Primeiro: 1894
Enquanto às suas ideias - não lhe parece que o nativismo e o tradicionalismo, como fins supremosdo esforço intelectual e artístico, são um tanto mesquinhos? A humanidade não está toda metida entre a margem do rio Minho e o cabo de Santa Maria - e um ser pensante não pode decentemente passar a existência a murmurar extaticamente que as margens do Mondego são belas! Por outro lado, o tradicionalismo em literatura já foi largamente experimentado, durante trinta largos anos, de 1830 a 1860 - e certamente não resultou dele aquela renovação moral que Portugal necessita e que o meu amigo dele espera.
[...] O dever dos homens de inteligência, num país abatido, tem de ser mais largo do que reconstruir em papel o castelo de Lanhoso ou chamar as almas a que venham escutar o rouxinóis do Choupal de Coimbra.
Eça de Queiroz, Correspondência, a Alberto de Oliveira, 1894
Segundo: 1925
Tinham dado a volta à cerca. Tornavam lentamente. Jorge insistia, arredava:
- Deixa lá os parques de Paris que, por muito belos que sejam, não valem para nós a beleza destas amigas árvores que nos viram crescer, nem a desses limoeiros entrèvadinhos que me fizeram chorar quando os tornei agora a ver. E não te desoles. Uma demão ligeira nestas coisas, alguma erva ruim mondada, uma tesoirada aqui e ali no arvoredo que se tornou bravio, e fica tudo como deve ser. E olha, Maria Clara, que é êste simples tratamento de que está precisando a nossa terra. O que isto está é maltratado, abafado pelo parasitismo nulo que tudo invadiu e não deixa vingar a boa semente. Crê, Maria Clara, é o alheamento dos bons valores que deixou chegar o nosso país a êste estado; e se não lhe acudirmos tôdos pode o desastre ser irremediável. Se há justos melindres que não permitem a colaboração em certos campos, ninguém tem o direito de se negar a contribuir para o bem-estar da sua pátria. Há melhor exemplo do que o teu, Maria Clara, com as tuas escólazinhas tão simpáticas e prestimosas?
Maria Clara acudiu modesta:
- Ora, um simples passatempo.
- Se todos tivéssemos dêsses passatempos, encontraríamos mais socêgo e mais alegria na vida. Aborrecemo-nos, justamente porque porque não temos artes para arquitectar a vida com atitudes belas. Quem não conhece o valor da vida é quase indigno de viver.
Pisavam de novo os tejolos gastos da varanda. Jorge deteve-se circumvagando a vista em roda. Da borda descortinavam-se as eminências majestosas da cidade, as Ursulinas, as Terezinhas, a Universidade, os rebaixos das encostas verdes do Seminário, e as cordilheiras longínquas, a leste, nas neblinas vagas. O ar transparecia em pureza diáfana e acarinhava como olôr tépido. A luz cendrava as coisas de contornos vaporosos, doirando-as.
- Mas basta de filosofias. Quando se contempla uma natureza tão bela o que apetece é adorar.
- Adorar mas é a Deus, daqui a pouco nos altares. E não podemos demorar-nos, notou Maria Clara.
Manuel Ribeiro, A Colina Sagrada, 1925
6 comentários:
Tão antigo e contudo tão actual.
Bom fim de semana Tacci, não estou em boa forma mas não podia deixar esquecido este meu amigo. Beijinho
Tenho muita pena que não se sinta bem, Gi. Já tinha sentido a sua falta, mas pensei que era assim um pouco como eu nos tempos do meu primeiro emprego, quando faltava "por motivos de saúde": tanto podia faltar por estar doente, claro, como por estar "cheio de saúde" e, obviamente, me apetecer tudo menos trabalhar para o Estado (era no tempo em que nós dizíamos que «quem rouba ao Estado, empresta a Deus»). Eram os dias mais saborosos: eu ia pela rua abaixo, regra geral num dia de sol resplandecente, afrouxava antes de entrar na minha pequena escravatura e zás! Acelerava, passando em frente da porta como um raio, cheio de má consciência e de alívio, ao mesmo tempo. Depois ia passear para os lados das Janelas Verdes, tomava outro pequeno almoço mais vagaroso num cafezinho do Largo de Santos, demorava-me a ver o Ecce Homo e os Painéis no Museu de Arte Antiga. A seguir tomava um autocarro para ir almoçar à Av. de Roma com os amigos que calhasse estarem por lá.
Claro que, no dia seguinte, havia que retomar a rotina. Mas, lá por trás, tinha ficado uma espécie de sorrisinho de completude anarquista e subversiva...
Tinha esperança de que a sua ausência (mesmo se relativa) se devesse a qualquer coisa de parecido.
Mas pronto: hoje já é um outro dia e já há-de sentir-se bem.
Beijinhos, Gi.
Obrigado por não me ter deixado esquecido e, sobretudo, pela sua amizade.
Tacci, não há uma sem duas nem duas sem 3! Já vou na segunda que mais me irá acontecer? Tenho o aceeso bloqueado a todos os mail's google onde se inclui o do acesso ao blogue, não sei sequer se o conseguirei recuperar ou quando. Fiquei sem o meu companheiro de insónias e estou tão aborrecida que nem um livro consigo ler, coisa rarissima mas que aconteceu.
Vou passando por aqui, no meu só posso oferecer um passeio por meses anteriores, nada de novo :(
Beijinho Tacci
Gi, se não fosse a tristeza que isso lhe causa, até nos podíamos regozijar por esta pausa. É, mal acomparado, como quando a professora apanha uma gripe: os alunos suspiram porque assim sempre podem recuperar a matéria em atrazo.
(Blhehk! nunca vi um aluno que fizesse tal coisa, mas enfim! Espero que valha a intenção.)
Eu, pelo menos, vou dar uma espreitadela às coisas mais antigas. A Gi, por seu lado, está dispensada de responder aos comentários que eu por lá deixar. Combinado?
Um beijinho e estimo o pronto restabelecimento do seu blog.
E olhe, Gi, se este não se concertar, faça outro. Há mais blogues do que marinheiros, não é?
Mas avise, se fizer favor: odiaria perder a sua amizade.
E, pronto, se não for abuso, outro beijinho.
Meu Deus! Já nem sei escrever!
Atraso com "z"! Já estou a dar voltas de joelhos ao dicionário, em sinal de penitência.
LOL, precisava mesmo de me rir Tacci. Eu também costumo fazer flexões mentais em sinal de penitência :O)
Um beijinho e muito obrigada
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