segunda-feira, outubro 12, 2009

Distanciação erudita

1.
"... em que tipo de ensaio estava eu empenhado? Numa peça de análise linguística objectiva ou numa diatribe velada contra os padrões em declínio? Seria eu capaz de manter um tom de distanciação erudita, ou seria inelutavelmente dominado pelo estado de espírito em que Flaubert escreveu o seu Dicionário das Ideias Recebidas, um estado de espírito de impotente desdém?"
2.
"Devia rever completamente as minhas opiniões, era o que eu devia fazer. Devia apartar as mais antigas, as mais decrépitas, encontrar outras mais novas, mais actualizadas para as substituir.
Mas onde ir para encontrar opiniões actualizadas?
A Anya? Ao seu amante e guia moral, o corretor Alan? Pode-se comprar opiniões frescas no mercado? É permitida a entrada na bolsa a velhos de vista fraca a mãos artríticas, ou seremos unicamente um empecilho para os novos?"
J. M. Coetzee, Diário de um ano mau, 2007



4 comentários:

Anónimo disse...

Somos unicamente um empecilho para os novos, não apenas na bolsa onde não tenho apetência para entrar, mas até em nossa casa,onde nos criticam por ali querermos continuar simplesmente a pensar.
Badesse

Anónimo disse...

Acho que somos mais incomodativos do que empecilhos. Mas também há novos que se esforçam para entrar
anita

tacci disse...

Meu caro, os novos são novos, como desde sempre foram:
«et c'est en sortant vers minuit, Monsieur Comissaire, que tous les soirs, de chez la Montalant, des jeunes nous montrent leurs culs et leurs bonnes maniéres en nous chantant...»
Nós fizemos o mesmo nos nossos tempos, não foi?
A única diferença é que os nossos pais nos educaram melhor do que nós a eles.
Mas aí, culpa nossa, não?

tacci disse...

Claro que somos ambas as coisas, Anita:
Empecilhos e incomodativos porque estamos nos lugares onde eles vão ter de estar e porque ainda não chegou a vez de eles poderem incomodar o seu próprio bocadinho.
(Não é que eles não se esforcem, diga-se.)
Devíamos todos ir buscar "O drama de Jean Barrois" à estante e relê-lo com atenção. Se nós não aprendemos com os livros que os nossos avós escreveram, como queremos que eles aprendam connosco?
Beijinhos.