segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Os Portugueses, Caramba!


Dum modo geral, concordo até com as opiniões do autor. Permito-me reservar apenas o meu juízo quanto à reivindicação que o sr. dr. Boléo faz da Galiza e de parte das Astúrias para a costituïção do que seria o verdadeiro Portugal à face das determinantes geográficas. Não duvido de que essa teria sido uma grande Nação, um Portugal Maior, e até de que poderia ir mais longe, à Andaluzia, à África Menor, à Bretanha, à área da talassocracia ocidental do começo do bronze, o domínio dum grande Império Português do Ocidente, Atlântida magnífica dos tempos modernos.

Mas a geografia suscita muitos devaneios imperialistas, que na prática tem os seus perigos e as suas objecções. Fiquemos, pois, em que êste nosso Portugal, e não outro, êste portugal em que nascemos, em que vivemos, que servimos, que amamos, é pela vontade de Deus, da natureza e dos homens, o verdadeiro Portugal.

A. A. Mendes Corrêa, Raízes de Portugal, 1944


Sem título


quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Sem Título


Pronto!
Hoje é só um passante.
Não sei nada dele.
Nem donde vinha, nem para onde foi, nem o que ia a pensar.
Atravessou a rua na minha frente e nunca mais o vi.
Se o voltar a ver, pode ser que não o reconheça.
Foi, provavelmente, o milionésimo passante a atravessar uma rua na minha frente.
Mesmo sem ser cliente, podia ter direito a um brinde.
Este desenho, por exemplo.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Os defeitos do infiel

Caminhamos dous dias com a maior pressa que nos foi possiuel, posto que com trabalho, por razão das neues que neste logar começauâo a se passar com difficuldade; se não quando a outro dia pella menhâa chegaram a nós outros tres serranos, mandados pelo Gouernador da terra com grandes ameaças e medo aos que nos guiauão, se fossem mais por diante; dizendolhe que sua molher e filhos ficauão em estreita prizão, e seu fato confiscado; e se não voltasse, auião de morrer todos; e a mim com varias ameaças e medos, procurarão amedrontar, dizendo que meu companheiro, que estaua na aldeia, passaria muito mal, se eu logo não voltasse; e o fatinho que tinhamos, seria tomado por perdido, e sobre tudo que auia de morrer infalivelmente, se hia por diante, por não ser ainda tempo de passar aquelle deserto, com outras muitas cousas e espantos desta calidade. O serrano que nos guoiaua, voltou logo; e eu como tinha todas as informaçoens do caminho, me fui por diante com dous moços, por não se atreuerem tres que tinhão vindo a mais, que a nos mouerem com palauras. Inuocado o nome de Jesu e ajuda do Senhor, continuamos por diante; porém o trabalho que passamos foi muito excessiuo, porque nos acontecia muitas vezes ficar encrauados dentro na neue, hora até os hombros, hora até os peitos, de ordinario até o joelho, cançando a sair asima, mais do que se pode crer, e suando suores frios, vendonos não poucads vezes em risco de vida; muitas vezes nos era necessario ir por cima da neue com o corpo, como quem vai nadando...
Nos pes, mãos e rosto, não tinhamos sentimento, porque com o demasiado rigor do frio, ficauamos totalmente sem sentido; aconteceome pegando em não sei que, cahirme hum bom pedaço de dedo, sem eu dar fee disso, nem sentir a ferida, se não fora o muito sangue que della corria. Os pees foram apodrecendo de maneira, que de muy inchados, nolos queimauão depois com brazas viuas, e ferros abrazados, e com muy pouco sentimento nosso...
P. António Andrade, O descobrimento do Tibet

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

As margens do Mondego



Primeiro: 1894

Enquanto às suas ideias - não lhe parece que o nativismo e o tradicionalismo, como fins supremosdo esforço intelectual e artístico, são um tanto mesquinhos? A humanidade não está toda metida entre a margem do rio Minho e o cabo de Santa Maria - e um ser pensante não pode decentemente passar a existência a murmurar extaticamente que as margens do Mondego são belas! Por outro lado, o tradicionalismo em literatura já foi largamente experimentado, durante trinta largos anos, de 1830 a 1860 - e certamente não resultou dele aquela renovação moral que Portugal necessita e que o meu amigo dele espera.

[...] O dever dos homens de inteligência, num país abatido, tem de ser mais largo do que reconstruir em papel o castelo de Lanhoso ou chamar as almas a que venham escutar o rouxinóis do Choupal de Coimbra.

