Se me perguntassem - mas neste país ninguém pergunta nada; já toda a gente sabe tudo - eu diria que não tenho nada com isso. E acrescentaria que, apesar de tudo, não desgosto, uma vez por outra, de meter a foice na seara alheia.
Honestamente, tenho de declarar desde já: acho um disparate as pessoas quererem casar-se. Apaixonar-se, amar, estar de casa e pucarinho com as pessoas de quem se gosta, tudo bem. Cuidar dos filhos quando os haja, claro. Eu diria que é assim mesmo, se a expressão «assim mesmo» significasse alguma coisa. Aqui na minha terra diz-se que «é o que pertence».
Mas casar?
Francamente, eu acho que é como as mulheres poderem ir à tropa. Têm todo o direito.
Mas, como eu sou um anti-militarista convicto, custa-me a perceber porque diabo hão-de as raparigas desejar exercê-lo.
Com os homossexuais é o mesmo. Concordo que têm direito a casar. Se o devem exercer, é outra conversa, mas cada um é que sabe de si.
E pronto: vamos até que sejam todos heterossexuais.
Porque não hão-de casar com uma pessoa do mesmo sexo? Não terão relações sexuais, não lhes apetecerá, talvez. Mas cozinharão belas refeições juntos, discutirão livros que leram, os filmes que viram e podem ir para os copos, adoptar um puto, educá-lo, responsabilizar-se por ele. Afinal, não é a própria Igreja que afirma destinarem-se as relações sexuais apenas à procriação? Ora se eles não tencionam procriar...
E nada obsta, também, a que cada um por seu lado tenha uma amiguinha... ou tenham todos a mesma. E até podem convidá-la para casar com eles. Porque não? Era só criar uma figura nova nessa coisa de fazer leis: partilhar um casamento já existente, como se admite um sócio novo numa empresa já constituída.
Salta aos olhos, claro, que essas pessoas, heterossexuais ou não, dispõem já de instrumentos jurídicos para se juntarem e para resolverem as questões que sobrevenham. Para quê, então, produzir legislação especial?
Não sabendo nada de direito, julgo que, reguladas as relações mais banais, os legisladores tenham de acautelar as situações em que um ou mesmo ambos os contratantes se encontram numa situação, digamos, perturbada.
O casamento moderno assenta numa forte emocionalidade que vai, frequentemente até à paixão.
Do mesmo modo - ou semelhante - as pessoas com perturbações mentais ou de alguma forma diminuidas na capacidade de se determinarem mereceram a protecção da lei.
Os casamentos, portanto, de há anos para cá, foram alvo da atenção dos legisladores que consideraram insuficiente a tradição religiosa e a autoridade dos pais.
Por isso, por muito que me custe admiti-lo, acho que as uniões homossexuais e todas as outras formas de, por razões emocionais, viver de casa e pucarinho, têm de ser consideradas casamentos e defendidas pela lei.
Disse.
10 comentários:
Achas que a paixão, por ser uma perturbação, deve ser regulada pela lei?
Credo!
A paixão, obviamente, não é regulável. Provavelmente, ainda bem.
Mas os seus efeitos, os compromissos que se tomam em momentos de exaltação, esses podem e devem ser acautelados. Por muito apaixonados que estejamos, não podemos vender um órgão, um filho, nem sequer o património dos herdeiros.
Não me parece nem abusivo por parte dos poderes legislativo e judicial, nem intrusivo sequer.
A inefável Wikipédia lá expõe o seu anodino conceito de casamento. Para aqui tanto dá. A tua questão parece-me outra. O poder arroga-se o exclusivo de declarar o que está certo e fá-lo mediante normas coercivas. A partir daqui, tu só mudas o direito quando mudas o poder. Portanto, ou sais das tuas tamanquinhas e vais para a rua apear do poder os que lá estão, ou não vale a pena continuares tu, continuar eu, continuarmos nós, a escrever que o poder não tem razão.
Badesse
ó bsdesse mas aqui o tacci não está a defender que o poder é que tem razão? se o quer como regulador...
Claro Tacci! A menos que os portugueses queiram liderar aí uma cruzada para mostrar ao Mundo como se defendem a Moral e os Bons Costumes. Mais tarde ou mais cedo ficaríamos outra vez orgulhosamente sós.
Sérgio:
Eu sei perfeitamente que tens razão. Mas olha, de momento a minha rua é aqui. Será um pouco como os folhetos que o sapateiro lia aos vizinhos em meados do século dezanove nos intervalos de bater sola.
O boticário, o cónego e o professor podiam ser cabralistas, discutir os méritos do Fontes, tornar-se regeneradores.
O sapateiro, pobre dele, só podia ser anrquista.
Mas, lá de vez em quando, pimba! Lá ia ele atrás de não sei quê, a cantar a Maria da Fonte.
Anita:
Eu não quero saber do poder para coisa nenhuma.
Mas, como sócio forçado desta coisa a que chamam Estado, com as quotas em dia, acho-me no direito de dizer, uma vez por outra, o que ele tem de fazer.
Assim como acho bem que ele não deixe um ladrãozeco assaltar a tua casa e, pelo menos, vá fazendo o que pode para os desencorajar, também acho que ele devia regular algumas coisitas.
Se for pecado, diz-me qual é a penitência. Mas não me peças que me arrependa demesiado.
Graza:
Ainda se ficássemos mesmo sós!
Mas, quando a moral e os bons costumes, além destas coisas, incluem outras tão altamente virtuosas como o favorzinho, a cunha, a fuga aos impostos e à justiça, um desviozinho ou outro de vários milhões... acho que estaríamos muito bem acompanhados, por ex., por uns quantos países sub-saharianos.
Um abraço.
Pelo que depreendi do texto, se calhar mal, foi que as pessoas apaixonadas, por o estarem e portanto estarem fora da sua razão, deviam ter legislação própria quando quisessem casar, ou mesmo serem proibidas de o fazer.
Meu caro anónimo!
Não deve depreender tudo isso. Apenas que, quando duas pessoas se apaixonam e se casam, fazem a vida em comum, adquirem bens, e por aí fora, os seus direitos têm de ser acautelados. Já não seria nem a primeira nem a segunda vez que o cônjuge sobrevivo num casal do mesmo sexo, vê o seu direito à habitação e à sua metade dos bens comuns contestado pelos herdeiros do falecido.
Como, muitas vezes, não se pensa nas desgraças porque se está apaixonado, é obrigação da comunidade - o Estado, nas sociedades que o têm e o sustentam - proteger essas pessoas. Quantas pessoas casaram pela Igreja (quando o casamento era indissolúvel e obviamente, não pensavam em separar-se) e depois se arrependeram amargamente?
Fiz-me entender?
Quanto a quem casa com quem, desde que o faça voluntariamente, ninguém tem nada com isso, nem eu, nem o anónimo, nem o estado.
Proibidas de o fazer, julgo que só mesmo no caso de um deles ser menor e/ou estar incapaz de manifestar a sua vontade - imagine a demência senil, por exemplo; mas não me pergunte em que idade um cachopo se torna maior, nem a partir de que grau de senilidade um indivíduo está incapaz, porque também não sei.
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