sexta-feira, outubro 31, 2008

quarta-feira, outubro 29, 2008

domingo, outubro 26, 2008

Um cadáver requintado

***
Mário-Henrique Leiria, Pas pour les parents, 1951, Inédito, Colecção Cruzeiro Seixas


Ver mais aqui.

sábado, outubro 25, 2008

Depoimentos escritos

Depoimentos Escritos, contos, poemas e cartas de amor,
Editorial Estampa, 1997
Sem data (provavelmente Out.-Nov. de 1961, de S. Domingos de Rana):
«Maruska bonita
Toma lá mais três "apontamentos". Creio que esta solidão me trouxe um apuramento de memória. As recordações começam a estar todas exactas e presentes. Vivo com fantasmas, não há dúvidas.
Tudo o que aí tens existiu.
Uma despedida amarga... Verão de 1960.
Dois momentos em Espanha... 1939. Dezasseis anos heróicos e estúpidos. O Henri do bigodão ainda deve existir e chama-se mesmo Henri. Estive com ele em Paris, em 1957 (que saudades do que eu, nessa altura, acreditava!). (...)
Querida menina do rostozinho eslavo, guarda isto contigo e um dia diz-me qualquer coisa. Espanha, três da tarde, cinco da tarde, de dias bem diferentes... Depois, Santa Apolónia... É para rir...
Vénia fantasmagórica do solene e irónico
...e sempre teu, claro
Mário-Henrique»
pag. 119
S. Paulo, 12/1/1963:
... «Tive aqui uma proposta divertida para resolver a minha situação de fora-da-lei. Um camarada uruguaio propôs-me o seguinte, depois de ter consultado gentes da terra dele: eu iria ao Uruguai e lá, em 15 dias, camaradas fixes arranjavam-me documentos de cidadão uruguaio. Ri-me francamente com a história. Achas-me com cara de "......... del Uruguay"? Se eu tivesse querido, já tinha tido duas oportunidades de mudar de nacionalidade: ou cidadão francês, ou soviético, que qualquer das duas seriam muito mais interessantes para mim do que ser um idiota uruguaio. Não, Isabelinha, nós nascemos naquela saudosa merda e a ela temos que pertencer até ao fim. Lá vivem os nossos operários, os nossos camponeses, por esses temos que lutar até que eles possam sorrir e ser homens livres e autênticos.»...
pag. 244
Carcavelos, 25/11/1973:
... «Quanto ao meu livro (*), já está em primeiras provas. Talvez esteja na rua lá para meados de Dezembro. Achei que tinha historietas demais e tirei um monte delas, não gosto de chatear demais os leitores.
Sabes que o Gaspar Simões botou elogio grosso aos CONTOS DO GIN-TÓNICO na página literária do "Diário de Notícias"? Pois foi: Só tenho coisas que me ralem; só me faltava o Gaspar Simões a dizer bem de mim. Ele há cada coisa!»
pag. 303
(*) Trata-se dos Novos contos do gin

segunda-feira, outubro 20, 2008

O Mundo inquietante de um anarco-surrealista



1
Escrevia-se em transe, quase como que para lá da vontade, do dilema de Hamlet, das imposições de Lulio. Tudo e o seu contrário, a lógica do sonho, do inconsciente libertado pela fantasia que nada amarrava: o real é um "cadáver" requintado, "esquisito", ressuscitado em noites gloriosas, ali ao Rossio, no Café Gelo.

2
De largo iam os bem pensantes: havia um regime autoritário, é certo, uma polícia política, tinha de ser, uma Guarda que escoronhava a torto e a direito.
Aqui ao lado, porém, já tinha passado uma guerra civil e, por essa Europa, uma guerra mundial. Por cá, Graças a Deus, não se passava nada: a Pátria estava salva. Podia tolerar uns desmandos de meninos da boa sociedade, como o Cesariny. Vindo de Paris, tinha inventado grupos surrealistas - a que pertencem, por exemplo, o O'Neil, o Cruzeiro Seixas, o António Pedro e, claro, também o Mário-Henrique Leiria. Um pouco mais longe moravam os neo-realistas. Toleravam-se, nem sempre amigavelmente, mas concordando todos facilmente em que era preciso derrubar o Estado Novo. Só se discutiam os caminhos para lá chegar.
A luta pela consciência começa onde? E qual é o papel do Artista?
A subversão pela liberdade da imaginação, pela destruição dos sentidos aparentes, pela ironia - é o caminho que escolhem O'Neil, por exemplo, e também Mário-Henrique.

