sexta-feira, maio 30, 2008

Questões de constitucionalidade

A Congregação para a Doutrina da Fé, que Sua Santidade o Papa Bento XVI superiormente dirigiu até à sua eleição, parece ter publicado um decreto, daqueles da Santa Sé, com efeitos imediatos, a proibir terminantemente, e sob pena de excomunhão, a ordenação das mulheres.
Isto dizer que o femeaço, essa metade da humanidade que faz o favor de dar á luz todo o resto, está excluído de um dos Sacramentos divinos: a ordem. E não o podendo receber, o gajame não pode ser padre - o que, etimologicamente, até estaria certo - e, portanto, não pode aceder ao sacerdócio. Tau! Mordam-se.
Pois!
O Portugal, Caramba! não teria nada a objectar se a Igreja Católica metesse o nariz só lá nas coisas dela, paredes a dentro do Vaticano, por exemplo. Pronto! Não havia mulheres. Que se amanhassem. Bom proveito lhes fizesse.
O problema é que a Igreja Católica é uma organização internacional com um peso considerável, por exemplo, no nosso país.
E bom, nada a dizer se ainda estivéssemos sob a constituição de 1933. A mulher era um ser inferior. Não podia ter passaporte se o marido não deixasse e só votava se fosse viúva e, portanto, cabeça de casal.
Mas já não estamos. Houve um tal de 25 de Abril, elegeram-se deputados a uma Assembleia Constituinte, votou-se uma constituição em tudo diferente. E a discriminação em função do sexo, religião ou raça foi radicalmente banida.
Portanto, Sr. Dr. Gomes Canotilho, Sr. Dr. Jorge Miranda, Sr. Dr. Vital Moreira, Excelências que sois famosos constitucionalistas, dizei-nos:
Podem as nossa autoridades permitir a existência de uma organização que claramente contraria a nossa constituição? Que estabelece uma diferença objectiva de carreiras em função do sexo?
E reparem, a diferença não é sequer de género: a Santa Sé não se propõe excomungar os Bispos que ordenem homossexuais masculinos cuja identidade de género não coincide com o seu sexo. Nem autoriza a ordenação de mulheres que se identifiquem com o género masculino. Não. São as «mulheres» que são discriminadas.
Mas pronto, a vida custa a toda a gente, admito que não queiram meter-se numa destas. Mas, ao menos digam-me: como é que se faz para declarar inconstitucional uma coisa destas?

10 comentários:

Anónimo disse...

Para religiosa não me parece seguir o preceito da humilde conformação. Mas o que sei eu de religião?

Anónimo disse...

A Igreja costuma saber fazer as coisas bem feitas; anda por cá há muito a congeminá-las. Não sei exactamente como é o processo de impedimento do acesso das mulheres ao sacerdócio, e não estou interessado em perder tempo a esclarecer-me sobre o assunto que não me diz directamente respeito: não pertenço à Igreja. Agora se é através da proibição aos Bispos de as ordenarem, pareceria que em princípio tudo se passava numa esfera autónoma, na autarquia da Igreja, e quem a integra é que poderia questionar a respectiva hierarquia. Não será assim: se a Igreja impuzesse sacrifícios corporais, o Estado tinha de intervir. Então, a protecção da não discriminação em função do sexo é menor do que a existente para com a defesa da integridade física.

Anónimo disse...

Continuação
É assim o Direito: não se pode fazer isto, e não se pode fazer aquilo. Mas quando acaba por se fazer isto, os poderes públicos intervêm, e quando o que se fez foi aquilo, assobiam em francês.
No caso, obviamente, calam zazões mais fundas: Mesmo há quinhentos anos, quando torturava, a Igreja fazia-o às escondidas, embora transpirasse, pedia o perdão para as almas que optavam por se sujeitar à tortura, e quando decidia a morte, não matava, relaxaa ao braço secular e rezava.
Havia a consciência de que torturar e matar, embora constiundo espectáculo do agrado do povo, não era lá coisa muito de assumir.

Anónimo disse...

Continuação
(ressalvando «razões», «relaxava» e «constituindo» «descriminação»)
Agora a não descriminação em função do sexo é coisa pós-moderna, não está muito enraízada.

De qualquer modo a questão da inconstitucionalidade não se coloca, porque a igualdade que a Constituição prescreve é perante a Lei, apenas. Num concurso público um Bispo pode ser afastado por uma Noviça.

Anónimo disse...

Continuação
Enquanto o BCP não podia deixar de admitir e promover mulheres, porque isso violava a legislação geral laboral do país, a questão do sacerdócio só existe no seio da Igreja.

tacci disse...

Meu caro:
Confirma-se. O homem é o único animal que é capaz de distinguir a água benta de outra água qualquer.
E o jurista é o único homem que reconhece que dizer missa, assistir aos defuntos e por aí fora, «não é trabalho»... É uma espécie de hobby, pelo qual se cobra uns emolumentos que não são emolumentos e que, por isso, não pagam impostos...
As razões históricas são interessantes, todos sabemos que a Igreja Católica (como outras, julgo eu) não deu sempre bons exemplos. Mas, como o BCP, há uns cinquenta anos nunca seria condenada. Eram outros tempos. Graças a Deus - e às revoltas dos anos sessenta, digo eu - e por muito diferentes que sejam as coisas na Opus Dei, o BCP poude ser condenado. Porque não Roma?
Não é uma boa pergunta?
Um abraço.

ana disse...

dizes: "E a discriminação em função do sexo, religião ou raça foi radicalmente banida."
radicalmente, não meu amigo foi banida na lei ma mentalidade ainda de muitas pessoas continua lá bem enraízada

Anónimo disse...

O jurista diz somente que o Estado se comprometeu a não interferir na organização da Igreja. Não é o Estado que regula o acesso ao sacerdócio, é a Igreja; logo, se não há norma do Estsdo sobre o assunto, não há a possibilidade da violação da inexistente norma sua.
Uma coisa é condenar-se a Igreja também por ela discriminar as mulheres, outra é pretender que o Estado tenha nisso alguma responsabilidade. Só está na Igreja quem quer. O Estado não anda atrás dos proxenetas enquanto as prostitutas sustentarem os que lhes apetecer; o Estado só intervém se ocorrer lenocínio.
O Direito faz distinções que podem não se justificar, mas se as fez, pode-se criticá-lo por isso, não pode é pretender-se que as não fez tendo-as feito.Inconstitucional é um nome dado a certa situação definida pelo direito, ou a situação se enquadra na definição e merece o nome, ou não se enquadro e é escusado dizer que se devia enquadrar, ou que corresponde à mesma coisa, ou até a uma pior, porque a definição é formal.
E já escrevi demais sobre este assunto que não me interessa: acho mal que a Igreja proscreva as mulheres, acho ainda pior que exista Igreja.

tacci disse...

Tens certamente razão, claro, e obrigado pelo esclarecimento. Ainda que eu lamente que as práticas que não são ilegais por falta da respectiva lei, não possam ser declaradas contrárias à Constituição - ao menos ao seu espírito.
Um abraço.

tacci disse...

Anita, o meu problema é que, muitas vezes, o próprio legislador olha para o outro lado.
Um abraço.