Eça de Queiroz, Correspondência, a Alberto de Oliveira, 1894


Segundo: 1925


Tinham dado a volta à cerca. Tornavam lentamente. Jorge insistia, arredava:

- Deixa lá os parques de Paris que, por muito belos que sejam, não valem para nós a beleza destas amigas árvores que nos viram crescer, nem a desses limoeiros entrèvadinhos que me fizeram chorar quando os tornei agora a ver. E não te desoles. Uma demão ligeira nestas coisas, alguma erva ruim mondada, uma tesoirada aqui e ali no arvoredo que se tornou bravio, e fica tudo como deve ser. E olha, Maria Clara, que é êste simples tratamento de que está precisando a nossa terra. O que isto está é maltratado, abafado pelo parasitismo nulo que tudo invadiu e não deixa vingar a boa semente. Crê, Maria Clara, é o alheamento dos bons valores que deixou chegar o nosso país a êste estado; e se não lhe acudirmos tôdos pode o desastre ser irremediável. Se há justos melindres que não permitem a colaboração em certos campos, ninguém tem o direito de se negar a contribuir para o bem-estar da sua pátria. Há melhor exemplo do que o teu, Maria Clara, com as tuas escólazinhas tão simpáticas e prestimosas?

Maria Clara acudiu modesta:

- Ora, um simples passatempo.

- Se todos tivéssemos dêsses passatempos, encontraríamos mais socêgo e mais alegria na vida. Aborrecemo-nos, justamente porque porque não temos artes para arquitectar a vida com atitudes belas. Quem não conhece o valor da vida é quase indigno de viver.

Pisavam de novo os tejolos gastos da varanda. Jorge deteve-se circumvagando a vista em roda. Da borda descortinavam-se as eminências majestosas da cidade, as Ursulinas, as Terezinhas, a Universidade, os rebaixos das encostas verdes do Seminário, e as cordilheiras longínquas, a leste, nas neblinas vagas. O ar transparecia em pureza diáfana e acarinhava como olôr tépido. A luz cendrava as coisas de contornos vaporosos, doirando-as.

- Mas basta de filosofias. Quando se contempla uma natureza tão bela o que apetece é adorar.

- Adorar mas é a Deus, daqui a pouco nos altares. E não podemos demorar-nos, notou Maria Clara.

Manuel Ribeiro, A Colina Sagrada, 1925

sábado, fevereiro 10, 2007

Manuel Ribeiro (1878 / 1941)

Ao "Deus não existe ou é cego", de Raúl Brandão, teremos, quem sabe, de acrescentar que, a não ser nenhuma dessas coisas, então está de má fé, como o homem que fez à Sua semelhança.
Não sei se não terá sido este o maior problema com que se defrontaram os jovens intelectuais saídos da república. Quando confrontados com as realidades duras da militância, os ideais, as utopias, as mais firmes doutrinas tendem a esboroar-se. As verdades mais evidentes, mais bem apoiadas pela observação, são constantemente postas em causa pela cegueira dos adversários. Teoria nenhuma, por mais bela, por mais altruísta, resiste às cedências, aos jogos políticos, aos acordos secretos.
"O idealista revolucionário", escreve Manuel Ribeiro em 1929, na carta-prefácio a Os Vínculos Eternos, "que não sem ironia a gíria social alcunha de puritano, por sua intransigência feroz em matéria de princípios, é um tipo curiosíssimo de rigidez austera, de sentimentalidade extrema, ingènuamente puro e simples, leal e franco..."
O próprio Manuel Ribeiro conheceu em primeira mão estas qualidades que atribui ao revolucionário. Ele próprio o foi, segundo reivindica: expulso da C.P. onde trabalhava, por militância anarco-sindicalista, colaborador de O Sindicalista e de A Batalha, e, posteriormente fundador de A Bandeira Vermelha, que era o órgão da Federação Maximalista Portuguesa.
Na década de 20, a sua trilogia social, A Catedral, O Deserto e Ressurreição, alcança um êxito inesperado ao traçar o percurso de Luciano, um arquitecto apaixonado pelas vetustezas da Sé de Lisboa, desde a arte da pedra até Deus.
Pouco depois foi reintegrado na C.P. e, posteriormente, transitou para a Biblioteca Nacional primeiro e a seguir para a Torre do Tombo como conservador.
Os Vínculos Eternos, que tenho vindo a citar, é o último livro de uma segunda trilogia, a trilogia nacional de que constam ainda Colina Sagrada e Planície Heróica. Desta trilogia, ainda não consegui encontrar a Planície Heróica.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Os Vínculos Eternos


