quarta-feira, abril 25, 2007

O Cão que jogava Xadrez´VIII

Saiba, Senhorinha, que estou, dizem elas, muito melhor.
Primeiro, porque já não me espanta nada que a Terra e os astros todos estejam suspensos, por assim dizer, de liames gravíticos e, barra, ou deformações do espaço-tempo.
E segundo porque já não acordo a meio da noite aos gritos quando as minhas pernas se estão a separar de mim ou quando estou a lavar as mãos no lavatório e elas se derretem na água corrente e eu as vejo ir pelo ralo abaixo.
Por isso, tive autorização para usar o computador da secretaria. Já arranjei até uma chave falsa e descobri a palavra de passe, de modo que agora, sempre que acordar a meio da noite, posso vir até cá conversar consigo sobre o seu Primo.
O Carlinhos, tenho ideia de já lhe ter dito, acabara de ser dado à Magrizela e estavam os dois a discutir com um Diabrete. Os Diabretes, para quem não saiba, são para o Deus-dos-Cães o mesmo que os Anjos são para o Deus verdadeiro que está no Céu verdadeiro e há até teólogos que opinam que o Deus-dos-Cães é o próprio Diabo que habita nos Infernos. Mas eu, Senhorinha, não possuindo as habilitações necessárias em Transcendência Civil, tenho um medo dessas coisas que me fino, que ó e depois, ainda dizem que eu não tomei os comprimidos.
O que posso dizer é que estavam eles três à conversa e o Diabrete a dizer que apostava em que o Guarda não tardava aí mal percebesse que os seus Pitbuxos estavam presos e eis que se ouve um estrondo enorme, como se uma porta tivesse sido arrancada dos gonzos:
- É o Guarda! Fujam! – gritou o Diabrete.
E desatou numa correria por entre as jaulas dos cães que, aliás, desataram também a ganir de um pavor infrene. Novos estrondos rebentaram, lá ao fundo, ainda mal ele tinha virado a última esquina.
Atarantado, o seu Primo ia para lhe seguir o exemplo quando a Magrizela o agarrou pela perna da calça que ainda estava inteira e lha rasgou mais um bocadinho.
- Olha lá, a gente não pode ir sem a Emplumada!
O Carlinhos, mal-humorado, tentou compor o novo rasgão:
- Tá bem, prontos! – e emendou logo a seguir, porque a Mãe (a sua estimável Tia) passava a vida a corrigi-lo. – Quer dizer: pronto! E onde é que ela está?
- Sei lá! Só a vi a ser levada pelos Pitbuxos. Havemos de descobrir para onde!
E decidida, começou num trote ligeirinho, um nadinha coxo porque os dias da sua agilidade já tinham passado há muito. E ia na direcção dos estrondos. O Carlinhos apressou-se a segui-la, de novo com a barriga aos saltos e mais ofegante do que o Zé Nesgas quando tinha asma e jogava à bola, tudo ao mesmo tempo. Como arranjou fôlego para, mesmo assim, gritar à Magrizela «Por aí não! Por aí não!» não lhe posso dizer, Gentil Senhorinha, porque também não sei.
O que sei é que, bem vistas as coisas, o seu Primo tinha razão. Na correria foram dar de caras com um gigante de óculos escuros e gravata azul-cueca que trazia debaixo do braço, firmemente agarrado, o Deus-dos-Cães, com o seu único olho e um ar muito infeliz.
Se o Gigante era o Guarda e o que aconteceu aos nossos heróis – o seu Primo e a quase caquéctica Magrizela – só lho poderei dizer mais logo à noite se conseguir escapulir-me na sombra dos corredores, até aqui à secretaria.

4 comentários:

Gi disse...

Nunca pensei que um deus, mesmo dos cães, fosse tão pequenino :).
neste momento a única coisa que se me apresenta fazer para o ajudar nesta árdua tarefa é estender-lhe um braço, se bem que virtual, e dar-lhe uma lanterna para que não corra o risco de tropeçar no corredor. É que eu quero ler o resto da história :)

Beijinhos Tacci, noite feliz

mulher disse...

Ó Deus dos cães!: tu sabes como és grande não sabes? Aproveita a lanterna da GI que parece-me que quem vai precisar mesmo de ti é a magrizela.

tacci disse...

Gi, muito obrigada pela sua lanterna. Como pode ver, já deu jeito, embora á custa de algumas complicações.
Um beijinho e bom fim-de-semana.

tacci disse...

Anita, o Deus dos cães, mesmo na incómoda situação em que se encontra, já deve ter feito um milagre e, como já se pode ler ali em cima, a lanterna da Gi chegou a tempo.
Um abraço.