Aka não precisava da enxaqueca propriamente dita, mas achou oportuno que a Aia tivesse uma e preparou-se para o momento em que ela, completamente desesperada e cega de dor, tomasse o blister inteiro dos comprimidos e adormecesse no quarto completamente às escuras.
Então, pé ante pé, Aka ousou:
Tirou rápida o kain panjang com que disfarçava as calças compridas roubadas do vestiário do hotel, atirou-o para debaixo da própria cama e conseguiu sair sem bater a porta.
No corredor enrolou ao pescoço o lenço que lhe servia de niqab e procurou impaciente o elevador onde havia um espelho numa grande moldura doirada e onde poude ver uma rapariguita modestamente vestida, o cabelo depenteado, o rosto sem sombra de pintura.
- Mademoiselle deseja... - perguntou o ascensorista com uma pequenina vénia.
- Nunca. - respondeu Aka, sem desfitar o espelho. - Por razões religiosas, entre outras, percebe?
- Pardon? - disse o ascensorista, já sem vénia.
Aka reparou no tom da voz e corou. Corava com muita facilidade, nos últimos tempos.
- Descemos ao lobby - disse no tom áspero que aprendera com o Pai.
- Bien, Mademoiselle.
- É verdade que não devo desejar, - explicou Aka, já num tom mais gentil, enquanto desciam. - Mas nada me proíbe de ser voluntariosa. A vontade e o desejo são coisas diferentes, como sabe.
- Curioso. - comentou o ascensorista com o boné na mão direita, enquanto lhe abria a porta com a esquerda. - Nunca teria pensado nisso.
2 comentários:
desejar e ter vontade tem um pouco a a ver com o post que coloquei hoje de não esperar nada dos outros.
Não me parece que Aka te acompanhe nessa conclusão...
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