Chamava-se Maria de Lurdes e teria feito os oitenta anos no dia dezoito do passado mês de Janeiro.
Mas não resistiu tanto.
O Mundo, quando não os consegue quebrar, mata-os, escreveu Hemmingway, e Maria de Lurdes faleceu num dia de Camões, no dia 10 de Junho de 2004.
Tinha sido primeira ministra de Portugal durante uns cem dias. Depois correram com ela para o Parlamento Europeu, para a Unesco, para muito longe.
Não admiro muita gente, o defeito é meu, eu sei, e os políticos ainda menos. Mas esta Senhora fazia parte das excepções.
Não acreditávamos nas mesmas coisas, é claro, mas ambos tínhamos fé na Palavra. «A Palavra age», disse ela durante a campanha presidencial de 1986.
Nunca soube se esta «palavra» a que ela se referia era o Verbo bíblico, aquele de que fala S. João quando diz ao princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus... ou se era o logos dos gregos, razão do que existe, o princípio ordenador de Heraclito ou dos estóicos.
Nunca tive a oportunidade de lhe perguntar, nem sequer era importante. O que importava, isso sim, é que, quando ela falava, todos percebíamos que não era a palavra com que se escreve o Diário da República
Tenho saudades das pessoas como ela.
Ainda não sei, mas para o ano, em calhando, voto no Manuel João Vieira.
6 comentários:
Gostei do seu texto.Obrigada por lembrar uma mulher que tinha um pensamento político muito avançado, que pensava a democracia no seu sentido absoluto, ou seja, a sua radicalização o que implica a participação activa dos cidadãos na causa pública, cidadãos que sejam donos do seu destino e saibam exigir dos seus governantes os valores da cidadania.Também tenho saudades dela.Precisamos dela cada vez mais.
Guadalupe Magalhães portelinha
Também eu tenho saudades dela,Tacci.Fui sua mandatária quando andava em exílio laboral pelo Alentejo.
Essa Manuel João Vieira fez-me gargalhar com vontade e por momentos esqueci a porca miséria que nos rodeia!
Boa noite!
Sim, é decerto uma opção a considerar seriamente (a outra é não votar), tendo em conta os camaleões que por aí vão aparecendo.
Saudações do Marreta.
Neste momento, Guadalupe, se calhar, só resta um absoluto no meio de tanta relativização: chama-se «mercado de capitais» e tem residência ali em Wall Street.
Por onde andarão todos aqueles que não pensam assim? É intrigante, não é?
Um abraço e volte mais vezes.
Ema:
Ter sido mandatária da Maria de Lurdes Pintasilgo deve ser, para si, um dos momentos bons a recordar. Posso desejar-lhe muitos outros Alentejos como esse para o futuro?
Gosto do Manuel João Vieira, mas não propriamente pela música, que não é Mozart nenhum, nem pela graça, que é pesada e próxima do escatológico. Mas a personagem que construiu, que assume e que se expõe com honestidade interessa-me. Interpreto-o à luz de um comentário que li há muitos anos não consigo lembrar-me onde:
"Como não apelar para o Diabo quando vemos Tartufo a invocar Deus?"
Creio que o João César Monteiro (e o seu João de Deus) era outro exemplo desta forma de rebeldia.
Mas enfim, era um tema que dava pano para mangas e que, se calhar, poderemos discutir se O Vieira se (pré-)candidatar outra vez.
Um abraço.
Marreta:
Não votar, para mim é a mais pobre das alternativas. Até o voto em branco me pareceria preferível.
Mas como sou um votador «contra» impenitente, o Manuel João Vieira, até ver, é uma bela hipótese.
Abraço.
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