Quando nas suas iras, o Rudolfo gostava imenso de bater. Arrumar um adversário despachável à primeira, nem pensar. Organizava as lutas de molde a chegar à última trancada nuns vagares, gourmet de sexo a retardar o orgasmo. Escolhia as vítimas a dedo, sem as estudar antes de lhes saltar em cima. Tinha a pontaria de quem se movimenta em função do puro instinto.
O homem de Bucelas mostrava-se uma presa ideal. Porque tinha agilidade e força, e era corajoso.
[...] Durante um naco de tempo, o Rudolfo foi demolindo o outro, camponesa de bons dentes absorvendo um cacho de Ferral
Os bucelenses extra-banda, estarrecidos, não tinham receita apropriada. De cada lado dos contendores(1) , uma fila de tocadores de Banda desfilava, narizes no papel pautado.
Foi um saxofonista quem virou a página. Ao ver o sucedente, passou o instrumento ao companheiro de trás. Atravessando tudo e todos numa implacabilidade de furão em rasto certo, chegou-se ao Zé-Rudolfo e deu-lhe uma na nuca com o talhe da mão.
O Rudolfo fez plaff no asfalto, como um sapo despejado do sétimo andar. «Este é músico», disse o Simão, olhando o saxofonista atenciosamente, nuns carinhos. Após o que, chegou-se a ele e foi-lhe às ventas, com o sorriso duma Madre Superiora afagando noviça que promete.
A intervenção do [Simão] C. C.: copo de gasolina entornado em chama de caruma. Num já-está, a selecção de Bucelas e o meu grupo defrontaram-se num vale-tudo incluindo instrumentos musicais servindo de matracas. Para os polícias, que andavam pela orla dos passeios de cacetete em erecção constante, esta oportunidade de molhar a sopa em nova frente foi éclair de chocolate à mão de uma madame.
Nuno Bragança, A noite e o riso
(1)A minha edição (Moraes, 1971) regista «contentores», o que me parece claramente uma gralha. A não o ser, o Nuno Bragança terá de me perdoar: não me passou pela cabeça emendar-lhe a escrita, nem a ninguém, quanto mais a ele.
3 comentários:
Só se podia chamar a noite e o riso. É "noite" e estou farta de me rir. Agora aguardo expectante a aguarela.
Um abraço
A aguarela teve, desta vez a colaboração dos lápis de cor. Não me parece que os vá adoptar.
Não tinha lido a Noite e o Riso? Se se riu com a banda de Bucelas, recomendo-lhe vivamente a cena em que o grupo encontra a Luísa Estrela.
Gosto muito dos livros do Nuno Bragança: acho que combinam a Noite que é tragédia, com o Riso que, em calhando, é a única forma de nos superiorizarmos a ela.
Um abraço.
Acho que não vou ter tempo suficiente de vida para ler todos os livros que gostava de ler, isto já para não falar dos que ainda não passam de rascunhos na mente dos seus criadores. É que com estes nem duas vidas chegavam. Leio muito mas há muita coisa que não conheço, perdoe a minha ignorância, mas este é um deles. Um dia destes se o encontrar vou desfolhá-lo, quem sabe não me faz companhia de volta a casa.
Boa noite Tacci
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