sexta-feira, dezembro 21, 2007
Mais Avó Lígia
José Pacheco Pereira
quarta-feira, dezembro 19, 2007
Ainda a Fernanda Botelho
quarta-feira, dezembro 12, 2007
«A morte, neste momento, não tem nada de assustador para mim...»
A Pardala, coitada, lá estava a morrer. A morrer na cama onde eu dormia, quando ia ter com ela - sabias, «Cantor»? Não, tu não sabes ainda nada. Tens quinze meses, não sabes nada; nasceste numa noite fria e cresceste em noites quentes. Lembras-te da minha mãe? Eras tão pequenino! Nessa noite fugiste para a minha cama e eu não consegui enxotar-te, não tive coragem. Depois veio a Chiquinha... lembras-te? Uma sanguessuga com asas, lembras-te? Sabias que ela me descosia os vestidos e me fazia buracos nas peúgas só para me obrigar a pegar numa agulha? Uma vez deitei-lhe pimenta no leite-creme e ela ficou tão zangada... Doutra vez... tantas vezes, «Cantor»! Vinha ter com ela à cama, de noite e assustava-a com um uh! mesmo no ouvido. Ela acordava aos gritos, perdidinha de medo. E toda a gente se levantava e vinha ver, todos perdidinhos de medo! Até eu depois ficava com medo! Quando me doía o estômago, ela ria-see zombava. sabias que me acusava ao prior? sabias que rezei milhões de terços por culpas de que a Chiquinha me acusava ao prior? Sabias que uma vez, de noite, enquanto ela dormia, lhe cortei uma trança loira, a do lado direito, e lhe deixei pregado à camisa um bilhete que dizia: «Também eu vou levar os teus piolhos ao prior!». Sabias? Ela mostrou atodos o lugar da trança mas nunca o bilhete. Apanhei uma tareia, e ela riu-se muito e dizia «bem feito». Eu dava-lhe pontapés e ela ajoelhava-se, «Cantor»! Ela ajoelhava-se... a rezar por mim!
quarta-feira, dezembro 05, 2007
Justiça Privada
1. Espingarda Holland & Holland, London, de canos e coronha já serrados, de modo a adaptar-se ao seu punho. A classe de uma arma personalizada, de fecharia de prata, coronha de nogueira e garantia para toda a vida.
Até os agentes do Estado o respeitarão.
2. Pistola metralhadora Uzi.
A garantia da eficiência da Mossad ao serviço da sua Justiça privada.
Se é o medo quem guarda a vinha, a Uzi guardará ainda mais eficientemente os seus direitos.
3. Um motorista da Agência Flanders & Gates, Assistência e Protecção, S. A., California, com provas dadas no Iraque, na Gâmbia e no Sudão.
Todos os nossos colaboradores têm cursos de Intimidação, Extorsão(1) e outras coisas que não seriam aprovadas pelo Tribunal Internacional dos Direitos do Homem. Mas, pronto, quem puder pagar, também pode mandar, não será?
Sim, e porquê só os outros?
(1) Extorsão, extorsão, extorsão.
segunda-feira, dezembro 03, 2007
Auto-censura
A petição pode ser assinada através do Portugal Profundo, de onde rapinei a tarjeta lá de cima. A bem da sanidade pública, se a das crianças vos for assim tão indiferente.
sábado, dezembro 01, 2007
Ingrid Betancourt
quinta-feira, novembro 29, 2007
Kafka era um saloio
quarta-feira, novembro 28, 2007
terça-feira, novembro 27, 2007
sexta-feira, novembro 16, 2007
DÉJEUNER DU MATIN, Jaques Prévert
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec la petite cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a reposé la tasse
Sans me parler
Il a allumé
Une cirarrette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis les cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s’est levé
Il a mis
Son chapeau sur sa tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu’il pleuvait
Et il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
Et moi j’ai pris
Ma tête dans ma main
Et j’ai pleuré.
