Este blog chama-se Portugal, Caramba! por uma razão simples. Quem leu A ilustre casa de Ramires há-de lembrar-se da simpática figura do «Castanheiro Patriotinheiro» que, ainda estudante em Coímbra, "fundara um semanário, a Pátria - com o alevantado intento", diz Eça de Queiroz, "de despertar [...] em todo o País, do cabo Sileiro ao cabo de Santa Maria, o amor tão arrefecido das belezas, das grandezas e das glórias de Portugal!»
Três números depois, como acontece com as revistas dos estudantes, a Pátria suspendia a circulação. Mas a vocação do Castanheiro, o seu pequeno degrau para o sucesso, não ficava esquecido.
Três números depois, como acontece com as revistas dos estudantes, a Pátria suspendia a circulação. Mas a vocação do Castanheiro, o seu pequeno degrau para o sucesso, não ficava esquecido.
E é este mesmo Castanheiro quem, anos mais tarde, no Rossio, Gonçalo Mendes Ramires volta a encontrar, com um grosso in folio debaixo do braço, ocupado de novo com o ressurgimento da Pátria:
«Sim, amiguinho! Organizar, com estrondo, o reclamo de Portugal, de modo que todos o conheçam - ao menos como se conhece o Xarope Peitoral de James, hem? E que todos o adoptem - ao menos como se adoptou o sabão do Congo, hem? [...] Como? Reatando a tradição, caramba!»
«Sim, amiguinho! Organizar, com estrondo, o reclamo de Portugal, de modo que todos o conheçam - ao menos como se conhece o Xarope Peitoral de James, hem? E que todos o adoptem - ao menos como se adoptou o sabão do Congo, hem? [...] Como? Reatando a tradição, caramba!»
Um século mais tarde (mais coisa, menos coisa), onde está esse Portugal que deveria ser propagandeado, gritado aos quatro ventos, tão conhecido, digamos, não já como o sabão do Congo, mas, ao menos, como a Floribela?
A tal «tradição» do Castanheiro, a «tradição, caramba!», foi reatada.
É em seu nome que gloriosos estudantes universitários, dizem eles, fazem ressurgir a Pátria: à humilhação dos seus colegas recém chegados chamam praxe. Obriga-se o caloiro a tarefas impossíveis, castiga-se o caloiro, besunta-se com esterco, obrigam-no a embebedar-se, a simular o acto sexual sabe Deus com quem.
Os bons exemplos não faltam:
Uma aluna declara que "foi obrigada a colocar-se de joelhos e que foi barrada com escrementos de porco (cara, pescoço, peito, costas, barriga, cabelo) por um grupo de caloiros que agiram sob ordens (...) Diz ainda que chorou, sentiu náuseas, foi humilhada, que se declarou anti-praxe. Mas que, regressada à escola, outro aluno ordenou que a agarrassem pelas pernas e lhe mergulhassem a cabeça num bacio com excrementos." (Público, 15 de Fevereiro)
"Obrigaram-me a colocar na posição de 'Elefante Pensador' (de joelhos, cabeça no chão e as mãos debaixo dos joelhos com as palmas viradas para cima)", diz a mesma aluna.
É uma posição "bastante dolorosa", garante outra caloira. (Idem, 13 de Fevereiro)
Depois, foi esfregada com esterco: "camada sobre camada, esfregaram-me a cara, pescoço, peito, costas, barriga, cabelo."
E tudo, decerto, em nome da tradição. Dessa tradição tão portuguesa que dá novos mundos ao Mundo. Se os camonas de Abu-Garib julgavam que tinham inventado alguma coisa, bem se enganavam. Os jovens tradicionalistas portugueses dão lições seja a quem for, em qualquer dia da semana.
As autoridades Académicas, os antigos Alunos, a própria Polícia, toda a gente se mostra tolerante:
«Pá! Sempre foi assim», diz um mais velho que passou por Coimbra em tempos já muito idos.
«Também passámos por isso e não morremos», garante outro.
E, com um sorriso constrangido, o Senhor Director da Faculdade, quiçá mesmo o Magnífico Reitor, fala em «rapaziadas» e em «espírito Académico».
"É um cúmlice", juraria o Portugal, Caramba. "Não foi à vinha, mas ficou à espreita."
Em privado, descontraído no sofá de orelhas, com o whisky numa mão, o «havano» na outra, o Magnífico encolhe os ombros, "pá, que é que tu queres? se aperto as regras, os gajos piram-se! É a concorrência! E depois? Quem é que nos pagava os ordenados?"
Em público, com o prestígio da sua escola em jogo, às vezes perde a cabeça. Precipita-se. Convoca o mais depressa que pode a conferência de imprensa e denuncia ele-próprio as mazelas que, se pensasse bem, havia de esconder.
Um funcionário não discriminado - professor, contínuo, escriturário, sabe Deus! - terá saltado para as intimidades de uma aluna e, oh azar! Engravidou-a; melhor, a gravidez surgiu, porque ninguém engravida ninguém sozinho.
Nada de novo.
Já ouvi esta hitória mais de cem vezes. O velho profe, o burocrata-chefe, a meio caminho da caquexia, deixam-se tentar pelo corpinho ágil e vibrante de animalzinho jovem: a aluna. Ela, por sua vez, deslumbrada pelo saber, pela posição social de poder, abre-se! Alma, coração, corpo.
Depois, tudo falha. O funcionário não quer outro filho, não quer tomar conta de uma gajinha que só lhe interessava por causa da cueca - se nos perdoarem o plebeísmo.
Só, ao fim de cinco meses de gravidez, a rapariga toma dez comprimidos abortivos.
Que faz o Magnífico Reitor?
Protege-a, como aos torcionários da praxe Académica?
Nem pensar.
É a honra da sua Instituição que está em causa.
Convoca jornalistas. Desvenda em público, para os media, segredos que não lhe pertencem e declara: «esta água porca não é do meu capote!»
Sem cuidar de que está a invadir publicamente a privacidade de uma pessoa. De que está a usar o privilégio a que se dá o nome de locus parentis para se arvorar em denunciante. Para salvar a própria pele de educador conforme à lei e á moral.
Como disse Jorge revoltado n'O primo Basílio:
- ... Isto só em Portugal!...»
O conselheiro disse:
- A autoridade devia intervir decerto... - Acrecentou com bonomia: - São rapazes (...)"
Há cem anos. Cento e quarenta, mais coisa, menos coisa.
É Portugal, caramba!
Se me permitem um pequeno momento, vou ali adiante pôr uma bomba e venho já.
4 comentários:
Muito bom, Tacci!
Desvanecidamente, do fundo da minha vaidade: obrigado, Anita.
Mesmo se, lá no mais recôndito do meu ego, por vezes assome uma dúvida: merecerei tal elogio?
Se calhar, não.
Mas agradeço-te na mesma.
Um abraço.
mereces sim senhor
tacci
essa modéstia, que conhecemos e reconhecemos sem alterações, fica-te bem, mas deixa que as pessoas se expressem sob a condição da sinceri-
dade. Aprecio o teu estilo, sempre politica e eticamente correctos, mais aprecio o pai do pinóquio dos teus bonecos. Uma saudade + abraço. Tom N´kalanga
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