terça-feira, junho 14, 2011

A inveja dos Deuses


Eu sei que não é bonito contar estas coisas, mas eu e o meu computador, vivendo em união de facto, tínhamos a relação quase perfeita.

Trabalhávamos juntos horas a fio, divertíamo-nos com coisas tolas inventando variações aos jogos do Windows, bisbilhotando a wikipedia, pulando de blog em blog.

Fazíamos um belo par de jarras, o meu portátil e eu.

Porque é que não se casavam, pergunta-me toda a gente.

Não sei, se calhar foi por causa da lei portuguesa que ainda discrimina este tipo de casos.

Ou então, quem sabe, apenas porque não havia sexo entre nós: questões de pudor, ele era um jovem notebook, cheio de vigor e de capacidade; e eu insisto em admitir, até para mim mesmo, no segredo dos meus pensamentos mais recônditos, que já vou tendo a minha idade. Nada nos proibia de irmos juntos àqueles sites, vocês sabem a que é que eu me refiro, e, enfim... mas não. Não tínhamos segredos um para o outro, mas, confesso, não conseguia rever-me na imagem com que ele iria ficar, por muito verdadeira que se tivesse tornado. O homem tem destas contradições, não é?

Os gregos, porém, tinham razão quando nos preveniam contra a inveja dos Deuses.

A minha relação com o pequeno portátil era demasiado perfeita e o que tinha de acontecer, pois aconteceu.

Estávamos a trabalhar juntos, já nem sei em quê, não queríamos fazer uma pausa sequer para o almoço e zás: a imprudência ocorreu. Um sandes para aqui, uma cerveja para ali, começámos a ficar um nadinha entornados - sobretudo a garrafa que essa se lhe entorntornou completamente por cima do teclado.

Não vos conto da aflição, do pânico; o meu companheiro com um último estremecimento escreveu umas coisas sem sentido e entrou em coma alcoólico e eu corri como um desesperado para a clinica dos PCs mais próxima. Leveram um mês a constatar o óbito.

Como qualquer companheiro sobrevivo nestas coisas, passei as longas noites do luto a recuperar, a pouco e pouco, os seus desenhos, os seus programas, os escritos que só ele guardava.

Agora para aqui estou, com um novo companheiro, mas há-de passar muito tempo até que seja a mesma coisa.

Acreditem.

4 comentários:

Unknown disse...

Querido amigo, já me tinha perguntado por que estaria o teu Blogue tão silencioso há tant tempo. Mas um blogger tem direito ao seu descanso, caramba! E em Portugal, caramba! Ainda tem mais! Nunca me ocorreria que tinhas sofrido este óbito! É muito chato, sobretudo, se a pessoa perde tudo, documentos, fotografias, desenhos, enfim... os meus grandes pêsames e força aí, que a vida continua!
A Pérola fará o seu jantar de Verão, não te esqueças!
Um forte abraço e um beijo.

fado alexandrino. disse...

meus pensamentos mais recônditos, que já vou tendo a minha idade

Isso não obstou que se apresentasse com uma monumental escultura (tipo Anita Ekberg) no jantar.

Este é possívelmente um dos posts que mais me fez sorrir nos últimos tempos.
Que Deus o tenha por cá valiosos anos com essa mão milagrosa a retratar tudo e todos.

tacci disse...

Lelé, só agora recomeço a ter algum controlo sobre estas endróminas da blogação. Até à vitória final sobre os Pixeis e os Bits, vou jantando, sim senhora.
Diz quando.
Um beijo e um grande abraço também.

tacci disse...

Alexandrino
A monumental escultura, se bem te interpreto, agradece o elogio. E muito obrigado pelas restantes palavras.
Um abraço.