sábado, novembro 10, 2007
Rã King
Parabéns ao feliz vencedor, que este ano julgamos ter sido o Externato Alfa que teve zero negativas [0] tanto a Português como a Matemática. Se não tiver sido, o Planalto ou o Mira-Rio também servem.
quinta-feira, novembro 08, 2007
... if one litlle nigger should accidentally fall...
domingo, novembro 04, 2007
Quando a emenda é pior do que o soneto
Algumas caras são desenháveis, por muito que se não goste delas. A de um boxeur europeuìzável, por exemplo.
sábado, novembro 03, 2007
sexta-feira, novembro 02, 2007
sexta-feira, outubro 26, 2007
Mea Culpa
«Pá, escreveste uma coisa sobre ter o rei na barriga e não te lembraste da quadra do João? Não achas que era tua obrigação falar nele, e já agora, no Leal?»
A este «amigo», que não me autorizou a chamar os bois pelo nome (toma!), só posso dizer que pode ficar com a bicicleta: eu não conhecia esta quadra do João Bessa, como não devo conhecer duzentas mil outras que estão na colecção privada dos amigos recolectores de guardanapos, toalhas de papel e bilhetes de autocarro.
Quanto ao Zé, o José Bação Leal, eu não o conheci tão bem como este «amigo» e creio que o recente filme da senhorinha Luísa Marinho, de seu nome "Poeticamente exausto, verticalmente só» contribuirá muito mais e muito melhor para o dar a compreender.
Posto isto, e dado que o «amigo» tem razão (mesmo se eu me recuso a dar-lha) aqui fica a quadra do João Bessa:
Eu queria ser Monárquico,
mas há uma coisa que m'intriga:
haverá rei bastante,
p'ra tanto qu'o traz na barriga?
quinta-feira, outubro 25, 2007
Autofagia
Nove meses no fedor, depois nas faixas,
por entre crostas, beijocas, lagrimonas.
Depois à trela, na andadeira, em camisinha,
pára-turras na testa, cueiros por calções.
Depois começa o tormento da escola,
o á-bê-cê, a vergasta e as frieiras,
a rubéola, a caca na cagadeira
e um pouco de escarlatina e de bexigas.
Depois o ofício, o jejum, a trabalheira
a pensão a pagar, as prisões, o governo,
o hospital, as dívidas, a crica,
o sol no verão, a neve no inverno...
E por último - e que Deus nos abençoe! -
vem a morte e acaba no inferno.
G. G. Belli, 1833
Tradução de Alexandre O'Neill, que, por seu lado, escreveu:
O Enforcado
No gesto suspensivo de um sobreiro,
o enforcado.
Badalo que ninguém ouve,
espantalho que ninguém vê,
suas botas recusam o chão que o rejeitou.
Dele sobra o cajado.
segunda-feira, outubro 22, 2007
And the winner is...
Vamos afixá-lo aqui do lado direito logo que alguém nos ensine a fazê-lo. (1) Porque, não duvidem: não foi pelos skils informáticos que a Gi nos distinguiu. E a dizer a verdade, se motivo houve, para além da generosidade, nem fazemos ideia de qual possa ser.
sexta-feira, outubro 19, 2007
Para que servem as toalhas de papel nos restaurantes?
sábado, outubro 13, 2007
Concha y Toro, 1981
sábado, outubro 06, 2007
Como está crescido!
quinta-feira, outubro 04, 2007
Free Burma
terça-feira, outubro 02, 2007
quinta-feira, setembro 27, 2007
A Mãe queria que ele fosse canteiro
Disclaimer, ou coisa assim: este grunho aqui de cima não é nenhum engenheiro, por isso escusam de se pôr com ideias.
sexta-feira, setembro 21, 2007
O Cão que jogava xadrez XX
- Sais da frente, ó minorcas, senão ainda levas na trombeta!
