quarta-feira, agosto 01, 2007

África, Mariazinha em

Cristina Malhão-Pereira, Venturas e aventuras em África, Porto, Civilização Editora, 2007

Não sei, mas, em calhando, a Fernanda de Castro, em Mariazinha em África, criou um dos mais curiosos mitos da nossa cultura recente, ou, se preferirmos, um dos mais retorcidos caminhos (sem saída, claro) do nosso Labirinto da saudade.
A imagem é bonita: a menina de vestidinho branco, os longos cabelos apanhados em laços ou soltos pelos ombros, o largo chapéu de palha, quando não mesmo um capacete colonial, para que não lhe amareleça a cútis. Em fundo, pode vir a Mãe preta, espécie de baby-sitter colonial, ou o menino negro, também ele uma espécie brinquedo descartável quando a Mariazinha crescer.
É claro que a Mariazinha tem de pertencer à classe dominante, àquela onde os Governadores são recrutados, e num futuro não muito longínquo casará com um militar. Não será bem uma Lady Mountbatten, mas jogará as suas partidas de ténis com uma saiita branca e, se tiver sorte, habituar-se-á a montar.

O livro de Maria Cristina Malhão-Pereira é um livro de esposa, esposa de um oficial de Marinha, primeiro na Guiné - 1969-1970 - e em Moçambique depois, até 75.
O padrão «Mariazinha no baile do Governador» ou «Mariazinha vai à caça dos leões», embora adaptado a países ocupados militarmente, com guerras sabe Deus onde, lá para o mato onde estoiram minas e o perigo espreita o nosso marido, é seguido tão à risca quanto possível. À consciência da superioridede moral e civilizacional sempre presente, vem, no entanto, juntar-se, uma vez por outra, a sombra de uma dúvida:
"Nem queria pensar que ia ficar ali, na praça da Bajuda, sozinha e de noite", narra a autora. "Estava quase a chorar, quando vi um taxi a dar a volta na rotunda. Fiz-lhe sinal, mas do outro lado adiantou-se um africano enorme, de balandrau branco até aos pés, cofió na cabeça e ar altivo.
"Quando o vi já dentro do carro, o meu desapontamento não podia ter sido maior. Mas, o taxi aproximou-se de mim e parou. Fiquei varada de susto. O homem do cofió saiu e disse-me que me cedia o taxi, pois eu estava com uma criança e, como era perto do médico, se calhar doente. Fiquei ainda mais receosa com aquela atitude pouco usual. [...] Ele sorriu com uma ar entendedor, delicado e ao mesmo tempo muito triste, pois percebera muitíssimo bem toda a minha atitude. Fiquei desconfortável, chocada comigo mesma..." (pag. 39)
Mas à desconfiança, ao desconforto, pode seguir-se uma verdadeira esperança:
"Tive a certeza, que grande parte dos meus dias no futuro se passar iam naquela lindíssima praia."
"[...] Fomos logo nesse dia convidados para vários eventos sociais a ter lugar durante a competição de pesca e ficou assente que iríamos, passados dias, ao jantar de distribuição de prémios. Todo aquele colorido e animação fizeram com que encarasse os quatro anos a passar em Moçambique como, com certeza, muito agradáveis." (pag. 159)

Enfim, apesar do tom em «Eu Maior», é um livrinho bom de se ler, e simpático, ainda por cima.

2 comentários:

mulher disse...

Agora jás podes ler o livro da Fernanda de Castro :)- Espero ansiosamente um post sobre esse livro. Beijinhos. A sério ;)

tacci disse...

Obrigado, Anita.
Um pouco mais acima já o terás.
Um abraço.