Margarida Calafate Ribeiro, África no Feminino, As mulheres portuguesas e a guerra colonial, Porto, Afrontamento, 2007
É uma recolha de depoimentos de mulheres que acompanharam os seus maridos nas mobilizações para as colónias, Angola, Guiné e Moçambique sobretudo. Esposas de soldados, portanto, militares de carreira e oficiais na sua maioria.
Pode ser uma limitação deste trabalho de Margarida Calafate Ribeiro. Ou talvez não. Poderíamos ter sido informados de quais os critérios da recolha e, já agora, dos critérios de transcrição. São depoimentos orais, gravados e trancritos? São depoimentos escritos? Como foram escolhidas estas mulheres para participarem nesta compilação? Que problemas lhe suscitou o método adoptado? Viu-se obrigada a rever a metodologia?
Enfim, Margarida C. Ribeiro não nos diz e é pena. Seria um livro completo. Assim é apenas muito interessante, se "apenas" se aplicar a um caso destes.
Com a devida vénia, transcrevo uns pedacinhos, quase ao acaso, para dar uma amostra daquilo que pareceu mais importante. Mas é melhor ler o livro todo, claro.
Depoimento IV:
"Disse-lhe: «Já viu? Morreu um homem e as pessoas fizeram a festa e fizeram o baile?!», e ele respondeu-me: «Em que planeta é que você está? Em que planeta é que você está? Já leu hoje o jornal? Já leu hoje o jornal?» Eu respondi: «Li». E ele disse-me: «Alguma vez, desde que chegou aqui a Angola, viu alguma notícia de guerra no jornal? Alguma vez ouviu falar de guerra?!", «Esta gente...» - não estava lá mais ninguém, estávamos os dois sozinhos - «... esta gente alguma vez fala da guerra?! Para eles a guerra existe?! A guerra não existe, não percebeu?». (pag. 93)
Depoimento III:
"Na rua onde eu morava havia o comando da polícia uns metros abaixo. Parecia uma polícia normal, mas o que é certo é que se ouviam os gritos. Eu lembro-me de diariamente, durante a noite, haver gritos lancinantes! Era impossível não ouvir, mas ninguém falava nisso, ninguém sequer comentava aquelas noites rasgadas de gritos." (pag. 76)
"O regresso não foi, portanto, brilhante. Perante todas as convulsões e confrontado com determinadas situações, o meu marido recomeçou a ter medo e recomeçou a beber. Lembro-me de ele começar a beber de manhã, por volta das dez horas, e tornou-se extremamente agressivo. Começou a maltratar sobretudo o filho que sempre rejeitou e a mim. E a partir de 78-79, 80-81, até 84, foi a pior guerra que eu vivi." (pag. 81)
Depoimento XVI:
"Para todos nós, acho que esse tempo africano é um tempo de saudade e foi muito importante estarmos sempre juntos. Na altura, os meus filhos não se aperceberam da guerra, do que era a guerra, porque a guerra não se sentia no nosso dia-a-dia."
2 comentários:
a selecção das transcrições são muito acutilantes.
Olá! Obrigado pelo elogio. Espero que a autora também ache.
Um abraço.
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