Não foi, como leitores menos prevenidos poderiam ingenuamente esperar, uma intervenção da Divina Providência. Se fosse, algo de verdadeiramente sensacional havia de acontecer. Nos filmes de guerra americanos são os marines que desembarcam, loiros e escanhoados e com óculos ray ban para esconder a bondade intrínseca dos olhos azuis. Nos de cawboys e índios é a cavalaria que chega, comandada pelo velho e heróico coronel de farta cabeleira branca e impoluta casaca azul.
Ali, o que surdiu, a assobiar, gingão e de mãos nas algibeiras, foi o Zé Nesgas.- O Zé Nesgas? - perguntam as nobres Damas, os galhardos Cavaleiros.
Vejo-os daqui a franzirem os narizes. Como se alguma divindade a querer sacar de um herói, se lembrasse de um pequenitates, magrinho que nem um espeto e asmático ainda por cima.
Mas, acreditem ou não, por maldade ou ironia do destino, quem apareceu mesmo foi o próprio Zé Nesgas e ponto final.
- Fosga-se, man! - exclamou ele. - Que merdé-éstáqui?
E sem olhar a mais, sem querer perceber sequer, atirou-se para a molhada que se tinha formado entretanto.
Ele era uma perna do Carlinhos para aqui, um nariz da Alfredo Arroja esborrachado por um oportuno joelho, os óculos pisados com um crrac de mau agoiro e, Musas ajudai-me a descrever este gloriosos lance: que pensa a minha Senhorinha e que pensais vós, Damas e Cavaleiros, que terá feito a Magrizela?
Ora! Vieram-lhe ao de cima aqueles ímpetos caninos a que o delicioso aroma da adrenalina faz apelo e, com os beiços recuados a deixar ver uns dentitos brancos, rosnou um surdo rugido e lançou-se na refrega de um só galgão. E, curioso, desobriu ela, as mãos agarravam, fechavam-se sobre as coisas, um orelha no caso, enquanto os dentes rasgavam a gola do polar do infeliz secundarista.
- Man, a gaja é maluca, fosga-se! Ajuda aqui! - gritava a vítima.
Infelizmente para ele, um dos companheiros estava ocupado a sovar o Carlinhos e o outro estava a rodopiar aos pulinhos. Não se tratava, claro, nem de uma dança folclórica, nem de alguma extemporânea manifestação de júbilo. Era o Zé Nesgas que, se lhe agarrara de unhas e dentes à perna esquerda, as mãos fincadas no largo cinto pregueado, as pernas firmemente enganchadas à volta do joelho do grandalhão.
A coisa parecia empatada, o Carlinhos apanhava, a Magrizela mordia e o terceiro participante nesta guerra caseira não conseguia desenvencilhar-se do Zé Nesgas nem fazer-lhe grande mossa.
quarta-feira, setembro 12, 2007
Aniversário da Hainnish
terça-feira, setembro 11, 2007
O Cão que jogava xadrez XIX
Tudo começou com uma simplicidade tão grande e tão simples, num dia gorduroso como tantos outros, com um céu baixo de trovoada, e a enfermeira Rosa, com a sua túnica branca engomada, sem uma mancha, sem uma prega!
terça-feira, agosto 28, 2007
Concha y Toro, 1981
segunda-feira, agosto 27, 2007
Que farei com este bloco?
segunda-feira, agosto 20, 2007
Should any acquaintance be forgotten
Em cena está a Gi. Entram o Carlinhos, o Zé Nesgas, a Cusca e vários figurantes.
Cusca - É agora é que a gente canta?
Zé Nesgas - Pst! Quem é que manda aqui? Primeiro é o discurso. Vá lá, ó mongas. Tá'záspera de quê?
Carlinhos (lendo) -Hum-hhhum! S'Dona Gi, a gente veio cá, é só p'ra dizer que é assim mesmo, a gente acha que sim senhora!
A S'Dona Gi tem direito a Contradizer-se e a Ir-se embora, que são aqueles direitos que não vêm na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Parece que foi o Camus quem disse e era um g'anda maluco que escreveu sobre a peste. A gente acha que a sida é que dava jeito, mas ele, sobre as outras doenças, não disse mais nada.
