Podiam ser índias, sudanesas, kurdas, iraquianas.
Eram judías.
Viveram.
A luz no seu rosto,
é causa ou é consequência?
Não sei de nada mais que se possa dizer. O Manuel Bandeira disse tudo, há já muitos anos, e eu só torci um bocadinho as palavras que ele usou:
Irena polaca, Irena boa,
Irena sempre de bom humor.
Imagino Irena entrando no céu:
- Licença meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irena. Você não precisa pedir licença.
6 comentários:
A luz no rosto de Irena Velha admito mais que seja consequência: eles não se vergavam pela luz do rosto de ninguém.
"Dêem-lhe mais cinco minutos e ele cairia seguramente na valeta alemã e morreria. todos eles deixariam, e todos eles ficariam a ver.
Então, um humano
Hans Hubermann
Aconteceu tão depressa. Abriu caminho por entre as pessoas, até à rua.
O Judeu encontrava-se diante dele, esperando nova dose de escárnio, mas viu, como todas as outras pessoas, Hans Hubermann estender a mao e aoresentar um bocado de pão, como se fosse magia.
Outros judeus foram passando, todos contemplando aquele pequeno milagre inútil.
Quando ele mudou de mãos, o judeu abateu-se. Tombou de joelhos e segurou-se às canelas do papá. Enterrou a cara no meio delas e agradeceu-lhe
Quando o judeu idoso se ergueu dolorosamente pela última vez e prosseguiu, olhou um instante para trás. Quanto mais não fosse o velho morreria como humano. Ou oelo menos, com o pensamento de que era humano"
Markus Zusak A Rapariga Que Roubava Livros
Luz, aqui, se calhar, é apenas uma metáfora, Graza.
Mas eu julgo que é uma metáfora que se vê.
Talvez o rosto da Irena novinha mostre essa luz-Causa, causa de ter salvo crianças, todas quantas poude, de ter deixado que lhe partissem os braços e as pernas e o mais que se adivinha, para não revelar onde as tinha escondido. A luz - ou o que eu chamo luz - creio que vem da «compaixão», a capacidade de viver a alegria e a dor dos outros.
Talvez o rosto da Irena velha reflicta apenas a paz da pessoa sabedora de que não vendeu a sua humanidade e de que podia ter morrido por isso.
Mas, se calhar, estou a imaginar coisas.
Era mais fácil supor que a polaca salvava as crianças para as vender a um banco de órgãos e ficou muito rica com isso. Se resistiu à tortura foi para não revelar debaixo de que colchão tinha enfiado as barras de oiro... É o tipo de filme que Hollyhood faria, como fez o Titanic com toda a gente a bater-se para um lugar nas baleeiras. E nós aceitaríamos melhor as nossas pequenas baixezas:
afinal, não há heróis, pois não?
Mas, ao ver as fotografias, tanto de velhinha, como de rapariguinha nova, eu não consigo ver isso.
Um abraço, Graza, e desculpe este arrazoado.
Um dos meus piores defeitos é ficar tanto mais feliz quanto mais descarrilo.
"Quanto mais não fosse, o velho morreria como humano. Ou, pelo menos, com o pensamento de que era humano..."
Obrigado por este texto, Anita.
Acredito que a «compaixão», no sentido que usei há uns posts atrás, a propósito da Aung San Suu Kyi, é dispensadora de humanidade.
Mas não gosto desta palavra «dispensar».
Ela confere, ela dá, faz do outro uma pessoa, por mais na fossa que ela esteja, por mais que a sua humanidade tenha sido desfeita - como no caso do velho judeu.
Mas aqui estou no limite do que julgo saber e do que sei que não consigo distinguir.
Um abraço.
Os dois rostos refletem da mesma forma essa luz metafórica a que também eu me referia, mas perante a probabilidade “daquela” causa que me levaria a outros ligações, e a certeza de um efeito, passei então a referir-me aos efeito/consequência dos actos da Irena nova, no rosto da Irena velha, o que não invalida que não me tenha detido, e achado existir no rosto daquela jovem a certeza de que teria ainda alguma tarefa nobre na vida.
Julgo que os seus actos (ou atos ?!) heróicos terão sido praticados alguns anos mais tarde, ela ali era ainda só novinha.
Saudações
O heroísmo é um pouco como a santidade e a justiça. O Graza lembra-se da peça do Camus, «Os Justos»? A justiça é o que fazem os homens justos. Os actos heróicos não serão um pouco a mesma coisa?
A minha esperança é que ser justo, ser santo ou ser herói, sejam qualquer coisa de profundamente humano, à espera somente de uma oportunidade para se actualizarem.
A Irena teve a sua oportunidade e não a deixou fugir, porque se assumiu como pessoa.
Muitos de nós teríamos encolhido os ombros, resmungado que não era nada connosco e desperdiçado a oportunidade de ser plenamente gente. É uma espécie de traição a si mesmo, à nossa própria humanidade, muito antes (ou em simultêneo?) de ser traição ao próximo.
Agrada-me pensar que essa inteira firmeza de carácter transparece no rosto da Irena jovem como uma disposição para. É a Irena-Causa.
E transparece no rosto da Irena avó. É a Irena-consequência.
É aqui o ponto em que se encontram a beleza e a bondade. I hope.
Um abraço, graza.
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