3

No ano exacto em que as colónias, perturbando gravemente a pátria beatitude, se insurgiam, o Mário-Henrique foi preso. Já tinha sido expulso, em tempos, da Faculdade de Belas Artes. Abandonou o Gêlo e foi por esse mundo fora: encontrou no Piauí, "seis mil quilómetros mais longe e vários anos distante, quando bebia uma cachaça", aquele isqueiro que lhe tinha dado a mulher. Concluiu que "realmente os mistérios não são uma coisa assim tão complicada".
Seguiram-se as Lutas Académicas, as manifestações do 1º de Maio, greves, emigração a salto, deserções.
Os répteis de serviço do salazarismo inventavam sonoridades: os surrealistas não tinham o exclusivo da escrita delirante. As nossas caravelas não se deixavam «arrastar pelos ventos da história» e, «orgulhosamente sós», «Portugal uno e indivisível» «só chorava os mortos», porque os «vivos, a soldo de Moscovo, os não mereciam ».
Alguns Casos de direito Galático foram sendo publicados no jornal República. Mário-Henrique Leiria estava de volta. E em Março de 1973 sai o volume dos Contos do gin-tonic. Meses depois, em Dezembro, os Novos contos do gin rematavam com uma "Contabilidade final":
"Parece mentira, mas ainda não recebi os rublos moscovitas. E esta, ein! Só tenho coisas que me ralem".
4
Os amigos que ainda têm os livros do Mário-Henrique Leiria têm outros amigos que vão e vêm, que levam livros emprestados, às vezes não os devolvem. Os editores não querem saber e não os reeditam.
A Imprensa Nacional tem mais que fazer.
Não há ninguém que faça a edição crítica das obras completas deste singularíssimo anarco-surrealista?
***
PS.
Talvez porque o surrealismo do Mário-Henrique Leiria tivesse bastante menos a ver com o Breton do que com o Robert Desnos, aqui fica
Le Pélican

Le Capitaine Jonathan,
Étant âgé de dix-huit ans
Capture un jour un pélican
Dans une île d'Extrême-orient.

Le pélican de Jonathan
Au matin, pond un œuf tout blanc
Et il en sort un pélican
Lui ressemblant étonnamment.

Et ce deuxième pélican
Pond, à son tour, un œuf tout blanc
D'où sort, inévitablement
Un autre, qui en fait autant.

Cela peut durer pendant très longtemps
Si l'on ne fait pas d'omelette avant.

terça-feira, outubro 14, 2008

Um raio de luz na cornija da lareira

Pois!
Há dias em que é melhor nem falar.
Corre tudo mal.
A bem dizer, correr, o que se chama correr, nem corre. Empastela-se. Espalha-se ao comprido e, depois, arrasta-se cheia de mazelas, a coxear.
E há outros em que só as visitas nos salvam.
Como esta que sabe Deus onde mora, mas veio até cá, passou a tarde na cornija da lareira e depois foi-se embora.
Pode ser que um dia volte.


[Tenho uma secreta esperança de que tenha achado o ambiente sossegado e acolhedor e que já esteja instalada no armário da cozinha - ali junto aos pacotes de açúcar e ao óleo de fritar batatas, que é onde ninguém a vai incomodar.]

