Os jornais estão cheios com a foto de uma jovem de dezassete anos que já era viúva quando faleceu, juntamente com as suas vítimas, no metro de Moscovo.
Tinham-lhe morto o marido, provavelmente com todas as razões do mundo, carimbo e benção oficial e não serei eu, ignorante como sou, quem atirará pedras ao executor.
Mas não posso deixar de pensar em Romeu e Julieta, no desesperado e violento amor dos treze anos, dos catorze, quinze, dos teenagers. Quem transformou Dzhennet Abdurakhamanova numa viúva negra, estava, receio eu, como sempre, a criar alguém capaz de quase tudo. Por amor, por ódio, por desespero.
Provavelmente ninguém o confessará:
Fosse Dzhennet feia, velha e com bigode, bah! Mais um terrorista, daqueles que se abatem sem dó nem piedade quando está na mira de uma pistola, de um helicanhão.
Mas ela era apenas uma menina, das que, no nosso país andam ainda no secundário; e era bonita. Faz-nos pensar na inocência, não faz?
Faz-nos pensar que Julieta, ao contrário do que é costume pensar-se, é uma ideia feita, não morreu de amor: morreu vítima de uma forma de bulliyng que aos jovens de Verona era permitida. Quem se não lembra, releia a cena do duelo entre Marcutio e Tybald e preste a atenção à insolência deste, à fanfarronice de todos, ao clima de violência instalado.
Mas a violência não se ficou pelas peças de Shakespere, não era só a de Verona.
Houve um brasileiro em Londres, lembram-se?
Foi abatido, assim, pás!
Azar! Era engano.
Houve protestos, claro, indemnizações e por aí fora. O atirador foi admoestado, certamente, são sempre.
Nós, neste cantinho da Europa, não podíamos ficar atrás. Também somos gente, não somos?
Há dias, um rapper que, se calhar, ia distraído a falar ao telemóvel, que talvez tivesse bebido um copo a mais, ou que, pura e simplesmente ia noutra, foi abatido pelas forças de segurança. Não ia, tanto quanto se soube, a fazer mal nenhum. Acontece que não parou quando lhe mandaram.
A autoridade perdoa tudo - sobretudo se houver uma pequena lembrança - menos a desobediência. É o que enfurece mais o bully: é que alguém lhe resista, que se esteja nas tintas para ele, que não lhe obedeça instantânea e submissamente. Multa. Bate. Dispara. O guarda, o que disparou - vai uma apostinha? - vai ser admoestado também.
É como as crianças que torturaram e afogaram uma pobre mulher doente, lá para as bandas do Porto. Foram admoestadas pelo sr. Dr. Juíz, se calhou, pelo sr. Padre Maia também, ia jurar, por toda a gente responsável.
E é como aquelas crianças que mandaram o Leandro Filipe para o hospital. E as que agora o empurraram para o Tua, mesmo se não foram elas, não, não! Ou prontos, foram, mas foi sem maldade, era só de brincadeira. Vão ser admoestados, podem ter a certeza!
E vão todos ter apoio psicológico porque estão muitíssimo transtornados.
As vítimas, essas morreram, como o jovem rapper, como o brasileiro de Londres, como a Gisberta.
Uma por outra recebeu, muitos anos depois, uma indemnizaçãozeca regateada que nem a símbolo chega. Foi o caso de uma rapariguita que só queria frequentar a universidade e se declarou anti-praxe, mas, hélas, foi torturada, violentada, humilhada.
Outros ainda, suicidaram-se.
É tão simples quanto isto: não quero este mundo, não quero esta gente, não quero! Vou-me embora!
A forma que escolhem para se despedirem é que faz a sua diferença.
Já aqui o disse: o Leandro Filipe era bom menino. Terá voltado a violência contra si próprio.
Dzhennet, de cultura muçulmana, escolheu ser bombista suicida.
Dzhennet, de cultura muçulmana, escolheu ser bombista suicida.
Se fosse norte-americana, cristã de cultura, democrata e ocidental, teria escolhido entrincheirar-se numa torre da sua faculdade e disparar a esmo.
É uma vingança cega, injusta, mas é o único heroísmo julgado possível num mundo em que o poder se serve, ele próprio, dos bully, quer se chamem Bush, Blair, Aznar ou Barroso, para enforcar outros bully que se tornaram incómodos.
Um poder que precisa de guardas republicanos, de seguranças, de carcereiros para as abu garibes e as guantanamos que são a sua forma de domínio e, claro, não pode deixar de lhes tolerar os desmandos, os excessos, os erros.
O poder é assim mesmo: as forças armadas americanas, inglesas, russas, que sei eu, julgaram-se no direito de atacar, brutalizar, gritar, impôr.
O poder é assim mesmo: as forças armadas americanas, inglesas, russas, que sei eu, julgaram-se no direito de atacar, brutalizar, gritar, impôr.
As vítimas, às vezes, escolhem vingar-se.
Uma delas, por exemplo, chamava-se Dzhennet.
Tinha dezassete anos e fez mais vítimas que talvez tenham dezassete anos e que um dia farão - quem sabe? - mais vítimas...
Ninguém foi muito feliz e tiveram muitos filhos que foram devorados pela aviação inimiga.
Ninguém foi muito feliz e tiveram muitos filhos que foram devorados pela aviação inimiga.
12 comentários:
'Poizé' Tacci!
pescadinha-de-rabo-na-boca, não é? ai as vítimas, as vítimas .."Ninguém foi muito feliz e tiveram muitos filhos que foram devorados pela aviação inimiga."
que a pausa lectiva sirva para que nos renovemos interiormente. dias mais claros, noites criaticas é o que desejo, saúde e Paz é o que eu desejo.
boa Páscoa.
