ferro. Tinham uma pega cá em cima e, muitas vezes outra mais em baixo, do lado oposto. Levavam para aí uns vinte litros de vinho ou de água e acartavam-se às costas, o que não era pêra doce para ninguém.
Também eu, quando perdi o emprego, já lá vão muitos anos como a minha Senhorinha sabe, entre outros biscates, andei nas vindimas e acartei muitos deles ao ombro. Palavra que também eu preferiria andar a dar a tal água sem caneco nenhum.
Mas vejo que me afastei do assunto que, afinal, aqui nos trazia a todos.
Desde que chegara a casa, trazida à corda pelo Carlinhos, a Magrizela recusara-se a dormir num colchão macio, com almofada e lençóis.
Onde ela gostava de se enfiar era debaixo da cama do Primo da minha Senhorinha, lá bem ao fundo, enrolada num tapete.
Durante os primeiros tempos até dava jeito. A Mãe do Carlinhos podia entrar e sair, sem dar pela Magrizela que tinha bem a noção da estranheza daquilo tudo e, lá de baixo, rosnava tão baixinho quanto podia. Só havia um problema, mas esse, acredito, era bem mais embaraçoso.
A minha Senhorinha conhece o seu jovem Primo: tímido e contemplativo, com uma mais do que parca experiência das coisas do mundo. Como conseguia ele convencer a Magrizela quando, a meio da noite ela acordava e se dirigia para a porta decidida a ir para o quintal fazer... como direi? os necessários?
Bem tentava ele encaminhá-la para a casa de banho. Porém, para a Magrizela que até essa altura poucos dias passara debaixo de telha, uma sanita tinha sido apenas um sítio onde beber água quando os donos se esqueciam da tijela.
Felizmente, o Zé Nesgas tinha, em capítulos desses, alguma experiência.
Era o terceiro de uma irmandade de quatro em que tinha o azar de ser o único rapaz.
A minha Senhorinha, sendo filha única, não tem bem a noção de quanto duas irmãs mais velhas, sempre em segredinhos e risadinhas, podem ser cruéis para os irmãos mais novos.
O Zé Nesgas teve de tomar a defesa da mais pequenina e, no fundo, coube-lhe a ele a tarefa, nem sempre gratificante, de evitar que ela se ferisse com as tesouras que as mais velhas deixavam por ali depois de cortar as unhas, que caísse das escadas abaixo quando as outras deixavam a porta da rua aberta, de acudir quando a pequenita batia com a cabeça numa esquina e desatava num berreiro.
E frequentes vezes, quando ela abandonou as fraldas, a acompanhou ao bacio e a amparou na casa de banho para que ela não se enfiasse pela sanita abaixo.
Mas as gentis Leitoras e os Cavalheiros que nos lerem terão de me perdoar se eu entrar agora em pormenores que não constam normalmente em narrativas que possam ser lidas por crianças.
É consensual que, até esses dezoito anos, julgo eu, embora possa estar em erro - quem sou eu para discutir pedagogias e regras de boa e saudável educação? - é consensual, dizia eu então, que um jovenzinho possa matar marcianos, árabes ou chineses, bem como outros monstros variados, num videojogo. Mas nada de falar em xixis e cocós: as senhoras nos romances nunca estão com o período nem têm prisão de ventre.
E, se os Leitores ainda se lembram da gritaria que ia lá pelo quarto do Carlinhos, com o Zé Nesgas aos berros (desta vez sem omitir vocábulos:) «man, isto assim é uma merda, porra!», não ficarão admirados se eu lhes recordar que ajudar uma irmãzita de três ou quatro anos a ir à retrete e depois a lavar-se, não é exactamente a mesma coisa quando se tem doze anos e a rapariguita que se está ajudar tem catorze.
Como a D. Fernanda, que é a encarregada aqui da loja, já me veio dizer «tenho pena, mas olhe que já passa meia hora...» eu acrescento só mais uma coisinha:
A Magrizela, sem dar minimamente por isso, note-se, estava a causar uma perturbação desusada nas hormonas daqueles dois cachopos.
E eles, a falar francamente, não faziam ideia de como enfrentar a situação.
Durante os primeiros tempos até dava jeito. A Mãe do Carlinhos podia entrar e sair, sem dar pela Magrizela que tinha bem a noção da estranheza daquilo tudo e, lá de baixo, rosnava tão baixinho quanto podia. Só havia um problema, mas esse, acredito, era bem mais embaraçoso.
A minha Senhorinha conhece o seu jovem Primo: tímido e contemplativo, com uma mais do que parca experiência das coisas do mundo. Como conseguia ele convencer a Magrizela quando, a meio da noite ela acordava e se dirigia para a porta decidida a ir para o quintal fazer... como direi? os necessários?
Bem tentava ele encaminhá-la para a casa de banho. Porém, para a Magrizela que até essa altura poucos dias passara debaixo de telha, uma sanita tinha sido apenas um sítio onde beber água quando os donos se esqueciam da tijela.
Felizmente, o Zé Nesgas tinha, em capítulos desses, alguma experiência.
Era o terceiro de uma irmandade de quatro em que tinha o azar de ser o único rapaz.
A minha Senhorinha, sendo filha única, não tem bem a noção de quanto duas irmãs mais velhas, sempre em segredinhos e risadinhas, podem ser cruéis para os irmãos mais novos.
O Zé Nesgas teve de tomar a defesa da mais pequenina e, no fundo, coube-lhe a ele a tarefa, nem sempre gratificante, de evitar que ela se ferisse com as tesouras que as mais velhas deixavam por ali depois de cortar as unhas, que caísse das escadas abaixo quando as outras deixavam a porta da rua aberta, de acudir quando a pequenita batia com a cabeça numa esquina e desatava num berreiro.
E frequentes vezes, quando ela abandonou as fraldas, a acompanhou ao bacio e a amparou na casa de banho para que ela não se enfiasse pela sanita abaixo.
Mas as gentis Leitoras e os Cavalheiros que nos lerem terão de me perdoar se eu entrar agora em pormenores que não constam normalmente em narrativas que possam ser lidas por crianças.
É consensual que, até esses dezoito anos, julgo eu, embora possa estar em erro - quem sou eu para discutir pedagogias e regras de boa e saudável educação? - é consensual, dizia eu então, que um jovenzinho possa matar marcianos, árabes ou chineses, bem como outros monstros variados, num videojogo. Mas nada de falar em xixis e cocós: as senhoras nos romances nunca estão com o período nem têm prisão de ventre.
E, se os Leitores ainda se lembram da gritaria que ia lá pelo quarto do Carlinhos, com o Zé Nesgas aos berros (desta vez sem omitir vocábulos:) «man, isto assim é uma merda, porra!», não ficarão admirados se eu lhes recordar que ajudar uma irmãzita de três ou quatro anos a ir à retrete e depois a lavar-se, não é exactamente a mesma coisa quando se tem doze anos e a rapariguita que se está ajudar tem catorze.
Como a D. Fernanda, que é a encarregada aqui da loja, já me veio dizer «tenho pena, mas olhe que já passa meia hora...» eu acrescento só mais uma coisinha:
A Magrizela, sem dar minimamente por isso, note-se, estava a causar uma perturbação desusada nas hormonas daqueles dois cachopos.
E eles, a falar francamente, não faziam ideia de como enfrentar a situação.
2 comentários:
Muito giro!!!!
Ainda bem que estás a gostar.
beijinhos.
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