E também podia era ter escrito sobre outra coisa que falta lá nos direitos do Homem e que é o Direito à Preguiça e isso é que era bué da fixe, a ver se os profes não passavam tantos têpêcês. Mas o pai alí do Zé diz que essa coisa dos Direitos do Homem é só para armar em gente fina é outra nice, porque quem não tem papel não tem vícios, é o que ele diz, e os Direitos do Homem é como os cigarros, já não se fuma nos escritórios, nem nas fábricas. Lá na Escola é que se fuma, mas é só os alunos, lá ao fundo, ao pé do Ginásio. As auxiliares são velhas e não podem correr atrás da maralha. Por isso só os Stores é que não fumam, tá a ver?
A gente acha que os Direitos do Homem é a mesma coisa, é uma g'anda treta. A S´Dona Gi não é homem, por exemplo, a Magrizela também não e é assim, o mundo tem pais e mães e pronto. E então, é como? Não têm Direitos? Não podia ir-se embora e tudo isso?
A gente acha é que sim e prontos.
Só ali a Cusca é que diz que havia lá no Bairro dela uma senhora que era amiga dos cães e gatos vadios e ia lá todos os dias dar-lhes um tacho de arroz e ossos e coisas dessas. E um dia, coitada, teve de ir para o hospital, que já era bué da velhinha e, pronto, nunca mais apareceu. A malta, tá-se a ver, teve de ir à vida para outro lado. Mas a Cusca diz que há um cão que ainda vai todos os dias à porta da velhinha, a chamá-la assim com as unhas na porta.
E é o que a gente tinha p'ra dizer. Acho que não havia mais nada, pois não? Mas, olhe, se a S'Dona Gi ouvir arranhar na porta, não ligue, não precisa de abrir. É só algum cão vadio com saudades, assim com'a gente.
Zé Nesgas - A gora é que é a cantiga.
Todos - She is a jolly good fellow, /She is a jolly good fellow, /She is a jolly good fellow, /and so say all of us...
Cai o pano
terça-feira, agosto 07, 2007
Mariazinha em África
Nunca tinha lido nenhuma das Mariazinhas, mas, lá por casa, contavam-se episódios, sobretudo os do cozinheiro Vicente, guineense que, no fim do livro, obtém licença para acompanhar a família de volta a Portugal.
sábado, agosto 04, 2007
Tolices e amarguras
E lê-se:
"...Depois as nossas bocas colavam-se num grande beijo, e eu, nervos lassos, adormecia no aconchêgo deliciosamente môrno dos braços da minha amante, de bem com Deus e com os homens (...)!
Decorriam venturosos êsses dias de Setembro de 1928, que agora, volvidos dois lustros, vou rememorando na amargura da saüdade.
A tolice expia-se confessando-a e relembrando-a, dizia Camilo, que entendia de tolices e amarguras. Eu, sempre que posso, trago estas recordações a molde, porque sinto depois a consciência mais leveira.
quarta-feira, agosto 01, 2007
África, Mariazinha em
Enfim, apesar do tom em «Eu Maior», é um livrinho bom de se ler, e simpático, ainda por cima.
domingo, julho 29, 2007
Guerra do Silêncio
quinta-feira, julho 26, 2007
Homem ao Mar!
Gostam de livros?
Pois.
A mim, de pequenino, ensinaram-me a estimá-los.
No livro da terceira classe, ou um desses, vinha uma história, das edificantes, género alguém a perguntar:
‘Viveis sempre só, Senhor Petrarca?’
‘Só?’, respondia o poeta, ‘Vivo sempre rodeado de amigos.’
E, arredando uma cortina, mostrava uma fila de livros.
Eu não sabia quem era esse tal Petrarca, mas a reposta dele estava de acordo com os conselhos maternos.
A Senhora Minha Mãe era uma leitora impenitente. Já bastante velhinha ainda olhava em redor, via um livro em cima de uma mesa e perguntava: «Que tal é este livro?»
