Meu caro/a Sr./a Álvaro/a Silva (1):
Recebi da filial da instituição bancária que V. Exª/º dirige, um questionário impresso.
No seu (dele) antecipadamente grato preâmbulo, explica o dito impresso que a minha colaboração é pedida para dar cumprimento ao Aviso nº 11/2005 do Banco de Portugal.
Não querendo duvidar da vossa competência profissional, estranho que tenham decorrido três anos desde a emissão do Aviso e este vosso pedido de colaboração.
Demorou assim tanto tempo a elaborar o questionário? Acredito que sim, porque acredito também nas virtudes da ponderação.
E, de facto, reparo que ponderaram atentamente as eventuais susceptibilidades dos vossos clientes. A abrir a carta deparei logo com a expressão «Caro/a Cliente». Dado que o meu nome no envelope é claramente masculino, e não podendo supor que V. Exª/º não se tenha dado ao trabalho de o ler, interpreto essa fórmula de tratamento como propositada para respeitar uma possível identidade de género alternativa. Agradeço a atenção e, desconhecendo por meu lado a orientação sexual de V. Exª/º retribuí da melhor forma possível como constatou supra.
Perdoe-me V. Exª/º este longo intróito, que eu vou já à substância desta carta.
Sou cliente da vossa instituição há tantos e tantos anos que muito me espanta que venha agora perguntar-me coisas do tipo como me chamo e onde moro - bastava terem guardado fotocópia do envelope que me enviaram, não? - data do nascimento e profissão, se estou activo ou reformado, rendimentos e habilitações literárias... - tudo coisas que constam nos inúmeros papéis que V. Exªs me enviam regularmente ou dos contratos que convosco firmei; e não creio que alguma das coisas que me perguntam seja omissa da minha ficha de cliente. Que alguns dos vossos Administradores não necessitem de saber ler, não me parece grave. Não acredito, porém, que os jovens futuros executivos que mourejam atrás das vossas secretárias (honnit soit...), não possuam pelo menos um par de pós-graduações. Porque não recolhem eles os dados do vosso próprio ficheiro?
Espero, evidentemente, que nessas fichas não constem coisas como Automóvel, sim, não, ou ocupação dos tempos livres (Hobbies). Já viu V. Exª/º quanto me envergonharia o meu pobre Fiat Uno de 1987 se constasse lá em vez de um BMW? E já imaginou V. Exª/º como eu coro só de pensar que, acidentalmente, uma das vossas Secretárias, Doutoras ou Empregadas da Limpeza leria na minha ficha, que passo os meus tempos livres na internet a ver filmes pornográficos?
Perdoe-me, portanto, esta recusa envergonhada às curiosidades indiscretas do vosso inquérito.
Deixei para o fim uma dolorosa questão.
Desculpe, mas ainda não tinha sido insultado tão gravemente desde que o segurança de uma loja me proibiu de entrar sem selar o saco onde eu trazia um pobre par de botas acabadinho de comprar noutro lado.
- Ah, é porque há muitos roubos..., explicou ele embaraçado porque eu lhe disse claramente que não o autorizava a mexer nas minhas compras.
- E está a chamar-me ladrão?, perguntei eu com cara de poucos amigos.
- Ah, são ordens...
- Então diga ao seu patrão que acaba de perder um cliente.
E saí pela porta fora. Até hoje.
Do mesmo modo, Exmº/ª Senhor/a, tenho de lhe fazer esta pergunta: para que é que no seu questionário me pedem documentos comprovativos da minha morada e do meu número de contribuinte, da profissão, etc.?
Documentos comprovativos de quê? De que as minhas eventuais respostas são verdadeiras? Mas não é suposto que eu, cliente, seja uma pessoa honesta e verdadeira e não tenho o direito de ser assim tratado?
Em resumo, a minha pergunta é simples: é mentiroso o que me está a chamar?
Com os melhores votos de sucesso profissional para si e todos os seus colaboradores e aguardando uma resposta a estas dúvidas, sou, de V. Exª/º atentamente
a) Tacci (2)
1) Nome fictício, claro. Não sou nenhum denunciante.
2) Heterónimo, como já sabem.
4 comentários:
Boa! Tacci, dá-lhes que eles precisam.
O desenho magnífico, como sempre
Devias dizer isso ao meu gerente de conta também.
Um abraço.
Tacci,
Caro Amigo como pensas que os pobres administradores, gerentes e sub-ge-
rentes de dependência ganham os seus parcos salários? Como sabes, manda quem pode e obedece quem deve. Eles, dos mais mal pagos do país têm de obedecer para conservarem o postinho de trabalho, melhor do que ficar ao postigo e casa. Como amigo peço-te um pouco de clemência para estes pobres de deus cuja inteligência se manifes-
no cumprimento atento, venerando e canino das ordens superiormente de-
terminadas, a bem da nação... eles, coitados, nem fazem por mal, mas tão só porque não sabem. Depois, sejamos claros, tão mal pagos o que fazer. Abraço
Meu caro Kohacircle:
Tens razão!Hei-de fazer penitência um dia destes. Mas, como dizia o outro:
"Lá que há uma explicação perfeitamente racional para os lucros da banca continuarem a crescer quando toda a gente grita que estamos numa crise do escafandro, lá isso é verdade.
Mas também não é menos verdade que ninguém a entende."
E até eu perceber bem, mas bem, olha, vingo-me no gerente e no sub-gerente.
Um abraço.
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