terça-feira, março 25, 2008

Numming Up

- A 5 de Outubro, man? É já ali.
Não acreditam?

Estou a rir-me devagarinho, para mim mesmo porque o meu cão dorme e não há mais ninguém nas redondezas. Não que, reconheço, o motivo desta minha íntima risota tenha piada. Aqui para nós, o acontecimento careceu mesmo em absoluto de um grama que fosse de sentido de humor.

Uma Professora (1), algures lá para o Norte, passou-se dos carretos, apreendeu um telemóvel. A proprietária do dito, em histeria completa, tentou arrancar-lho. Gestos largos, gritos agudos, empurrões.

Se fossem homens, teria havido um grito viril: «agarrem-me, senão eu mato-o!» Como eram mulheres, faltou o arrancar de cabelos para que se cumprisse a tradição.


Sobre esta caricata cena que nos chegou através, aí sim, do sentido de humor dum outro pssuidor de telemóvel com câmara de video, não vou perder o meu tempo e menos ainda o meu parco latim.

Já se condenou toda a gente, desde a aluna agressiva, ao ministério, ao ensino público, à degradação da Autoridade (com maiúscula, está bem de ver) quer da Escola, quer dos Educadores.

Não faltou sequer o parecer jurídico (é inconstitucional a aprensão do objecto, mesmo que esteja no regulamento da Escola), nem a Psicologia.

Não era o Dr. Eduardo Sá aquele Senhor que no You Tube tecia suaves (mas contundentes) críticas à actuação da Professora, a qual devia ter feito e acontecido em vez de taratátá & companhia?


Renitente embora, vou-vos confessar uma coisa: comecei a trabalhar há bué da anos. Não sei, talvez em 1964. E fui professor, pela primeira vez a sério, no ano lectivo de 1972/73. E houve coisas que fui aprendendo, daqui e dali, frases feitas, por vezes.

Uma delas, particularmente acutilante, foi-me ensinada pelo Leonel Pires Lourenço, que Deus lhe fale na alma.

Trabalhávamos ambos na rádio e era ainda o tempo em que os circuitos integrados, último grito da técnica, faziam a sua entrada nos hábitos dos nossos engenheiros. As válvulas, as lâmpadas e os bicórdios eram a mais prudente aposta da tecnologia nacional e predominavam por todo o lado.

Ninguém já faz ideia do que era a nossa central técnica numa tarde de Domingo, quando os relatos de futebol eram escutados religiosamente por tudo o que era lado. Os clubes, da primeira divisão à terceira distrital, jogavam todos ao mesmo tempo. Havia dezenas de bicórdios a sair dos bastidores, a ligar os relatores dos futebóis aos amplificadores, tudo simultaneamente no ar.

Necessariamente, na coordenação de centenas de ligações, alguma coisa havia de falhar. Porém, se nos criticavam os erros de operação indistinguíveis, aliás, das falhas do material, o Leonel ria-se pelo canto da boca e atirava:

- Ai é? Então venham cá vocês fazer c'a tromba!

A tromba em questão não era, como poderia ocorrer a um menos precavido, o lisonjeiro apêndice nasal do elefante. Era mesmo a tromba do porco.

Uma sala de aula é, com as devidas distâncias, uma complicação ainda maior do que a da nossa Central Técnica.

Lembram-se dos Telebes, ou lá o que era? Lembram-se da discussão sobre o regime de faltas dos alunos?

Às trapalhadas do Ministério que quer controlar tudo, junta-se a trapalhada das educações improvisadas por pais incompetentes, a luta pela conquista do mercado pelas editoras escolares. À banalização dos divertimentos nocturnos, com as variadas intoxicações, veio juntar-se a evolução tecnológica, que dotou cada criança, cada adolescente de acrescidos meios de estarem «noutra».

As probibilidades de uma aula falhar tornaram-se demasiado altas. A pobre Professora lá do Norte que se passou dos carretos, tem o meu inteiro apoio se gritar de lá a sua indignação:
- Venham cá vocês refocilar nesta estrumeira, a ver se fazem melhor!


Mas o que é que está errado então, perguntais?

Era uma tentação esticar agora o dedo acusador e disparar em todas as direções. Este mundo da educação está de tal modo coberto de alvos que nem precisava de apontar: acertava sempre, quase como os soldados americanos no Iraque. Disparem para onde dispararem, acertam sempre num inimigo.

Mas não. Recuso-me a tentar responder, e isto por duas ordens de razões bem distintas entre si.

A primeira é esta: não quero acrescentar ao fungagá que já se gerou, a mão cheia dos meus próprios palpites. Já estou muito cansado, quer das soluções milagreiras, como, para dar um exemplo, o cheque ensino dos Blasfemos, quer dos pequeninos remendos paliativos que cosem de um lado para esgarçar do outro.

