quinta-feira, dezembro 28, 2006

Alcaïns - 1


Já lá vão alguns anos.
Havia, é claro, um padre novo na paróquia, que com ser novo também nos anos, quis modernizar os hábitos. Talvez por achar mórbida a tradição, decidiu que a capela mortuária fecharia à meia-noite. No dia seguinte, logo pela manhã, abria-se de novo, o velório dos falecidos continuaria depois de todos terem descansado.
Que tal foste fazer:
À primeira tentativa de impedir que o velório durasse a noite toda, como é devido, as senhoras ergueram o estandarte da revolta. Um grupinho de gente antiga decidiu postar-se na capela. E ai de quem as fosse de lá tirar.
Como não ficava bem à família deixar que o falecido fosse velado apenas pelo grupo, fiquei lá eu também a fazer companhia. Éramos seis, cinco senhoras e eu.
Não sei se os mortos nos podem ouvir, lá do sítio para onde migram as almas. O que sei é que toda a noite se contaram histórias, umas do volfrâmio, outras de padres, as senhoras picaram-se umas às outras e riram-se. O falecido, que era um bom conversador, havia de ter gostado de participar.
Consegui depois, de memória, desenhar quatro das minhas cinco companheiras. A quinta que me perdoe por não figurar aqui senão na recordação daquelas horas.

3 comentários:

Gi disse...

Tacci
A senhora da imagem era aparentada com o James Brown? Tem semelhanças.
Quanto aos velórios...na realidade acho um disparate estarem abertos toda a noite, mas quando somos nós os mais próximos de quem se vai, todos os bocadinhos são poucos para dar o último adeus. Incongruências? Ah, pois! A vida é feita delas .
Um abraço

tacci disse...

Receio que D. Maria de Deus seja portuguesa dos quatro costados, com uma ou outra costela árabe e bastantes mais de marrana. Como a maioria de nós, aliás, que devemos ter, pelo menos, um cristão novo entre os nossos muitos quintavôs. E não lhe conheço qualquer talento musical excepto para cantar o "avé" nas procissões. Os velórios, creio eu, fazem parte dos mecanismos de solidariedade e reciprocidade nas comunidades mais pequenas. Mas funcionam também como aglutinadoras, por exemplo, na minha família: dizemos uns para os outros, é só nestas alturas que a gente se encontra e relembramos também casamentos e baptizados... deitamos contas aos que já se foram, aos que ainda restamos, é uma boa oportunidade para competição entre as maleitas de cada um. E depois... um conta uma história do falecido, outro uma anedota que ele lhe contou, e pronto. Os inimigos toleram-se um pouco melhor, os amigos reforçam a amisade.
Um velório é isto.
Um abraço, Gi.

Gi disse...

:O)
Já aqui ri com D. Maria de Deus. Percebo perfeitamente o seu ponto de vista. Um abraço