- É verdade, sr. reitor! - exclamou Mateus com energia - Nada eu soubesse! Desse pouco que aprendi não recolho senão trabalhos, ralações, apoquentações! Valeu a pena! Antes ser como o José Pedroso que encara a vida como ela é e há-de acabá-la bem gozada! Mete-me inveja! Não lhe quero mal; não quero mal a pessoa nenhuma. Vivem todos como se deve viver, aí está! Eu é que falhei, porque não me adapto a nada...
O acento desconsolado que o rapaz pusera nas suas palavras, impressionou o padre que abanou tristemente a cabeça.
- Valeu bem a pena, valeu!
Contreiras, que se debatia numa crise sentimental, comoveu-se, exaltou-se.
- E o sr. nem faz ideia do que eu fui, do que eu passei, do que sofri, em pura perda, para me causticar agora a verdade scientífica, a rir-se do burlesco e do ridículo de tudo!... Arremessado na cidade, onde o prazer é feito com o sangue dos oprimidos, e todo o gôzo alicerça em dores obscuras, fui mais miserável que todos os miseráveis, por ser sensível e consciente. Tantas vezes errante sem guarida, tantas vezes faminto, escorraçado, só para resguardar sem mácula a flor sagrada de um nobre ideal! E puro, sr. reitor, grutescamente puro, para ter o orgulho de afrontar a crápula, e gozar esta alegria moral, tão boa, de nos sentirmos coerentes!
Manuel Ribeiro, Os vínculos eternos, 1929
5 comentários:
"(...) fui mais miserável que todos os miseráveis, por ser sensível e consciente. (...)E puro, sr. reitor, grutescamente puro, para ter o orgulho de afrontar a crápula, e gozar esta alegria moral, tão boa, de nos sentirmos coerentes!"
Está tudo dito!! Amei o post!! :D
*beijinhossss* Tacci
Quem é coerente? O percurso da Zita Seabra? :O)
Bijinhos Tacci, bom fim de semana
Moonoom: ando vidrado no manuel Ribeiro. O percurso dele próprio é exemplar e, receio, perturbante. Estou a tentar fazer uma pequenina biografia dele, muito resumida para um próximo post, mas sempre lhe digo que ter uma consciência clara, como ele, não o ajudou muito a mantê-la limpa. Um beijinho para si, Cláudia.
Sabe, Gi, a Zita Seabra não está aqui como pessoa, claro, não teria importância para isso. Está assim, a modos que, como o Pôncio Pilatos no credo: para servir de símbolo, neste caso a um tipo de percurso, o dos que mandaram a pureza às malvas. Porque o fizeram? Não sei. E que pureza era essa? Era um orgulho genuíno ou era só uma vaidadezinha? Também não sei, mas
é o que eu gostava de captar. Desconfio de que está acima da minha compreensão, mas, que hei-de fazer?
Beijinhos, Gi.
Tacci, creio ter entendido a sua intenção e também não sei as respostas ao que procura.
Noite feliz Tacci, um beijinho
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