Passei por cá de manhã e era para te felicitar, Tacci, pelo teu texto inteligente, como sempre (já é redundante afirmar isto:)), e deixar um comentário, mas o tempo clareou, tinha morangueiros para plantar e zás! fui lá para baixo fazer o plantio na convicção que, lá mais para o verão, haveremos de comer alguns. A chuva regressou e... aqui estou.
Não, não te visito apenas quando chove. Era só o que faltava!!Simplesmente os teus textos precisam sempre de disponibilidade para eles e, se possível, algum poisio entre os morangueiros:):):)
Parece-me que, uma vez mais (mas não é de mais...) colocas o problema da legitimidade, ou melhor, da legitimação, da violência, seja contra si próprio, seja contra o outro; seja este o sujeito ou o indivíduo, ou a sociedade, ou o estado. Problema extremamente importante para a vida em comum.
Paralelamente, o problema alarga-se a três domínios centrais na organização humana e na determinação do viver bem: a lei e o estado, o mandamento e a religião, o imperativo e a moral.
É todo um programa do dever que aqui se encontra. É tecido para muitas fábricas...
Já vai longo este comentário, Tacci. Fico por aqui mas havemos de cá voltar de preferência com um copo numa mão, um livro na outra, uma taça de morangos na mesa e a sombra do carvalho a abençoar-nos.
Santa Páscoa.
Abraço.
Acontece que não parou quando lhe mandaram.
Não foi bem assim.
É uma realidade, há direita e há esquerda (socialmente falando).
Gostei da escrita, as ideias são de esquerda, já não gostei tanto, com uma ressalva a pessoa que conheci era sumamente simpática e não me iria mandar para o Campo Pequeno, ou seja nem todos são iguais.
Boa Páscoa.
Obrigado, pelos votos, Ema.
Já houve tempo em que nós julgámos que era possível outra coisa. Está na altura de decidir se ainda a queremos ou se já desistimos dela.
Um abraço.
Jad, tu conseguiste realizar o ideal do Voltaire, cultivar o teu jardim e filosofar debaixo da tua árvore.
E obrigado pelos votos que, já sabes, retribuo em dobro e redobro.
O que me assusta não é propriamente a violência, que sempre houve. O que me assusta é o clima de aprovação pública, não se fazer nenhum esforço para a conter. Só para te dar um exemplo, quando os papás deixam aquela criancinha de três anos incomodar toda a gente no restaurante, mas lhe dão um chapadão quando ele entorna o sumo, o que estão a fazer é um bully que, mais tarde ou mais cedo, irá infernizar a escola, brutalizar a namorada e só vai obedecer quando tiver muito medo ou lhe pagarem muito dinheiro.
A nossa luta principal deve situar-se algures por aí, julgo eu.
Um abraço e até ao próximo copo de vinho.
Meu caro Alexandrino: não me parece que qualquer direita defenda a pena de morte imediata para quem não obedeça a uma ordem de paragem. Até porque já aconteceu morrer a pessoa que ia ao lado e que só estava ali porque tinha apanhado uma boleia de um conhecido.
A posteriori vem-se falar de "danos colaterais" se não se puder afirmar que eram perigosíssimos traficantes, que dispararam primeiro, não é?
Se houver uma direita assim, tenho muita pena. E não pertencerei nunca a uma esquerda que pratique o mesmo.
E olha, para o Campo Pequeno, para a praça de toiros de Badajoz, eu não mandava nem uma pobre vaca, quanto mais pessoas.
Um abraço, man.
Pois é… um chapadão! O problema está bem colocado Tacci, mas também aqui no restaurante a atitude contrária teria apoiantes e contestatários, haveria Alexandrinos de um lado e de outro, sem menosprezo para o comentário deste. Parabéns por partilhar a eloquência deste pensamento em voz.
Meu caro, acho que no essencial descreves bem a situação, num tom de falta de respeito por quem o não merece, o que não acho mal. Pode ser que te sintas um pouco redimido. Mas desculpa que te diga, não contribuiste para a resolução de nada. Portanto...
Badesse
Obrigado.
Primeiro peço desculpa de só agora adir qualquer coisa, o meu blog e especialmente a música que coloco dão-me um bocadinho de trabalho.
Não vou entrar por grandes pormenores.
O rapaz não se meteu em problemas por não parar numa operação stop, meteu-se em problemas por fugir ao carro da polícia durante uns quilómetros e cerca de vinte minutos.
Já tinha também uma pequena desavença ( com tiros) no famoso Kremlin.
Faz um bocadinho de diferença.
Eu, por mim, não gostava nada de o encontrar numa rua escura.
Obrigado, Graza.
A minha resposta ao Jad tem a ver com a nossa luta pessoal enquanto professores (ex, no meu caso, com alguma mágoa).
É que não me parece que a escola deva ser democrata ao ponto de admitir os comportamentos como o da criancinha no restaurante, doa aos pais o que doer.
Um abraço.
Badesse, Badesse!
«Portanto...»
Mas portanto o quê?
Sabes?
Um abraço.
Alexandrino:
Acredito que tenhas razão em tudo o que dizes.
Só não posso concordar com a pena de morte:
- nem com a legalmente executada, como nos States, depois de um julgamento e da possibilidade de apelos e de perdões;
- e muito menos com a que é executada por simples agente que não tem competência para julgar ninguém.
A questão, para mim, é sobretudo esta.
O carácter da vítima, esse será sempre um problema secundária.
Um abraço.
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