quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Subsídios para o Livro de Aka (XI)

Aka andava pela Ilha de São Louis quando encontrou o Senhor.
Vinha a rir-se porque, depois da seriedade de uma Ecole de garçons a ter feito pensar pela milésima vez «mas porque é que eu fui nascer rapariga?», os olhos depararam-se com um restaurante com o nome L'Ilot Vache.
Aka não sabia francês suficiente para conhecer os múltiplos sentidos que a palavra «vache» pode ter, para além dos mais evidentes. Mas já tinha aprendido que dizer de qualquer coisa que «c'est vache» ou «c'est vachement con», não é propriamente um elogio.
Foi então que tropeçou n'Ele.
Vinha absorto, a ler um livrinho.
Quase chocaram. E sorriram-se.
Diga-se:
Os fiéis das grandes religiões, os cristãos, os islamitas ou os judeus, já não sabem sorrir a Deus. Os sacerdotes proclamam que é um Pai bondoso e justo; porém, só eles têm a chave dos tabernáculos onde O encerraram.
Talvez haja mais do que um Deus único, pensa Aka, porque o seu é ao contrário dos outros:
vive com o seu povo.
Como toda a gente.
É por isso que os antropólogos acham que a religião dela é um animismo.
Por isso, e por não precisar de sacerdotes.
O Tio Mais Velho orienta a oração da noite quando estão todos juntos.
De resto, Aka reza quando a alma lhe pede.
- Com que então a rir do restaurante onde eu almocei. -disse Ele interrompendo a leitura.
Aka fez um sorrisinho mais largo a que juntou um pequenino encolher dos ombros.
- E o que fazes aqui sozinha? Não é costume, pois não?
Aka, com os olhos, indicou o guarda-costas que se aproximara, a mão dentro do anoraque, no bolso do peito.
- É um chato, nem sequer Te reconheceu. - riu-se ela. - Não podemos pregar-lhe uma partida?
- Não. Não seria justo. Está a fazer pela vida, da única maneira que sabe.
- Pois. É o que me diz a Aia.
- Então deve ser verdade, não é?
Riram-se de novo.
E depois, não havia muito a dizer, foi a despedida.
O Senhor seguiu os Seus caminhos mergulhado no livrinho e Aka, pela rua de Saint Louis afora, de alma cheia, com o andar saltitante e uma canção desafinada nos lábios.
- Não era simpático perguntar-lhe porque existe, pois não? - interrogou-se ela.
E concluiu que não.
Há coisas que não se deve perguntar, mesmo que se saiba já a resposta.

2 comentários:

ana disse...

Cada vez mais fascinada por esta história. cada vez melhor.

tacci disse...

Ainda bem, miúda.
A intenção era mesmo essa.