Fernanda de Castro, Mariazinha em Africa, seguido de Novas Aventuras de Mariazinha, Círculo de Leitores, 2007
Nunca tinha lido nenhuma das Mariazinhas, mas, lá por casa, contavam-se episódios, sobretudo os do cozinheiro Vicente, guineense que, no fim do livro, obtém licença para acompanhar a família de volta a Portugal.
A cena que melhor recordava, de todas as que me terão sido contadas, fui achá-la na sequela já europeia das aventuras da Mariazinha:
A Mãe - referida sempre como «a mãe» - resolveu ir a Lisboa às compras e levar a Mariazinha e o Vicente, 'este último', explica a autora, 'para as ajudar a carregar com os embrulhos.'
Mas quando voltam para casa - moravam numa quinta na outra banda e nos anos vinte do século passado não havia ainda ponte sobre o Tejo - não trazem o Vicente.
'- Fizemos bastantes compras', explica a «mãe», 'e como já estávamos muito carregadas, entreguei os embrulhos ao Vicente e disse-lhe que esperasse no elevador de Santa Justa. Não sei o que aconteceu, mas esperámos quase duas horas e a respeito de Vicente, nada!'
Mais duas horas se passam e o Vicente lá aparece, 'extenuado, com os embrulhos feitos num figo, descalso, de botas na mão, nem quase podia falar!'
O que tinha acontecido? O Vicente esperou no elevador, como lhe tinham ordenado, e ninguém o veio buscar:
'Inlivador pra baixo, inlivador pra cima, mim dentro inlivador, branco ladrão tirar dois tostões pra baixo, dois tostões pra cima, mim gastar tostão todo, mim ter fome, mim doer pé, mim ser coitado, mim querer ir Guiné!' (Novas aventuras, pags. 173 e 181)
Mas o que mais me espanta nestas historinhas para crianças é a ingénua tranquilidade com que se narra o impensável:
Devido, provavelmente a um aterro feito 'por detrás da Alfândega' uma epidemia misteriosa assola Bolama, então o principal porto e a capital da Guiné. Ataca de preferência os brancos, que inconveniência, o que não impede 'Mamadi, o pretinho Mamadi,' de estar quinze dias 'entre a vida e a morte'.
'- É um pavor! - dissera o médico. - Só chega um barco por mês e não há recursos, não há enfermarias, não há camas bastantes! E o pior... - acrescentara - o pior, meu caro amigo, é que o quinino está a acabar!
(...) 'O pai de Mariazinha, que era um homem previdente, logo que começaram a aparecer os primeiros casos do estranho mal, telegrafou imediatamente para Lisboa a fim de marcar lugares no primeiro barco que passasse por Bolama com rumo a Portugal. E, como já tinha direito a licença, fácilmente conseguiu autorização do ministério para acompanhar a mulher e os filhos.' (Mariazinha, pags. 90 e 91)
E Fernanda de Castro dedica as restantes páginas do capítulo a descrever a debandada dos valorosos colonos, na esteira das Autoridades como o Pai da Mariazinha que era o comandante do porto, ou o Governador, que se apressa a mandar também a filha embora.
Não creio que seja preciso dizer muito mais.
Só que me foi muito simpático encontrar estas historinhas que fizeram, em tempos muito idos, os encantos da ainda menina, senhora minha Mãe.
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