terça-feira, dezembro 02, 2008

Subsídios para o livro de Aka (III)

Havia gravuras ao longo das paredes dos longos corredores.
Algumas eram de Goya, Aka nunca descobriu se eram originais ou cópias de cópias.
Quando o Núncio fazia os seus discursos, copiados, esses sim, de cópias já antigas,
e todos concordavam que sim,
que cada vida humana era única, preciosa e irrepetível,
Aka lembrava-se dos mortos e das violações encaixilhadas,
dos pássaros de pesadelo,
dos fuzilamentos, dos canhões, dos corpos estilhaçados
em molduras doiradas e vidros anti-reflexo.
Pensava:
- Ninguém devia poder dizer que a vida é um dom precioso
antes de ter tentado vender preservativos furados em Covent Garden.
E recitava, de si para si:
- A pound dear father is the sum that clears the wicket.
Mas, claro, não dizia nada.
Não era suposto que uma virgem,
real ou suposta também,
soubesse das coisas que ela tinha para dizer.
O mundo, achava Aka, abusava dos supostos.

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