quarta-feira, abril 09, 2008

A Batalha de Não-sei-onde e os anos da Gi


Carlinhos - Heu... a gente vinha... quer dizer, a gente queria era vir e ser assim os primeiros, tá a ver, S'Dona Gi? Mas ela, ali, a Magrizela, ficou a experimentar saias e a dizer que as flores eram chungosas e isso. Só o Trabuco, que é aquela ratazana a fingir de cão que o Zé Nesgas arranjou, tá ver, S'Dona Gi, ele ficou a roer-se de inveja de eu ter a Magrizela...
Zé Nesgas - Tu? Tens o quê, man? Tu tens é pregos...
Carlinhos - Da-hã... Tu não estás flipado, assim do neurónio, nem nada? Deixaste ou não deixaste que o teu Trabuco trouxesse o osso para dar à Dona Gi?
Zé Nesgas - Oh pra ele! Man, pá, tou admirado! O génio chegou aí e faltou-lhe o gasóleo. (pausa) Charlie, man, tu não tás é a ver: o Trabuco trazia o que lá tinha de melhor, o mais saboroso, man, o mais suculento.
Carlinhos - Pois, e o mais aromático... Era cá um aroma que até apagava a chama olímpica, nem era preciso ser solidário com o Tibete.
Zé Nesgas - Tibete. Ah... pois, não me tinha lembrado... Mas sabes? Havia de se fazer um congresso pra arranjar um mais burro qu'a tu e n'haviam de conseguir.
Carlinhos (agarrando o Zé Nesgas pelas bandas do casaco) - Ah é?
(Envolvem-se numa bela escaramuça, qual de baixo qual de cima.)
Magrizela (suspirando ruidosamente:) - Desculpe, Gi. Nós vínhamos só para lhe dar os parabéns e trazer-lhe estas florinhas... Mas, desde que eu deixei de ser cadela, aqueles dois são piores que o gato e o rato. Fiz quinze anos, se continuasse cão estava à beira de morrer, tinha acabado o que quer que por cá andasse a fazer... Não me queixo de me ter tornado mulher, claro. Viverei mais quatro ou cinco vidas de cão, ainda não sei a que preço. Poderei ter filhos outra vez, e outra, e outra, daquele tonto do Carlinhos, em calhando...
Mas tive de aprender a negociar o tempo. E eu... eu tenho aprendido umas coisas, sabe? Uso o sutiã número trinta e quatro B, os sapatos trinta e seis, e tenho de tomar a pílula para que não nasçam cachorrinhos antes de termos tudo o que é preciso para os amarmos. Sei estas coisas, mas não sei porquê. Cada dia tem de se aprender uma nova regra, um canon novo, um novo preceito. É como, tá a ver, é como se a vida fosse uma coisa assim miudinha. Mas o porquê, o porquê último, isso que era evidente quando eu era só uma cadela... a Gi sabe? A Gi sabe se os homenzinhos amarelentos que nos cobrem fazem alguma ideia sobre isso?
E pronto, aqueles patetas já acabaram de brigar... São tão queridos e tão tolinhos, não são?
Olha, enquanto eles não chegam: muitas felicidades para ti, para os teus cachorrinhos e para os cachorrinhos dos teus cachorrinhos...
Carlinhos - Desculpe, S'Dona Gi.
Zé Nesgas - Tem de dar o desconto, ele é parvo.
Carlinhos - Outra vez?
Zé Nesgas - Outra vez o quê? Não percebes que tu és como aqueles cartões do supermercado? Tem cartão interpingo-modelo? Ao fim de cinquenta pontos, zás, temos direito a dar-te uma no focinho?
Carlinhos - E tu, não sabes que tu és do género férias em Punta Cana? Esmurra-se já e paga-se em vinte anos?
Magrizela - Nossa Senhora! (Canta:) Parabéns para a Gi, nesta data querida...
Zé Nesgas (emendando:) - Parabéns a você! Parabéns a você é que é!
Carlinhos - ~Você? Você é estrebaria, ó mongas...
Cai o pano. Em fundo ouve-se discutir enquanto a Magrizela canta o «Parabéns para si».

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