- É verdade, sr. reitor! - exclamou Mateus com energia - Nada eu soubesse! Desse pouco que aprendi não recolho senão trabalhos, ralações, apoquentações! Valeu a pena! Antes ser como o José Pedroso que encara a vida como ela é e há-de acabá-la bem gozada! Mete-me inveja! Não lhe quero mal; não quero mal a pessoa nenhuma. Vivem todos como se deve viver, aí está! Eu é que falhei, porque não me adapto a nada...
O acento desconsolado que o rapaz pusera nas suas palavras, impressionou o padre que abanou tristemente a cabeça.
- Valeu bem a pena, valeu!
Contreiras, que se debatia numa crise sentimental, comoveu-se, exaltou-se.
- E o sr. nem faz ideia do que eu fui, do que eu passei, do que sofri, em pura perda, para me causticar agora a verdade scientífica, a rir-se do burlesco e do ridículo de tudo!... Arremessado na cidade, onde o prazer é feito com o sangue dos oprimidos, e todo o gôzo alicerça em dores obscuras, fui mais miserável que todos os miseráveis, por ser sensível e consciente. Tantas vezes errante sem guarida, tantas vezes faminto, escorraçado, só para resguardar sem mácula a flor sagrada de um nobre ideal! E puro, sr. reitor, grutescamente puro, para ter o orgulho de afrontar a crápula, e gozar esta alegria moral, tão boa, de nos sentirmos coerentes!
Manuel Ribeiro, Os vínculos eternos, 1929

terça-feira, fevereiro 06, 2007

AVISO:

A todos os bloguistas que costumam ser visitados por nós, se faz saber que, por motivos alheios à nossa vontade, a electrónica não tem permitido deixar os comentários que, por vezes, apetecia fazer.
Tal situação, que se deseja breve, não impedirá que passemos as nossas horas a passear pelos vossos blogues, com o prazer e o proveito do costume.
A bem do Portugal, Caramba,
a) Tacci

domingo, fevereiro 04, 2007

Um "emalho" do Sérgio de Sousa


«... a partir de meados do século que findara, nas grandes cidades do sul da Europa, cresceu significativamente o número das famílias constituídas por um casal e seus, poucos, filhos. A mulher passou a trabalhar também fora de casa, em escritórios. Num primeiro período cumulou sozinha o trabalho doméstico com o que exercia fora; a seguir, o homem foi chamado a colaborar na chamada lia da casa, primeiro como auxiliar, depois com responsabilidade em trabalhos repartidos.

A partir de então, lentamente passou-se a tentar atenuar as diferenças na educação entre a dirigida a filhos e filhas. Em casa todos tinham de contribuir para os desempenhos imprescindíveis à vivência comum: numa semana cabia ao filho por a mesa e á filha lavar a loiça, na semana seguinte estes papéis invertiam-se.

Sair á noite para se divertir deixou de ser uma prerrogativa exclusivamente masculina.

Não foi sem resistências que o modelo principiou a instalar-se, não sendo naturalmente do agrado dos rapazes, antes isentos das obrigações que impunha, mostrando-se por vezes as raparigas demasiado intolerantes quanto à mínima infracção que lhes fosse desfavorável, a realidade era que os próprios pais que procuravam impô-lo traziam incutidos hábitos que lhe eram contrários.

Franqueados às massas de raparigas da classe média o ensino secundário e posteriormente o superior, às que concluíam os estudos, empregos no sector terciário, elas logo compreenderam a oportunidade de se libertar de dependências seculares. Por instinto, protecção dos filhos, escolherão parceiros que acreditem lhes lhes conferirão segurança, mas ganharam confiança em si próprias, na sua capacidade de se sustentarem, de não terem de se precipitar em escolhas, de poderem corrigir passos em falso. Acedem com mais facilidade do que os rapazes às faculdadesa, tornam-se aí em maior número, obtêm boas notas.

Olham em volta. Vêem um mundo ainda dominado por homens em lugares chaves, mas vêem também que todos os dias uma mulher atinge um posto cimeiro, e isso inevitavelmente constitui um estímulo para todas.

Chegaram, numa parcela só do velho mundo, apenas para as integrantes de um estrato social, por enquanto, tempos de emancipação feminina.

E quanto aos rapazes que coabitam no mesmo meio? Há que reconhecer algum descalabro. Perderam o modelo, ainda não o substituiram, não sabem o que fazer com as suas vidas. Os seus pais não são mais os senhores ociosos credores dos prazeres terrenos. São seres que todos os dias cedem privilégios face ás reivindicações femininas, perdem espaços, autoridade, autonomia. Muitos rapazes olham para tudo isso com uma sensação de desamparo e de revolta.

Os machos acomodaram-se numa soberba que, quando as fêmeas lha não acalentam, os deixa desorientados.»

Sérgio de Sousa, Na boda

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Alicante

Une orange sur la table
Ta robe sur le tapis
Et toi dans mon lit
Doux présent du présent
Fraicheur de la nuit
Chaleur de ma vie.
Jaques Prévert, Paroles