quarta-feira, outubro 08, 2008

Coisas que é melhor não dizer

A Voilá acha que eu sou ciumento e eu não a contradigo. Como diz a Avó, nunca se deve desiludir mulheres bonitas.
Mas não foi só por isso, claro, nem por causa dos ténis que não combinavam com a cor do smoking.
E até, quando ele classificou não sei-o-quê como um filme «de culto», eu deixei passar.
Mas, quando disse, pela segunda vez, que fulano era «um ícone da nossa cultura», eu, pura e simplesmente, não aguentei: liguei o sinal de alerta disfarçado no braço da cadeira D. José.
O Tião Medonho surdiu de trás do reposteiro com a Remington 24E long e pás!
Três tão exactas como de costume: a primeira, uma mão travessa abaixo da clavícula direita; outra centrada, a perfurar o esterno. E a última, à esquerda do umbigo, numa tripa qualquer.
A Voilá zangou-se por causa do copo de vinho entornado na toalha de renda.
Mas há coisas, realmente, que já não se podem ouvir.
Telefonei ao Mário-Henrique a agradecer.
Os amigos são uma coisa preciosa, é o que diz sempre a Avó.

terça-feira, outubro 07, 2008

A Metafísica é uma arma ...


Manipansicas 1

Penso panso, manipanso,
manipanso Malpertuis.

Panso penso, manipanso,
Moi je pense, donc je suis.
João Bessa, Poemas Metafísicos, Estremoz, 1967

segunda-feira, outubro 06, 2008

sexta-feira, outubro 03, 2008

Lido por aí

Com a devida vénia:

«Outra curiosidade é que o valor mais importante transmitido ao longo dos episódios é o da honra. Hoje em dia seria impensável fazer uma série em que o aspecto mais relevante fosse a honra, poderia ser a lealdade, a coragem, mas a honra está a cair em desuso e tanta gente já nem sabe o que isso é.»


Em http://holehorror.blogspot.com/2008/10/lixo-televisivo-e-honra.html, a propósito de antigas séries televisivas.

quinta-feira, outubro 02, 2008

Marketing agressivo ou falta de chá?

.
- Oi, ganda maluco! Tá-se bem?
.

Acreditam?
O meu novo computador passou-se e desatou a tratar-me por "você"!
Não sei quem foi a gentil empresa que achou que era fixe tratar-me assim, como se estivesse em casa do seu sogro. E logo a mim, que, de pequenino, ouvi dizer que «Você é estrebaria...»
Mas deve ser uma nova técnica de marqueting agressivo.
Ou então, pronto: é o Português do Brasil, mesmo se, acredito, por lá também sabem dizer Senhora e Senhor.
Mas há pior.
A TMN, por exemplo, também acha bué da cool rematar as mensagens que me manda com um descontraído «até já».
Até já? São parvos? Acham que eu sou da idade deles?
Eu sei que já não se usa o tradicional «de V. Exª. atentos, veneradores e obrigados», mas daí ao à vontade de um «até já» parecia-me ir alguma distância.
«Os nossos cumprimentos», por exemplo, talvez exigisse mais uns caracteres, mas era educado.
Até mesmo não pôr nada seria preferível. E que tal apenas «obrigado»?
A mensagem que me mandaram hoje ficaria assim: «com este carregamento acumulou X pontos. Para consultar saldo ponto t (actualizdo cada 24h) envie SMS gratis c/'pontos' para 12096 ou va http://www.tmn.pt/. Obrigado.»
Enfim, não seria o cúmulo da educação. Mas já era aceitável, sobretudo se se lembrassem de que, no português, de Portugal como do Brasil ou de Cabo Verde e Timor, há acentos que se podiam pôr em «grátis» e «vá». E também há virgulas, sabiam?
Mas não. Em vez do simples obrigado, a empresa permite-se acrescentar: Ate ja. Também sem acentos, claro.
São analfabetos, dir-me-eis.
Não, não creio. São malcriados, pronto.
Mas, há mais.
Não é que a mesma TMN se autoriza o envio de mensagens como esta: «Habilita-te ao CD do filme Mamma Mia! Personaliza o sinal de chamada com musicas do filme....»
Acentos, claro, também não há.
Mas, sobretudo, não me lembro de ter autorizado quem quer que fosse a enviar-me esta publicidade obviamente não solicitada.
E muito menos a que um bando de nem-sei-que-lhes-chame analfabetos me trate por tu.
Sabem que mais?
Acho que os mentores desta agressiva campanha de marketing se inspiraram naquelas senhoras que dantes nos convidavam a telefonar para as linhas eróticas e diziam com voz doce: «Mi liga, vá... »
Acreditam?