...Imaginas o que foi, «Cantor»? E eu, que já tenho os meus pergaminhos de maldade... eu que sou má, eu!...
A Pardala, coitada, lá estava a morrer. A morrer na cama onde eu dormia, quando ia ter com ela - sabias, «Cantor»? Não, tu não sabes ainda nada. Tens quinze meses, não sabes nada; nasceste numa noite fria e cresceste em noites quentes. Lembras-te da minha mãe? Eras tão pequenino! Nessa noite fugiste para a minha cama e eu não consegui enxotar-te, não tive coragem. Depois veio a Chiquinha... lembras-te? Uma sanguessuga com asas, lembras-te? Sabias que ela me descosia os vestidos e me fazia buracos nas peúgas só para me obrigar a pegar numa agulha? Uma vez deitei-lhe pimenta no leite-creme e ela ficou tão zangada... Doutra vez... tantas vezes, «Cantor»! Vinha ter com ela à cama, de noite e assustava-a com um uh! mesmo no ouvido. Ela acordava aos gritos, perdidinha de medo. E toda a gente se levantava e vinha ver, todos perdidinhos de medo! Até eu depois ficava com medo! Quando me doía o estômago, ela ria-see zombava. sabias que me acusava ao prior? sabias que rezei milhões de terços por culpas de que a Chiquinha me acusava ao prior? Sabias que uma vez, de noite, enquanto ela dormia, lhe cortei uma trança loira, a do lado direito, e lhe deixei pregado à camisa um bilhete que dizia: «Também eu vou levar os teus piolhos ao prior!». Sabias? Ela mostrou atodos o lugar da trança mas nunca o bilhete. Apanhei uma tareia, e ela riu-se muito e dizia «bem feito». Eu dava-lhe pontapés e ela ajoelhava-se, «Cantor»! Ela ajoelhava-se... a rezar por mim!
A Pardala, coitada, lá estava a morrer. A morrer na cama onde eu dormia, quando ia ter com ela - sabias, «Cantor»? Não, tu não sabes ainda nada. Tens quinze meses, não sabes nada; nasceste numa noite fria e cresceste em noites quentes. Lembras-te da minha mãe? Eras tão pequenino! Nessa noite fugiste para a minha cama e eu não consegui enxotar-te, não tive coragem. Depois veio a Chiquinha... lembras-te? Uma sanguessuga com asas, lembras-te? Sabias que ela me descosia os vestidos e me fazia buracos nas peúgas só para me obrigar a pegar numa agulha? Uma vez deitei-lhe pimenta no leite-creme e ela ficou tão zangada... Doutra vez... tantas vezes, «Cantor»! Vinha ter com ela à cama, de noite e assustava-a com um uh! mesmo no ouvido. Ela acordava aos gritos, perdidinha de medo. E toda a gente se levantava e vinha ver, todos perdidinhos de medo! Até eu depois ficava com medo! Quando me doía o estômago, ela ria-see zombava. sabias que me acusava ao prior? sabias que rezei milhões de terços por culpas de que a Chiquinha me acusava ao prior? Sabias que uma vez, de noite, enquanto ela dormia, lhe cortei uma trança loira, a do lado direito, e lhe deixei pregado à camisa um bilhete que dizia: «Também eu vou levar os teus piolhos ao prior!». Sabias? Ela mostrou atodos o lugar da trança mas nunca o bilhete. Apanhei uma tareia, e ela riu-se muito e dizia «bem feito». Eu dava-lhe pontapés e ela ajoelhava-se, «Cantor»! Ela ajoelhava-se... a rezar por mim!
Fernanda Botelho (1926 / 2007) A Gata e a Fábula
2 comentários:
Bela homenagem! E o retrato está magnífico!
São favores... mas obrigado na mesma.
Abraços.
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