Arrumar livros é um dos maiores prazeres que Deus Nosso Senhor inventou.
Abre-se uma mala, daquelas de madeira, com os cantos reforçados a lata e ripas ao comprimento, e fica-se sentado no chão, a reler os livros da nossa infância; perdemo-nos nas velhas colecções Branca da Clássica Editora, ou na "Civilização" (séries Amarela ou Azul) das nossas avós. Descobrimos autores com que nem sonhávamos.
Por exemplo, Octávio Sérgio, que escreveu este livro e lhe desenhou a capa:
E lê-se:
"...Depois as nossas bocas colavam-se num grande beijo, e eu, nervos lassos, adormecia no aconchêgo deliciosamente môrno dos braços da minha amante, de bem com Deus e com os homens (...)!
Decorriam venturosos êsses dias de Setembro de 1928, que agora, volvidos dois lustros, vou rememorando na amargura da saüdade.
A tolice expia-se confessando-a e relembrando-a, dizia Camilo, que entendia de tolices e amarguras. Eu, sempre que posso, trago estas recordações a molde, porque sinto depois a consciência mais leveira.
A Santa Madre Igreja, instituindo a confissão, sabia bem que de um malandrim raro se faz um santo, mas entendeu que o pecador, emquanto se alivia, não comete outro pecado além do gôzo que sente em relembrar os que já lá vão.
Nisto não diferem os novelistas dos católicos praticantes.
Eu trago, sempre que posso, estas recordações à balha, porque assim torno a viver um pouco. Nenhuma espécie de arrependimento me move à confissão. Peco quando recordo, porque sinto ainda na epiderme o contacto môrno dos lábios de Milu.
Os pecados lembram muito mais do que as virtudes. Por isso é que a Igreja manda confessar os pecados e não as virtudes."
Octávio Sérgio, A Quimera, pags. 77 e 78, 1938
2 comentários:
"Pécher n'est pas faire le mal. Le vrai péché, c'est de ne pas faire le bien."
Pasolini
Ná, o Pasolini não me convence: fazer o mal é o pior dos pecados, não fazer o bem é só a pior das vergonhas.
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