E zás, antes de saber a resposta ou sequer se alguém o estava a ler ainda, começava a sua paulatina leitura. Parava, de vez em quando, para fazer um comentário.
Já com os seus oitenta, ou perto disso, leu A Montanha Mágica pela primeira vez. Adorou reencontrar um mundo ainda próximo daquele que viveu na sua meninice, quando a doença romântica era a tuberculose porque levava os jovens e quando uma senhora de sessenta anos «era de muita idade». Quando os vícios ainda não se chamavam adicções: eram o vinho, o tabaco e, o mais desgraçado de todos, o jogo.
E toda a gente, desde sempre, fazia troça. Contavam-se histórias das suas distracções.
A mais célebre era a do arroz.
“Vergonha,” decretou um dia o Milôr Fernandes, “não é fazer embrulho de papel de jornal. Vergonha é ler o embrulho.”
A minha Mãe passou por essa vergonha.
Foi assim: antigamente, quando havia tempo para essas coisas, tirava-se do lume o arroz ainda com muito caldo e punha-se na arca, embrulhado em jornais, a enxugar.
À hora da refeição, estava soberbamente cozido e solto.
Um dia em que a mandaram buscar o arroz à arca, obedeceu prontamente, mas nunca mais voltou. Dá para adivinhar que foram dar com ela, muito quieta, ao pé da arca, a ler um folhetim no papel do embrulho.
Esta foi a mais importante das influências que eu sofri.
Mas houve outras.
A minha Avó era da firme opinião de que ler fazia mal. Como tantos outros vícios, só moderadamente se devia abusar. «Tanto leu que tresleu!», dizia-se e era verdade. E vinha o exemplo:
- Olha o Dr. Ferrer! Tinha tantos livros que tinha uma criada só para limpar o pó à biblioteca! E tanto leu que ficou assim! (gesto significativo de senilidade precoce ou irremissível demência)
Para a Senhora minha Avó, uma asserção universal provava-se, sem possibilidade de contradição, por um exemplo socialmente admissível. E não valia a pena contraditá-la usando o contra-exemplo: que uma andorinha não fazia o Verão, também era indiscutível.
Outras pessoas da família, ou não liam ou saltavam as partes mais aborrecidas. Imagino que A Montanha Mágica, com as suas mil e tal páginas, se lesse em hora e meia: os discursos do Sr. Setembrini, decididamente, não tinham interesse nenhum.
Para a minha Mãe, não.
Um livro começava-se pelo princípio e lia-se todo. Era uma espécie de cobardia abandoná-lo a meio, fosse qual fosse o pretexto. Era como se nos tivéssemos deixado derrotar por um livro, um adversário que devíamos transformar em amigo para toda a vida.
Imaginam o que ela sentiu quando leu o seu primeiro Mário Cláudio.
Ela que devorara a escrita enredada e experimental do Abelaira, a falta de pontuação do Saramago, ela que apenas franzira o nariz ao erotismo serôdio do Jorge Amado em Teresa Batista, cansada de guerra e nem pestanejara com A obra completa de Sally Mara, do Quenaud, sentiu-se soçobrar perante o prosador do Norte.
Quando lhe confessámos que tínhamos tido as mesmas dificuldades, suspirou de alívio.
- Eu sei que estou a ficar velha - explicou-nos. – Mas, mesmo assim…
Por respeito pelo Mário Cláudio, não adiantou a conversa.
Não sei se tudo isto explica porque é que tenho a casa devorada pelos livros. Sei que o livro ainda é pior do que os priões da BSE. Fica a incubar anos e anos e, de repente, quando temos de mudar de casa ou tão só renovar a mobília, parece explodir: o nosso cérebro transformado em esponja mostra-se incapaz de dominar a situação.
Lembram-se do Patinhas a nadar na caixa-forte? É como nós nas bibliotecas. Mas o quaqualionário não se afundava, enquanto nós estamos quase a perder o pé. Estamos quase, quase, a morrer afogados em livros.
Rezem-nos pelas nossas almas, sim?