É que uma discussão a sério teria de começar por questões tão vastas como:
- Queremos ensinar, queremos formar, queremos formatar? Queremos educar? Para quê? Quem? E devemos obrigar a aprender? E podemos fazê-lo? Quanto queremos gastar?
- Ah, bom! Queremos tudo, mas não há verba, é isso? Então, vão-se lixar e não chateiem.

A segunda das razões é muito mais simples: falar do Ensino era, para mim, falar da minha vida quase toda. E ainda não me apetece fazer balanços finais (ou os Summing up, para fingir que também sei falar estrangeiro). É só isso. Sorry.

Deixem-me só acrescentar mais uma coisa: quando ainda andava pela rádio, no meio da insurreição de Abril e nas confusões que se lhe seguiram, uma muito querida amiga ensinou-me mais uma das máximas que passaram a acompanhar-me desde então e que seria digna de Lao-Tzé:
Quanto maior era a asneira dos nossos Directores, quanto mais flagrante a falta de senso - e de decência, por vezes - maior era o seu sorriso.
- Pagam-nos mal, - dizia. - Mas divertem-nos muito.
Compreendem porque é que eu disse, lá em cima, no início do post, que me estava a rir baixinho?

(1) Os senhores professores universitários gostariam que reservássemos «Professor», por extenso e com maiúscula, a um dos graus da sua hierarquia. Como não são eles quem nos paga e, confessemos, nos divertem pouco, o melhor é não ligar.

7 comentários:

ana disse...

acutilante. Quanto ao desenho podes contar comigo na intenção

tacci disse...

'Bora!
Temos é de nos certificar de que não há lá
...nem cães nem gatas,
nem flor de rosmaninho,
não se oiçam passar baratas,
nem correrias de ratinho...

(adaptação da Oração a Santa Bárbara quando faz trovoada)

Um abraço.

Anónimo disse...

Meu Caro:
Como eu fui da CPA dos Liceus tenho tendência para enrolar uns considerandos antes de atacar o essencial, e se já estava agastado com a dificulfdade em encontrar o blogue, mais estou a ficar com a exiguidade deste espacito que me facultam para escrever, sem alinhamento à direita.
Não gosto - haverá sempre alguma excepção - de blogues e não apenas pela disposição inversa das dos livros a que me habituei, já que não sou árabe nem judeu. Não gosto dos blogues por serem sucedâneos dos jornais e achar que se devia era pugnar pela recuperação deles.Jornais como a República ou o Novidades com matriz política e não a pseudo -anodinidade de hoje.
já vi pessoas normalmente controladas um dia passarem-se dos carretos, para usar a tua expressão. Poderei compreender o que levou ao desvio. Que sempre censurarei, contudo.
No dia em que sob trotura denunciar, em que na mira de uma arma afastar o meu corpo podendo a bala ir atingir outro, mesmo que não me tenha voluntariamente colocado nessas situações, não peço que considerem aqueles comportamenos justificados.
A porcaria é que tanto se viva com dignidade, como sem ela.

tacci disse...

Para te poupar o trabalho de leres esta caixinha e porque as questões que levantas me interessam, respondo-te noutro post - infelizmente mais acima, em vez de ser mais abaixo com tu gostarias. Pode ser?
Aqui fica só uma interrogação, que por ser pessoal, não pertencerá a outro sítio: como é que tu, homem de esquerda, nascido e criado no tempo das máquinas de escrever mecânicas que só alinhavam à esquerda, vens agora queixar-te por não poderes alinhar á direita?
Já reparaste que este mundo começou a desandar sobretudo a partir do momento em que umas estranhas máquinas eléctricas suspendiam a linha que estávamos a escrever até a alinhar do lado errado?
Um abraço e até já.

PS: Escusas de escrever nesta caixinha. Faz como se fossem cartas ao director. Manda-me um mail com a autorização de publicação e eu ponho-o aqui por ti.

Anónimo disse...

Mais, não te digo... fazer chover no molhado é coisa pouco enxuta, por-
tanto, subscrevo sem reservas. Abraço cordial e vê se soltas um som. yafrikakitaperto

Anónimo disse...

tacci
esqueceste o KOHACRICLE... Bwe da busy, ya? tasse por ká v s naoesquece. Abraço tom n´kalanga.

tacci disse...

Tom, não esqueci nada o Kohacircle.
Já por lá deixei o meu abraço e tenho-o visitado mais vezes; mas não te admires muito: sou o comentador mais preguiçoso que jamais viste.
Um abraço grande (e prometo emendar-me).